segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um prazer superior

 

Stuart Mill distinguiu entre prazeres superiores e prazeres inferiores. Se essa distinção for verdadeira, a ópera faz certamente parte da lista dos prazeres superiores. Se a distinção for falsa, ou pelo menos se não for possível justificá-la de modo plausível, pode-se ainda assim dizer que ver e ouvir ópera proporciona um prazer maravilhoso, independentemente do que se possa pensar da sua comparação com outro género de prazeres. Seja como for, não há razão para considerá-la uma coisa necessariamente elitista, mas sim para tentar popularizá-la, de modo a que mais pessoas tenham acesso ao superior deleite que proporciona.

O vídeo mostra uma tentativa de popularização da ópera: a Companhia de Ópera de Filadélfia a actuar no meio de um mercado em Filadélfia, nos EUA.

Vídeo descoberto aqui.

sábado, 28 de agosto de 2010

Sócrates a desfazer-se!?

P8170680 A fotografia foi tirada pelo meu filho mais velho.

É mesmo verdade! Devido à acção do vento e da chuva a solidez desta escultura de areia poderá vir a ser seriamente afectada.

Este fenómeno pode ser observado em Portugal, mais precisamente no Fiesa 2010.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os sonhos de Akira Kurosawa: cinema em tempo de lazer (2)

Há duas ideias que com frequência são referidas ao falar dos sonhos. A primeira corresponde a uma questão filosófica: se os nossos sonhos podem reproduzir o real em todos os seus detalhes, então como posso eu saber (ou o caro leitor) se a experiência que estou a vivenciar neste preciso momento não passa afinal de um sonho? Mais: como posso eu saber se a vida não é toda ela um sonho?

Alguns filósofos, como por exemplo Descartes nas Meditações Metafísicas, procuraram responder a este problema imaginando certas experiências mentais. Num dado momento da reflexão cartesiana supõe-se que existirá um Génio Maligno que nos engana não só quanto ao conhecimento sensorial que julgamos ter da realidade, como em relação a conhecimentos aparentemente tão certos e objectivos como os da Matemática. A argumentação cartesiana foi alvo de fortes objecções por parte de outros filósofos, algumas delas referidas aqui neste blogue. Mas a questão de saber qual o critério que permite distinguir o sonho da realidade permanece em aberto e  foi também abordada em filmes muito conhecidos, como por exemplo o Matrix.

A segunda ideia sobre os sonhos insere-se no domínio da psicanálise e não da filosofia. Segundo a teoria de Freud, os sonhos são manifestações disfarçadas de certos desejos – de natureza sexual – que o indivíduo no estado consciente reprime por não serem socialmente aceitáveis. Durante o sono, como a vigilância exercida pelos mecanismos de censura do Eu se encontra atenuada, esses desejos manifestam-se de forma indirecta (simbólica). Daí que seja necessário distinguir o conteúdo manifesto do sonho – aquilo que a pessoa se lembra de ter sonhado, ser atacada por uma cobra, por exemplo – do conteúdo latente ou oculto, cuja interpretação cabe ao psicanalista. Deste modo, sendo a cobra  na linguagem freudiana um símbolo fálico, quem sonha com cobras tem, na verdade, desejos sexuais que se recusa a assumir.

Pode-se defender que Freud tem razão e que as motivações de natureza inconsciente têm um papel muito importante na personalidade e no comportamento dos seres humanos. Ou então, pelo contrário, que a teoria freudiana não tem nada de científico, pois não garante um dos critérios fundamentais da ciência: a objectividade. E, portanto, podemos sonhar em paz, pois nada do que nos vem à cabeça durante o sono revela as perversidades do nosso carácter.

O filme “Sonhos”, do japonês Akira Kurosawa, é constituído por oito contos:  histórias com que o realizador, de facto, sonhou. Os vídeos referem-se ao número dois: “O pomar de pêssegos” e ao número cinco: “Corvos”. O filme é constituído por outros, como por exemplo: “O brilho do Sol através da chuva”, “A tempestade de neve”, “O túnel” e “O monte Fuji em vermelho”.

Com ou sem interpretações psicanalíticas, com ou sem reflexões filosóficas (estas mais difíceis de evitar que aquelas), vale a pena ver este filme. Nele são abordados temas como a morte, a guerra, a consciência moral e ambiental, o sentido da vida, entre outros.

Vi-o há aproximadamente vinte anos em Lisboa num cinema que já não existe. Revi-o estas férias e continuo a achá-lo tão belo e perturbador como da primeira vez.

É a existência de obras belas como esta, bem como de coisas como o amor e a amizade – muitas vezes incólumes à passagem do tempo -, que permite dar significado às nossas vidas breves e árduas.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Frutos da tolerância

A tolerância “sustenta a própria vida, porque a perseguição muitas vezes visa a morte, e também sustenta as vidas comuns, as diferentes comunidades em que vivemos. A tolerância torna a diferença possível; a diferença torna a tolerância necessária.”

Michael Walzer, Da Tolerância, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pág. XII.

tolerancia religiosa

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

É preciso avaliar as tradições

«É evidente que devemos muito à tradição, e que a tradição é muito importante, mas as tradições devem ser analisadas criticamente. Se o fizermos, poderemos libertar-nos daquela atitude que considera a tradição como sacrossanta, ou valiosa em si mesma, substituindo-a por uma atitude que considera as tradições valiosas ou perniciosas, consoante o caso, de acordo com a sua influência sobre os indivíduos. E assim compreenderemos que cada um de nós (por meio do exemplo e da crítica) pode contribuir para o crescimento ou para a supressão de tais tradições.»

Karl Popper, A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, volume II, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1993, pág. 223.

Audição: Caetano Veloso, “Tradição”.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O mar e a vida num poema

image

A fotografia foi tirada daqui.

 Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

domingo, 8 de agosto de 2010

A ideia de que todas as ideias são preconceituosas não será também preconceituosa?

“Não há ninguém que veja o mundo com uma visão pura de preconceitos. Vê-o, sim, com o espírito condicionado por um conjunto definido de costumes, instituições e modos de pensar. Nem mesmo nas suas concepções filosóficas ele consegue subtrair-se a esses estereótipos: até os seus conceitos do verdadeiro e do falso são ainda referidos aos seus particulares costumes tradicionais.”

Ruth Benedict, Padrões de Cultura, Edição Livros do Brasil, Lisboa, s/d, pág. 14.

a antropóloga Ruth Benedict

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Tolerar a diferença

imageA fotografia foi tirada deste blogue (que oferece muitos outros pretextos para ser visitado). 

 

“A humanidade terá muito a ganhar deixando que cada um viva como lhe parece bem, e não forçando cada um a viver como parece bem aos demais.”

John Stuart Mill

domingo, 1 de agosto de 2010

Põe-te no lugar do touro

e se o touro fosse um homemUm dos argumentos que os defensores das touradas costumam apresentar é o argumento da tradição. Mas este é obviamente um mau argumento: o facto de uma certa prática ser tradicional não impede que seja errada. Há tradições erradas e a tradição não constitui justificação suficiente para uma prática. Por exemplo: se num certo país a escravatura for tradicional isso não a torna moralmente correcta.

Para mostrar a alguém que uma acção é errada, mesmo as pessoas que nunca ouviram falar da regra de ouro são capazes de perguntar: “Gostavas que te fizessem o mesmo?” Trata-se, de facto, de uma ideia muito comum. Imaginemos pois que ao planeta Terra chegavam uns extra-terrestres mais poderosos e desenvolvidos que os seres humanos e que eles adoravam um espectáculo muito parecido à tourada, só que em vez de touros preferiam utilizar seres humanos. As pessoas que gostam de tourada gostariam de ser utilizadas desse modo? Certamente que não – mesmo que os extra-terrestres garantissem que se tratava de uma tradição muito antiga e característica da sua cultura. Sendo assim, não deveriam aprovar que se faça isso aos touros. Os touros não raciocinam nem batem palmas, mas sentem dor – e essa é a característica relevante quando se discute uma actividade em que são espetados ferros pontiagudos no corpo de um animal.