quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Como evitar a subjectividade na avaliação dos professores?

Em posts anteriores (veja aqui e aqui) defendeu-se neste blogue que um dos parâmetros da avaliação dos professores deve ser a coerência entre os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais e as classificações atribuídas pelo professor.

Quero agora explicitar um argumento a favor dessa ideia, que estava presente nesses textos mas de modo pouco explícito.

O argumento é este:

Ter em conta os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais é indispensável para assegurar a justiça e a objectividade da avaliação dos professores, pois esse parâmetro contribuirá para que a aplicação dos outros parâmetros seja justa e objectiva. Ora, não existe nenhum outro processo capaz de garantir esse efeito.

Na avaliação do desempenho dos professores devem ser considerados diversos parâmetros. Estes por exemplo:

A qualidade científica e pedagógica dos instrumentos didácticos elaborados pelo professor avaliado (planificações, textos de apoio, esquemas, fichas de trabalho, testes, etc.).

A qualidade científica e pedagógica das próprias aulas (rigor e clareza das explicações, atenção e apoio prestado aos alunos, capacidade de criar um ambiente tranquilo e propício à aprendizagem, etc.).

Não é preciso ser especialmente céptico em relação à natureza humana para considerar que a avaliação de aspectos desse género pode revelar-se muito subjectiva e dependente das meras impressões pessoais do avaliador.

Por um lado, o avaliador pode deixar-se levar pela eventual simpatia ou antipatia que sinta pelo avaliado e – podendo até não ter consciência disso – favorecê-lo ou desfavorecê-lo indevidamente.

Por outro lado, existem concepções pedagógicas muito diferenciadas e pode suceder que o avaliador (com ou sem consciência disso) não consiga ver para além da sua própria perspectiva e não reconheça qualidade ao trabalho de um colega apenas porque este não perfilha as suas concepções pedagógicas e tem outro entendimento acerca do ensino e da aprendizagem. Do mesmo modo, pode suceder que o avaliador relativize a falta de qualidade do trabalho do avaliado, caso este perfilhe as suas concepções pedagógicas.

Todavia, se os alunos do professor avaliado realizarem um exame nacional e for possível comparar os resultados nele obtidos com as classificações atribuídas pelo professor no final do ano lectivo, isso terá um efeito dissuasor e será menos provável que as deturpações subjectivas da avaliação ocorram. Levará os avaliadores mal intencionados a pensar duas vezes antes de voluntariamente deturparem a avaliação. E levará os avaliadores desleixados a empenharem-se com receio que o seu desleixo seja descoberto.

Um parâmetro que também deve existir numa avaliação do desempenho dos professores é a autoavaliação. Se for possível efectuar a comparação referida haverá menos condições para os avaliados “puxarem a brasa à sua sardinha” e se autoavaliarem de modo excessivamente generoso.

Imaginemos um professor que se autoavalia como sendo Muito Bom mas a quem os avaliadores atribuem apenas Suficiente. Se os resultados dos seus alunos no exame nacional forem, em geral, coerentes com as classificações por si atribuídas (os alunos que vão a exame têm de ter pelo menos 10 valores), isso reforçará a pretensão do professor. Caso não exista essa coerência e exista pelo contrário uma discrepância significativa, tal significará, em princípio, que os avaliadores tinham razão.

Todavia, devido ao referido efeito dissuasor essas situações seriam pouco frequentes.

Exames nacionais exigentes e bem elaborados permitiriam a existência de um parâmetro de avaliação independente da vontade e dos interesses particulares dos professores avaliados e dos professores avaliadores, mas não do mérito do trabalho dos professores avaliados. Isso levaria todos os envolvidos a esforçarem-se por serem rigorosos e imparciais.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Matriz do 2º teste do 11º (turmas B, D, E e F)


Ficha de revisão: identificação de argumentos não dedutivos

Os argumentos presentes nos exemplos a seguir apresentados são argumentos não dedutivos: generalizações, previsões, argumentos por analogia e argumentos de autoridade. Identifique-os e diga se são válidos ou inválidos.

A. Os seres humanos que existem actualmente (e também os que já existiram) são incapazes de respirar (de modo natural, sem usar aparelhos) debaixo de água. Por consequência, pode-se dizer que pelo menos as próximas gerações de seres humanos não conseguirão respirar naturalmente debaixo de água.

B. Os seres humanos e os chimpanzés têm muitas semelhanças de carácter biológico: são mamíferos, primatas, partilham noventa e tal por cento dos genes, muitas das suas estruturas cerebrais são parecidas, etc. Os seres humanos, quando são alvo de choques eléctricos, sentem dor e medo. Pode-se, portanto, afirmar que os chimpanzés quando apanham choques eléctricos sentem dor e medo.

C. Os seres humanos e os gorilas têm muitas semelhanças biológicas e comportamentais: são mamíferos (as mães aleitam os filhos), primatas, partilham noventa e tal por cento dos genes, muitas das suas estruturas cerebrais são parecidas, pegam nos filhos ao colo, etc. Os seres humanos sofrem quando são separados dos pais e dos filhos. Pode-se, portanto, afirmar que os gorilas sofrem quando são separados dos pais e dos filhos.

D. Os seres humanos que existem actualmente (e também os que já existiram) são incapazes de respirar (de modo natural, sem usar aparelhos) debaixo de água. Consequentemente, nenhum ser humano poderá jamais respirar naturalmente debaixo de água.

E. Diversas equipas de astrónomos declaram ter observado (de modo indirecto) planetas fora do Sistema Solar. Como tal, podemos afirmar que existem planetas fora do Sistema Solar.

F. Quando o filho lhe perguntou se há pássaros com mais ou menos de duas patas, o Sr. Leopoldo respondeu: “Já vi muitos milhares de pássaros e todos tinham duas patas; por isso, os pássaros só podem ter duas patas.”

G. Tal como Luís de Camões, João Miguel Fernandes Jorge (que tem – neste ano de 2007 – mais ou menos 50 anos) é um bom poeta, uma pessoa inteligente e dotada de espírito crítico. E, à semelhança do autor d’ Os Lusíadas, é português, culto e bem informado. Ora, João Miguel Fernandes Jorge sabe navegar na Internet. Por isso, Luís de Camões também sabia navegar na Internet.

H. David Hume foi passar férias a Florença, na Itália. Após 30 minutos de passeio nas belas ruas de Florença, já tinha visto 17 automobilistas realizarem manobras perigosas. Face a isso, David Hume disse à esposa: “Restam poucas dúvidas que os italianos são maus condutores.”

I. Tenho sete irmãos mais velhos. Os professores de Filosofia dos meus irmãos gostavam de uma banda desenhada chamada Zits. Por isso, aposto que, quando for para o 10º ano, terei um professor de Filosofia que gosta dos livros da série Zits.

J. Nas lojas onde compro materiais para desportos radicais e nas lojas onde compro livros e discos, já fui várias vezes atendido por empregados de bigode que se enganaram nos trocos. Parece-me, por isso, que as pessoas de bigode não sabem fazer contas.


K. Péricles, abanando a cabeça e gesticulando (tinha a cara vermelha e parecia zangado) disse ao seu amigo Diógenes: “Não e não! Não concordo consigo, ó Diógenes! O futebol é um jogo belo e interessante, porque… Enfim! Repare que inúmeros intelectuais e artistas gostam de futebol. Ponha os olhos, por exemplo, no Camilo José Cela, vencedor do prémio Nobel da Literatura – veja bem! Ele adorava futebol… Até escreveu umas histórias, uns contos, com futebol pelo meio.”


domingo, 23 de novembro de 2008

O que é fazer ciência? - A perspectiva de Einstein

Albert Einstein (1879-1955)


«Os conceitos físicos são criações livres do espírito humano e não são, como se poderia crer, unicamente determinados pelo mundo exterior. No nosso esforço para compreender a realidade, a nossa posição lembra a de um homem que procura adivinhar o mecanismo de um relógio fechado. Esse homem vê o mostrador e os ponteiros em movimento, ouve o tiquetaque, mas não dispõe de meios que lhe permitam abrir a caixa. Se é um homem engenhoso, pode representar a imagem de um mecanismo responsável por tudo o que observa, mas não poderá nunca ter a certeza de que o mecanismo que imagina seja o único capaz de explicar as suas observações. Não poderá nunca comparar a imagem que forma do mecanismo interno com a realidade desse mecanismo e nem sequer pode imaginar a possibilidade ou a significação de tal comparação. Mas o investigador crê que, à medida que o seu conhecimento cresce, a sua representação da realidade se torna mais e mais simples e explicativa de domínios cada vez mais extensos. Poderá também acreditar na existência de um limite ideal do conhecimento que o espírito humano pode alcançar. Poderá chamar a esse limite ideal a verdade objectiva.»


Albert Einstein e Leopold Infeld, A evolução das ideias em Física, Ed. Livros Brasil



quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dia Mundial da Filosofia

Parece que hoje é o "Dia Mundial da Filosofia 2008". Fará sentido esta coisa dos dias mundiais disto e daquilo? Terá alguma utilidade? Mesmo que não tenha, talvez se possa dizer que mal não faz.
Mas, muito melhor que celebrar o dia mundial da Filosofia, ou de outra coisa qualquer boa e importante, é dedicar-lhe algum tempo todos os dias. Arranjar-lhe um lugarzinho no meio dos filhos, do amor, dos amigos, da casa por arrumar, do trabalho que devia ter sido concluído ontem... E a verdade é que, com um pouco de esforço e organização, se consegue quase sempre arranjar tempo para aquilo que é realmente importante.
Como é mesmo aquela frase sobre o Natal? É sempre que o homem quiser, não é? Então o dia da filosofia, mundial ou não, passa a ser sempre que o homem ou a mulher quiserem.

Filosofar para escapar à ignorância.

Filósofo em Meditação

de Rembrandt van Rijn [Pintor holandês, 1606-1669]

Para ver mais obras deste pintor clique aqui.

"Foi, de facto, o espanto que levou, tal como hoje, os homens a filosofar. Inicialmente, foram os fenómenos surpreendentes mais comuns (..) depois avançando assim a pouco e pouco, procuraram resolver problemas mais importantes, tais como os fenómenos da lua, os do sol e das estrelas e a génese do universo. Dar conta de um problema é espantar-se, é reconhecer a sua própria ignorância (...). Assim, pois, se foi para escapar à ignorância que os primeiros filósofos se entregaram à filosofia é claro que eles procuravam o saber com o fim de conhecerem e não com um fim utilitário. Aquilo que na realidade se passou prova-o: quase todas as artes que se referem às necessidades e se interessam pelo bem estar já eram conhecidas quando se começou a procurar uma disciplina deste género."

Aristóteles, Metafísica, livro I, Editorial Gredos, págs. 14-15.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Descansar os olhos


Como a cara leitora ou o caro leitor não pode viver só de Filosofia ou de Ciência, e muito menos de manifestações e pedidos de suspensão disto e daquilo, experimente dar uma espreitadela a este sítio: Desenhador do Quotidiano.


É um blogue de Eduardo Salavisa, onde se podem ver desenhos do próprio e dos seus convidados.


O desenho na imagem, por exemplo, é de José Neves. Representa Paris, mas podia ser Lisboa, Florença ou qualquer outra cidade onde uma pessoa se possa sentir feliz. Com um bocado de imaginação, menos caca de cão nas ruas e mais árvores e flores até podia ser Faro.


domingo, 16 de novembro de 2008

Prémio para o leitor 5000

Como "prémio" para o leitor nº 5000 eis uma reedição do primeiro post do Dúvida Metódica, publicado no longínquo dia 14 de Agosto de 2008: um pequeno texto de Giordano Bruno explicando um verbo que nos é caro - filosofar.

Lembro aos leitores que Giordano Bruno foi uma das vítimas da Inquisição: morreu na fogueira a 17 de Fevereiro de 1600. Acusação: heresia.

“Aquele que deseje filosofar deve antes de mais duvidar de todas as coisas. Não pode tomar parte num debate antes de ter escutado as diversas opiniões, nem antes de avaliar e comparar as diversas opiniões, nem antes de avaliar e comparar as razões contrárias e a favor. Jamais deve julgar ou censurar um enunciado apenas pelo que ouviu, pela opinião da maioria, pela idade pelo mérito ou pelo prestígio do orador, devendo por consequência agir de acordo com uma doutrina orgânica que se mantém fiel ao real e uma verdade que pode ser entendida à luz da razão.”


Giordano Bruno, in Michael White “Giordano Bruno: O Filósofo Maldito”, Planeta, 2008.

Que tipo de relação deve existir entre os cidadãos e o Estado?

John Stuart Mill (1806-1873)

O filósofo inglês John Stuart Mill escreveu um livro intitulado “Sobre a liberdade”. Não é fácil exagerar a influência filosófica e política que esse livro tem tido. O seu conhecimento continua a ser essencial para quem pretenda reflectir acerca dos problemas da filosofia política, nomeadamente a relação que deve existir entre o Estado e os cidadãos. As pessoas que exercem cargos políticos teriam certamente a ganhar com a sua leitura.

Nesse livro são analisados e defendidos dois princípios teóricos, fundamentais na filosofia política de Mill: o princípio do dano e a liberdade de opinião e de expressão. No entanto, embora a sua explicação e discussão seja sempre muito interessante, a intenção deste post é bem mais modesta.

Foram as palavras do último capítulo do livro, em que Stuart Mill dá exemplos de aplicações destes princípios, que motivaram este post, pois encontrei nas considerações que faz um paralelo evidente com diversas circunstâncias da vida social, cultural e política do nosso país. Pareceram-me uma explicação plausível para políticas educativas recentes - respeitantes, por exemplo, ao modelo de avaliação dos professores ou ao regime de assiduidade dos alunos - que se têm reflectido na minha actividade profissional de professora.

Além de apontar algumas das causas que podem levar os governantes a fazer um mau uso do poder, este filósofo, apresenta com clareza, uma sugestão fundamental para a solução deste problema: a sujeição da actividade governativa à crítica por parte de pessoas competentes e, naturalmente, a consideração do conteúdo desta por parte dos órgãos que exercem o poder.

Vejamos, então, as sábias palavras de Mill:

“ (…) não se deve esquecer que a absorção de grande parte dos indivíduos talentosos do país por parte do corpo governante é fatal, mais cedo ou mais tarde, para a actividade intelectual e para o desenvolvimento do próprio corpo governante. Unidos como estão – administrando um sistema, que como todos os sistemas, funciona necessariamente, em grande medida, através de regras fixas – os membros do órgão oficial estão sob a tentação constante de se afundar numa rotina indolente, ou, se de vez em quando deixam de andar as voltas quais cavalos de moinho, de aceitar apressadamente qualquer ideia incipiente e mal examinada que tenha agradado a algum membro dirigente do órgão; e a única salvaguarda contra estas tendências intimamente relacionadas, embora aparentemente opostas, o único estímulo que pode fazer a própria competência do órgão manter um padrão elevado, é estar sujeito às críticas vigilantes de pessoas igualmente competentes que não pertençam ao órgão. É, portanto, indispensável que existam meios, independentes em relação ao governo, para formar pessoas competentes, e para lhes fornecer as oportunidades e experiências necessárias para a avaliação correcta das questões práticas.”

A propósito do relacionamento entre os cidadãos e o Estado, Mill termina a sua obra do seguinte modo:

“(…) O valor de um Estado, a longo prazo, é o valor dos indivíduos que o compõem; e um Estado que adie os interesses do desenvolvimento e elevação mental (…), em detrimento de um pouco mais de competência administrativa, ou aquela aparência de competência nos pormenores do negócio que se adquire através da prática; um Estado que inferiorize as suas pessoas, de modo a que sejam instrumentos mais dóceis nas suas mãos, até com fins benéficos, descobrirá que com pessoas pequenas nada de grande se poderia alguma vez realmente alcançar; e que a perfeição da máquina, pela qual sacrificou tudo, no fim de contas de nada servirá, por falta do poder vital que preferiu erradicar, para que a máquina trabalhasse mais suavemente.

Podemos relacionar estas palavras de Mill com o que se passa actualmente na política educativa em Portugal ou será, pelo contrário, uma comparação forçada e deslocada?

Nota: As citações efectuadas foram retiradas do livro de John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, Edições 70, Lisboa, 2006 (págs. 185-186 e 188-189), traduzido por Pedro Madeira.


Ficha de Revisão (para as turmas B, D, E e F do 11º Ano) – Formalização de argumentos e identificação de formas argumentativas

1. Formalize cada um dos argumentos apresentados.


2. Identifique cada uma das formas argumentativas e diga se é válida ou inválida.


A. Caso o sofrimento insuportável e sem esperança de cura seja moralmente errado, alguns doentes devem ser ajudados a morrer. Mas se alguns doentes devem ser ajudados a morrer, então a eutanásia deve ser legalizada. Portanto, se o sofrimento insuportável e sem esperança de cura é moralmente errado, a eutanásia deve ser legalizada.


B. Se o teu amor é autêntico, então envolve confiança e partilha. Mas o teu amor não envolve confiança e partilha. Por isso, o teu amor não é autêntico.


C. Os professores são avaliados ou o seu mérito não será reconhecido. Ora, os professores não são avaliados. Como tal, o seu mérito não será reconhecido.


D. Se X é membro da espécie humana, então tem direitos. Ora, X não é membro da espécie humana. Logo, X não tem direitos.


E. Devemos defender a paz ou lutar de armas na mão. Se defendemos a paz, não gostamos da guerra. Se lutamos de armas na mão, não gostamos da guerra. Logo, não gostamos da guerra.


F. Se queremos uma Polícia eficiente e bons Hospitais públicos, então devemos pagar impostos. Ora, de facto queremos uma Polícia eficiente e bons Hospitais públicos. Consequentemente, devemos pagar impostos.


G. Se cometeste um erro, é preferível assumir e corrigir o que fizeste. Consequentemente, se não é preferível assumir e corrigir o que fizeste, então não cometeste um erro.


H. Se há mal desnecessário no mundo, então é difícil justificar a crença num Deus omnipotente e bom. Se é difícil justificar a crença num Deus omnipotente e bom, então o problema da existência de Deus não está resolvido e não faz sentido matar em nome de Deus. Logo, se há mal desnecessário no mundo, o problema da existência de Deus não está resolvido e não faz sentido matar em nome de Deus.


I. Caso Deus exista, a realidade não é apenas natural e observável. Como tal, se a realidade não é apenas natural e observável, então Deus existe.


J. Se X tem uma atitude crítica, então discute os problemas. Ora, X discute os problemas. Logo, X tem uma atitude crítica.


Bom Trabalho!

sábado, 15 de novembro de 2008

Desobediência civil: não entregaremos os "objectivos individuais"

Na passada quinta-feira, dia 13 de Novembro, fizemos uma reunião de professores na Escola Secundária de Pinheiro e Rosa, onde discutimos o problema da avaliação do desempenho. Estiveram presentes 53 professores (pouco mais de metade do total). Com 48 votos a favor e 5 abstenções, aprovámos uma moção propondo a suspensão do processo de avaliação na nossa Escola. Concordámos em não entregar os objectivos individuais (cuja data de entrega é o próximo dia 17). Entretanto, a moção foi também assinada por diversos professores que não tinham estado presentes na reunião. É previsível que no início da próxima semana surjam mais assinaturas.
Queremos sublinhar que a nossa decisão de não entregar os objectivos individuais não se teria alterado mesmo que fôssemos poucos a fazê-lo. Mas felizmente seremos muitos – não só na nossa Escola como em quase todas as Escolas do país.
Talvez não valha a pena acrescentar mais argumentos. Não é por falta de argumentos contra o actual modelo de avaliação dos professores que a ministra da Educação e os seus poucos aliados se têm obstinado na sua defesa.
Este modelo de avaliação é tão injusto que recusá-lo constitui um acto de desobediência civil legítimo e moralmente justificável. Exortamos outros professores a fazê-lo.
No entanto, não queremos que seja essa a nossa última palavra sobre o assunto. Esta só pode ser uma: concordamos com a avaliação dos professores e queremos ser avaliados. E defendemos que essa avaliação deve ser muito exigente, de modo a ser possível distinguir os bons dos maus professores, e deve ter repercussões na carreira, de modo a premiar o mérito. Não defendemos, portanto, uma avaliação inócua e sem consequências (como seria por exemplo uma avaliação que não se exprimisse numa classificação e seriação dos avaliados). Simplesmente queremos que seja também uma avaliação rigorosa e objectiva.
Carlos Pires
Sara Raposo

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Quantas horas por dia trabalham os professores?

Pode ler no (interessante) blogue Ciência ao Natural uma pequena e curiosa história (“Treino diferente” - http://cienciaaonatural.blogspot.com/2008/11/treino-diferente.html).

Esta ajuda a perceber porque é que, apesar dos professores terem obviamente razão nas críticas que fazem a diversas políticas do Ministério da Educação (o novo Estatuto do Aluno, o novo Estatuto da Carreira Docente, o modelo de avaliação que está a ser imposto…), tem sido difícil fazer a opinião pública perceber isso. É que muitas pessoas pensam que os professores trabalham pouco e desconfiam deles – não deste ou daquele em particular, mas da classe inteira.

Tendo em conta que os professores têm como profissão explicar e esclarecer ideias, é um pouco estranho que não consigam mostrar ao resto da sociedade portuguesa que as horas que passam na escola, apesar de serem muitas (e excederem largamente as 4 ou 5 horas em que dão aulas) , são só uma parte do seu trabalho, pois em casa também trabalham como professores: ao preparar aulas, elaborar materiais, conceber e corrigir testes, etc. Qual será a causa dessa dificuldade de comunicação?

Acessoriamente, na leitura dessa história vale a pena prestar atenção à frase “Deve ser um gene meu, isto de conseguir passar incógnito, mesmo que a centímetros de outro ser humano…”. Caso a cara leitora ou o caro leitor seja um animal social (além de racional, obviamente), verá que a análise dessa frase lhe proporcionará diversas reflexões – filosóficas e não só. Que lhe façam bom proveito!

Talvez fizesse bem à Ministra da Educação pensar nessa frase. Aos professores faria certamente bem que ela pensasse.

Resistir


Quino, Gente, Edições D.Quixote.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O pesadelo de uma avaliação absurda

Aires Almeida escreveu no Público de hoje um artigo chamado “O pesadelo burocrático e a desobediência à lei” em que descreve sem papas na língua a confusão introduzida nas escolas portuguesas pelo modelo de avaliação que o governo está a tentar impor e em que desmonta algumas das perversidades que este encerra. Conclui dizendo que este é um caso em que a desobediência civil faz sentido. Vale mesmo a pena ler:

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1349637

Se é professor, é melhor evitar desgostos de amor

Sugiro aos leitores interessados no problema da avaliação dos professores que leiam os comentários ao post aqui publicado na passada quinta-feira (“Como deveriam os professores ser avaliados?”). Encontrarão uma interessante troca de argumentos, nomeadamente entre Porfírio Silva e Aires Almeida. Este último, que é professor de Filosofia no ensino secundário, descreve com muita clareza alguns dos aspectos absurdos do modelo de avaliação que o governo está a tentar impor.
Parte desses aspectos absurdos prende-se com a sobrecarga de trabalho a que actualmente muitos professores estão sujeitos – esse modelo de avaliação agravou a sobrecarga que já existia e ainda a agravará mais se for completamente implementado.
Quem não é professor ou não conhece professores, provavelmente desconhece que a maior parte desse trabalho é meramente burocrático e contribui pouco ou mesmo nada para a qualidade do ensino. A quantidade de reuniões acerca de assuntos vácuos (Projecto Curricular de Turma, Projecto Educativo da Escola, Plano de Actividades, etc.) e de papelada inútil ou pouco relevante que é preciso preencher é sufocante. Eis alguns exemplos que comprovam que este é, de facto, o “país dos papelinhos”: avisos a torto e a direito informando os pais acerca das faltas dos alunos, actas das inúmeras reuniões, grelhas relativas aos assuntos vácuos que referi e a outros que não referi, impressos relativos às medidas correctivas e às provas de recuperação dos alunos faltosos, justificações e relatórios a propósito de tudo e mais alguma coisa (insucesso dos alunos, abandono escolar, eventuais problemas disciplinares, visitas de estudo), etc. No etc. não estou a incluir as grelhas (várias vezes analisadas, discutidas e depois alteradas por instâncias “superiores”) implicadas no famigerado modelo de avaliação.
Além do nível crescente de reuniões e de papelada, as condições de trabalho dos professores do ensino secundário também se degradaram devido ao facto de, no passado ano lectivo, o seu horário ter sido aumentado em 2 tempos lectivos. Quem tinha um horário com 20 tempos lectivos passou a ter 22. Tal acréscimo significa normalmente mais 1 turma (ou então 1 Direcção de Turma) e portanto mais alunos, mais aulas para preparar e dar, mais testes para corrigir… E, naturalmente, mais reuniões e mais papelada. Só alguns exemplos. Tenho uma colega que dá aulas de Filosofia ao 10º e ao 11º e aulas de Área de Integração no Ensino Profissional. Tem 6 turmas, 1 Direcção de Turma e cerca de 150 alunos. A Sara, co-autora deste blogue, tem 5 turmas, do 10º e 11º anos de Filosofia, 1 Direcção de Turma e cerca de 130 alunos. Eu sou um privilegiado: tenho “apenas” 114 alunos.
Alguns professores (nomeadamente os titulares) têm apenas 1 ou 2 turmas. Outros professores, mesmo não sendo titulares, têm menos turmas e menos alunos, pois leccionam disciplinas com maior carga horária semanal ou com cada turma dividida em dois turnos. Nos parâmetros de avaliação que constam do actual modelo não há referência a essa diferença de condições de trabalho. Será isso justo? Fará isso algum sentido? Não me parece.
Os professores que, já há anos atrás, investiam na sua formação científica (o que é diferente de frequentar acções de formação ridículas e inúteis faladas em “eduquês”) e que liam livros (é preciso reconhecer que nem todos o faziam, apesar de terem tempo para o fazer), actualmente dificilmente conseguem arranjar tempo para mais do que consultar livros. Chamo a atenção do leitor para a diferença: ler livros e consultar livros não é, obviamente, a mesma coisa - pelo menos para quem gosta de ler e aprender.
Todos os dias ouço professores com características pessoais e profissionais bastante diferentes queixarem-se que não têm tempo de preparar as aulas como gostariam ou que não conseguiram dedicar à correcção dos testes o tempo que achavam necessário. E ouço esses professores dizerem que, mesmo assim, tiveram de sacrificar tempo do seu repouso ou da vida familiar.
Essa é uma das queixas mais frequentes dos professores: para irem fazendo tudo o que lhes exigem têm de sacrificar a atenção que dão à família. Mas, como é que podemos ser bons professores, se receamos – por culpa da profissão - não estar a ser bons pais ou boas mães?
Não é de estranhar por isso que, de vez em quando, se ouça um colega mais novo dizer: “Queria ter um filho, mas agora é complicado… É melhor esperar mais uns anos a ver se isto melhora.” Infelizmente, essa esperança talvez seja vã, pois nos últimos anos as coisas só têm piorado. E, face à teimosia da ministra e do governo, não há indícios que as coisas possam melhorar nos próximos tempos.
A explicitação deste último parágrafo podia levar-nos longe. Deixo apenas uma sugestão: esta maneira de tratar os professores é contraditória com o facto de se reconhecer, como o governo reconhece, que é preciso estimular a natalidade.
Li não sei em que romance esta afirmação curiosa: poucas coisas na vida são mais absorventes e mais inimigas da concentração (nomeadamente no trabalho) do que um desgosto de amor. Se as condições de trabalho dos professores são tão más que alguns deles pensam duas vezes antes de casar ou ter filhos, talvez seja caso para dizer (meio a brincar meio a sério) que devem pensar três vezes antes de terem um desgosto de amor. A acreditar no tal escritor, um professor que se veja a braços com algo tão absorvente como um desgosto de amor, arrisca-se - com tudo aquilo que tem para fazer diariamente - a que a sua vida deixe de ser difícil como sempre foi e passe a ser um inferno.
Ou ter-se-á a vida de muitos professores tornado um inferno mesmo sem nenhum desgosto de amor?