quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

A utilidade da filosofia para a ciência

«Concordo plenamente consigo quanto à importância e ao valor educativo da metodologia e bem assim da história e da filosofia da ciência. Hoje, muitas pessoas — e mesmo cientistas profissionais — parecem-me alguém que viu milhares de árvores mas nunca uma floresta. Um conhecimento das bases históricas e filosóficas fornece aquele tipo de independência dos preconceitos da sua geração que afectam muitos cientistas. Esta independência criada pelo conhecimento filosófico é — na minha opinião — a marca de distinção entre um mero artesão ou especialista e um verdadeiro pesquisador da verdade.»

Albert Einstein in “Albert Einstein como filósofo da ciência”, de Don A. Howard - https://criticanarede.com/cie_einstein.html

Essas palavras fazem parte da resposta de Albert Einstein a Robert A. Thornton - professor de Introdução à Física na Universidade de Porto Rico –, que queria introduzir alguma filosofia da ciência nas suas aulas e pediu ajuda a Einstein para convencer os seus relutantes colegas.  

 


Pintura: O Astrónomo, de Johannes Vermeer. 

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O passado cheira mal

«Na época a que nos referimos [séc. XVIII] dominava nas cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fábricas de curtumes cuspiam o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado. As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a dentes podres, os estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao perderem a juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução. Os rios tresandavam, as praças tresandavam, as igrejas tresandavam e o mesmo acontecia debaixo das pontes e nos palácios. O camponês cheirava tão mal como o padre, o operário como a mulher do mestre artesão, a nobreza tresandava em todas as suas camadas, o próprio rei cheirava tão mal como um animal selvagem e a rainha como uma cabra velha, quer de verão quer de inverno.»

Patrick Süskind, ‘O Perfume’, Ed. Presença, Lisboa, 2023, pp. 9-10.

Pintura: Étienne Jeaurat, ‘Les Écosseuses de pois de la Halle’ (1763).


domingo, 3 de dezembro de 2023

O que nos une


 «Penso que a melhor descrição dos liberais como nós é mais moral do que política ou cultural: somos, ou aspiramos a ser, abertos, generosos e tolerantes. Somos capazes de viver com a ambiguidade; estamos dispostos a ter discussões que não sentimos que são para ganhar. Seja qual for a nossa ideologia, seja qual for a nossa religião, não somos dogmáticos; não somos fanáticos. Ou, como a atriz Lauren Bacall disse a um entrevistador, um liberal é alguém que “não tem uma mente pequenina”. (…)

Acredito que os democratas e os republicanos – quer sejam ou não membros dos respetivos partidos –, os libertários e os socialistas podem e devem ser este género de liberais. Para todos estes grupos, considerados no seu melhor, a moralidade liberal faz parte do território comum.»

 Michael Walzer, A Luta por uma Política Decente – “Liberal” Como Adjectivo,

Gradiva, Lisboa, 2023, pp. 16-17.

 


sábado, 25 de setembro de 2021

Ceticismos




«Há vários graus de ceticismo. Um cético pode ser simplesmente alguém que nega a possibilidade de conhecimento genuíno (em algumas ou em todas as áreas de investigação). Um cético deste tipo não precisa de criticar a posse de crenças sobre vários assuntos, se a pessoa que as possui não alegar que essas crenças têm o estatuto de conhecimento. Ele próprio pode muito bem ter crenças, incluindo a crença de que não há conhecimento. Não há aqui qualquer inconsistência desde que ele não alegue saber que não há conhecimento. Arcesilau chegou ao ponto de criticar Sócrates por este ter afirmado saber que nada sabia. 
Um cético mais radical, no entanto, pode questionar não só a possibilidade de conhecimento, mas também a legitimidade da crença. Pode recomendar que nos abstenhamos não só do assentimento resoluto característico da certeza, mas também do assentimento precário característico da opinião. Arcesilau parece ter sido um cético deste tipo: sustentou, diz-nos Cícero, que “ninguém deve declarar ou afirmar algo, ou assentir nisso”.»

Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental – volume 1, Filosofia Antiga, Gradiva, Lisboa, 2010, pág. 192.

Pintura: Caravaggio, A Incredulidade de São Tomé, c.1601–1602.