domingo, 16 de novembro de 2008

Que tipo de relação deve existir entre os cidadãos e o Estado?

John Stuart Mill (1806-1873)

O filósofo inglês John Stuart Mill escreveu um livro intitulado “Sobre a liberdade”. Não é fácil exagerar a influência filosófica e política que esse livro tem tido. O seu conhecimento continua a ser essencial para quem pretenda reflectir acerca dos problemas da filosofia política, nomeadamente a relação que deve existir entre o Estado e os cidadãos. As pessoas que exercem cargos políticos teriam certamente a ganhar com a sua leitura.

Nesse livro são analisados e defendidos dois princípios teóricos, fundamentais na filosofia política de Mill: o princípio do dano e a liberdade de opinião e de expressão. No entanto, embora a sua explicação e discussão seja sempre muito interessante, a intenção deste post é bem mais modesta.

Foram as palavras do último capítulo do livro, em que Stuart Mill dá exemplos de aplicações destes princípios, que motivaram este post, pois encontrei nas considerações que faz um paralelo evidente com diversas circunstâncias da vida social, cultural e política do nosso país. Pareceram-me uma explicação plausível para políticas educativas recentes - respeitantes, por exemplo, ao modelo de avaliação dos professores ou ao regime de assiduidade dos alunos - que se têm reflectido na minha actividade profissional de professora.

Além de apontar algumas das causas que podem levar os governantes a fazer um mau uso do poder, este filósofo, apresenta com clareza, uma sugestão fundamental para a solução deste problema: a sujeição da actividade governativa à crítica por parte de pessoas competentes e, naturalmente, a consideração do conteúdo desta por parte dos órgãos que exercem o poder.

Vejamos, então, as sábias palavras de Mill:

“ (…) não se deve esquecer que a absorção de grande parte dos indivíduos talentosos do país por parte do corpo governante é fatal, mais cedo ou mais tarde, para a actividade intelectual e para o desenvolvimento do próprio corpo governante. Unidos como estão – administrando um sistema, que como todos os sistemas, funciona necessariamente, em grande medida, através de regras fixas – os membros do órgão oficial estão sob a tentação constante de se afundar numa rotina indolente, ou, se de vez em quando deixam de andar as voltas quais cavalos de moinho, de aceitar apressadamente qualquer ideia incipiente e mal examinada que tenha agradado a algum membro dirigente do órgão; e a única salvaguarda contra estas tendências intimamente relacionadas, embora aparentemente opostas, o único estímulo que pode fazer a própria competência do órgão manter um padrão elevado, é estar sujeito às críticas vigilantes de pessoas igualmente competentes que não pertençam ao órgão. É, portanto, indispensável que existam meios, independentes em relação ao governo, para formar pessoas competentes, e para lhes fornecer as oportunidades e experiências necessárias para a avaliação correcta das questões práticas.”

A propósito do relacionamento entre os cidadãos e o Estado, Mill termina a sua obra do seguinte modo:

“(…) O valor de um Estado, a longo prazo, é o valor dos indivíduos que o compõem; e um Estado que adie os interesses do desenvolvimento e elevação mental (…), em detrimento de um pouco mais de competência administrativa, ou aquela aparência de competência nos pormenores do negócio que se adquire através da prática; um Estado que inferiorize as suas pessoas, de modo a que sejam instrumentos mais dóceis nas suas mãos, até com fins benéficos, descobrirá que com pessoas pequenas nada de grande se poderia alguma vez realmente alcançar; e que a perfeição da máquina, pela qual sacrificou tudo, no fim de contas de nada servirá, por falta do poder vital que preferiu erradicar, para que a máquina trabalhasse mais suavemente.

Podemos relacionar estas palavras de Mill com o que se passa actualmente na política educativa em Portugal ou será, pelo contrário, uma comparação forçada e deslocada?

Nota: As citações efectuadas foram retiradas do livro de John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, Edições 70, Lisboa, 2006 (págs. 185-186 e 188-189), traduzido por Pedro Madeira.


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