Pintura de Charles Walters Oyly, intitulada "Tree Struck By Lightning", 1865.
Este é um post convidado da professora de Física e Química Ana Paula Machado, destacada, no presente ano letivo, no Centro de Ciência Viva do Algarve (um site e um espaço que vale a pena visitar).
Algures, nalguma parte recôndita do mundo, completamente desprovida de seres com ouvidos, uma árvore cai.
Ao começar a ler estas palavras, o leitor, possivelmente, começa a desenhar na sua cabeça uma frondosa floresta, com belas, lindas e altíssimas árvores. De acordo com a história, imagina, em seguida, que uma delas, talvez vítima de um fulminante raio, cai estrepitosamente no solo. Claro que o seu cérebro, além do acompanhamento visual que faz, também trata de adicionar os devidos efeitos especiais: o céu transbordante de nuvens escuras com enormes e poderosos raios a cruzar os céus numa barulheira aterradora (supondo que os raios seriam a causa da queda da árvore na história da sua imaginação!). Por fim, vem a imagem do inevitável tombar da árvore. A vítima da fúria dos céus, que outrora recortava majestosamente a paisagem, é atacada por um raio próximo que provoca a sua queda e, num último rasgo da sua orgulhosa existência, tomba ruidosamente.
É agora que surge o nosso problema: ruidosamente?!? Mas, perguntamo-nos, quem é que ouviu? Quem é que apreciou aquele final de uma vida longa? Quem é que pode reconhecer que realmente foi produzido som? Não havendo ouvidos para testemunhar que houve som, será que realmente foi produzido o som?
A nossa experiência diz-nos que sim. Intuitivamente, sabemos que o som seria uma componente importante daquele evento.
A física explica o funcionamento do som. Diz-nos que se as partículas de um meio (sólido, líquido ou gasoso) forem perturbadas, isto é, postas a oscilar em torno da sua posição de equilíbrio, estas irão transmitir essa vibração às suas vizinhas que passarão a executar o mesmo movimento e assim sucessivamente. É para isso que a ciência “física” serve. Explica-nos os fenómenos que nos rodeiam. Neste caso, o som. Noutros pode ser a causa “simples” de todos os astros do universo girarem em torno de um centro (imaginário ou real) ou a causa da mudança de estado físico das substâncias ou, ainda, como funcionam os supercondutores, tecnologia de ponta para muitos dos equipamentos que utilizamos no dia-a-dia.
Mas a filosofia também tem a sua palavra. Como? Pergunta o leitor. Qual poderá ser o árido contributo de uma área que “apenas” sabe levantar questões e argumentar?
É esse mesmo o contributo da filosofia. Importunar! É ela mesma que levanta a questão: então se não havia ouvidos para ouvir esse “som de proporções monumentais”, houve som?
Pois é. Houve ou não? Se não estava lá ninguém para ouvir, porque é que falamos em som?
Neste caso, não se pode dizer que houve som. Mesmo havendo perturbação das partículas do ar, porque isso aconteceu quando a árvore caiu, não se pode dizer que o “som” existiu porque a propagação da perturbação das partículas não atingiu nenhuma membrana de ouvido que, por sua vez, através do mecanismo da audição, é descodificado e transformado no som correspondente à queda da árvore.
A ciência procura responder aos porquês e torna-se muito assertiva nas respostas. Tudo tem de ter uma explicação. Mas é a filosofia que lança os porquês. Podemos dizer que todos os cientistas têm um pouco de filósofos ou que todos nós somos filósofos quando nos preocupamos com os “porquês” e nos matemos fiéis na procura da resposta. Somos o resultado de um conjunto de competências. Também podemos ser como uma árvore na floresta. Sozinhos, pouco fazemos, mas com o contributo de todos podemos ser uma “frondosa e bela floresta” onde é a variedade que permite a sua sobrevivência.
Ana Paula Machado