quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Como evitar a subjectividade na avaliação dos professores?

Em posts anteriores (veja aqui e aqui) defendeu-se neste blogue que um dos parâmetros da avaliação dos professores deve ser a coerência entre os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais e as classificações atribuídas pelo professor.

Quero agora explicitar um argumento a favor dessa ideia, que estava presente nesses textos mas de modo pouco explícito.

O argumento é este:

Ter em conta os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais é indispensável para assegurar a justiça e a objectividade da avaliação dos professores, pois esse parâmetro contribuirá para que a aplicação dos outros parâmetros seja justa e objectiva. Ora, não existe nenhum outro processo capaz de garantir esse efeito.

Na avaliação do desempenho dos professores devem ser considerados diversos parâmetros. Estes por exemplo:

A qualidade científica e pedagógica dos instrumentos didácticos elaborados pelo professor avaliado (planificações, textos de apoio, esquemas, fichas de trabalho, testes, etc.).

A qualidade científica e pedagógica das próprias aulas (rigor e clareza das explicações, atenção e apoio prestado aos alunos, capacidade de criar um ambiente tranquilo e propício à aprendizagem, etc.).

Não é preciso ser especialmente céptico em relação à natureza humana para considerar que a avaliação de aspectos desse género pode revelar-se muito subjectiva e dependente das meras impressões pessoais do avaliador.

Por um lado, o avaliador pode deixar-se levar pela eventual simpatia ou antipatia que sinta pelo avaliado e – podendo até não ter consciência disso – favorecê-lo ou desfavorecê-lo indevidamente.

Por outro lado, existem concepções pedagógicas muito diferenciadas e pode suceder que o avaliador (com ou sem consciência disso) não consiga ver para além da sua própria perspectiva e não reconheça qualidade ao trabalho de um colega apenas porque este não perfilha as suas concepções pedagógicas e tem outro entendimento acerca do ensino e da aprendizagem. Do mesmo modo, pode suceder que o avaliador relativize a falta de qualidade do trabalho do avaliado, caso este perfilhe as suas concepções pedagógicas.

Todavia, se os alunos do professor avaliado realizarem um exame nacional e for possível comparar os resultados nele obtidos com as classificações atribuídas pelo professor no final do ano lectivo, isso terá um efeito dissuasor e será menos provável que as deturpações subjectivas da avaliação ocorram. Levará os avaliadores mal intencionados a pensar duas vezes antes de voluntariamente deturparem a avaliação. E levará os avaliadores desleixados a empenharem-se com receio que o seu desleixo seja descoberto.

Um parâmetro que também deve existir numa avaliação do desempenho dos professores é a autoavaliação. Se for possível efectuar a comparação referida haverá menos condições para os avaliados “puxarem a brasa à sua sardinha” e se autoavaliarem de modo excessivamente generoso.

Imaginemos um professor que se autoavalia como sendo Muito Bom mas a quem os avaliadores atribuem apenas Suficiente. Se os resultados dos seus alunos no exame nacional forem, em geral, coerentes com as classificações por si atribuídas (os alunos que vão a exame têm de ter pelo menos 10 valores), isso reforçará a pretensão do professor. Caso não exista essa coerência e exista pelo contrário uma discrepância significativa, tal significará, em princípio, que os avaliadores tinham razão.

Todavia, devido ao referido efeito dissuasor essas situações seriam pouco frequentes.

Exames nacionais exigentes e bem elaborados permitiriam a existência de um parâmetro de avaliação independente da vontade e dos interesses particulares dos professores avaliados e dos professores avaliadores, mas não do mérito do trabalho dos professores avaliados. Isso levaria todos os envolvidos a esforçarem-se por serem rigorosos e imparciais.

2 comentários:

j. manuel cordeiro disse...

Comecei a responder aqui nesta caixa de comentário mas o texto cresceu em demasia. Remeto-o assim para este link autónomo:

Como viver com a subjectividade numa avalaição de desempenho?

Anónimo disse...

Em resposta ao post "Vamos Dar Uma Ajudinha À Plataforma Sindical?" do Paulo Guinote, apresentei um esboço de proposta que tem muito em comum com esta do Carlos Pires e da Sara Raposo e inclui ainda outros mecanismos de aferição, semelhantes aos propostos pelo Jorge do Fliscorno no seu comentário a esta proposta.

Na altura não obtive qualquer feedback (a malta discutiu tudo menos propostas alternativas). É por isso com imenso agrado que constato não estar sozinho nesta ideia. Gostava de a trabalhar melhor com outros colegas que também assim pensem, por isso reproduzo adiante a minha sugestão, ainda muito em bruto. A avaliação externa dos alunos vem no ponto dois.

1. Componente pedagógica

1.1. A avaliação podia ser iniciada com uma espécie de OIP como sugere o Guinote, obviamente sem previsões quantificadas de sucesso, abandono e outras tretas que tais. Afinal, que sentido faz definir estratégias e meios sem propósitos claros?

1.2. Portefólios (impossíveis de validar) para quê? Não há práticas já instituídas em cada grupo/departamento/escola passíveis de ser avaliadas? ex: dossiês onde se colocam os materiais utilizados, testes, critérios, planificações, actas, sumários, projectos…

1.3. A questão dos avaliadores é a mais complicada, devido ao embróglio do concurso para titulares. Mas em cada escola há um júri já instituído: o grupo! Isso sim seria avaliação interpares, devendo intervir também o coordenador do departamento e o PCE, nos parametros que lhes dizem respeito.

1.4. Por mim, todos os elementos de cada grupo, coordenador e PCE podem e devem assistir a algumas aulas de todos, e até colaborar sempre que isso for desejado e viável. Isso sim seria formativo! Claro que deveria haver um mínimo formalmente definido, em momentos chave de avaliação.

1.5. Nada de valorizar especialmente apenas algumas actividades que não sejam aplicáveis em diferentes turmas/escolas/disciplinas. Valorizar sim, mas tudo o que se aplique e seja reconhecidamente enriquecedor em cada contexto específico.

1.6. Um balanço final, em jeito de reflexão crítica, não me parece descabido, embora talvez sujeito a uma estrutura geral uniforme (mas não demasiado limitante).

2. Resultados dos alunos

2.1. Para efeito de regulação e diferenciação - se for bem validado cientificamente em função de cada realidade - a avaliação de desempenho deve sempre ter em conta a RELAÇÃO entre as classificações finais atribuídas por cada professor e as classificações obtidas pelos alunos em provas externas de âmbito nacional.

2.2. Estas provas nacionais teriam de ser implementadas em todos os anos e em todas as disciplinas, claro, mas não tendo necessariamente de ser exames teóricos. Já há precedentes testados e relativamente bem sucedidos: ex: provas intermédias, provas globais, exames, provas práticas, …, ou outras soluções (a desenvolver) adequadas a cada nível/disciplina/curso.

2.3. Esta comparação é matematicamente muito simples de executar e pode até, com ajuda de uma aplicação informática, servir de base para correlações válidas entre diferentes disciplinas (na mesma turma), entre turmas (na mesma disciplina) e até entre escolas, desde que se comparem indicadores relativos e não absolutos como erradamente se faz nos rankings.

2.4. Apenas assim seria possível detectar os casos mais salientes de sucesso e aqueles em que algo vai mal, e dar-lhes o reconhecimento ou o remédio adequados.

2.5. Este reconhecimento do melhor e do pior deveria ter reflexos na carreira e, na vertente má, levar à intervenção do grupo/departamento, do conselho pedagógico e mesmo da inspecção escolar sempre que se justificasse.

No fundo, trata-se a aproveitar aquilo que já existe e introduzir uma avaliação externa séria como elemento regulador do sistema.
E muito mais não seria necessário, em termos de avaliação, quer formativa quer para efeitos de progressão da carreira.
Que efeitos? Isso dependeria da estrutura da carreira, claro. É outra reflexão que urge fazer.