terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uma objecção ao argumento céptico dos erros e ilusões perceptivas

ilusão óptica

Esta imagem foi retirada daqui. Garanto que vale mesmo a pena visitar o site, onde poderá encontrar imagens de outras ilusões perceptivas e a sua explicação fisiológica e psicológica.

Os cépticos consideram que devemos duvidar do conhecimento baseado nos nossos sentidos. Justificam essa posição com o argumento dos erros e ilusões perceptivas, também referido por Descartes (mais detalhes a esse respeito no post Algumas imagens que nos levam a duvidar dos nossos olhos e o cepticismo radical). Mas  será este um bom argumento?

Vejamos uma refutação possível, apresentada pelo filósofo Stephen Law:

«Platão no Teeteto apresenta a visão do filósofo grego Protágoras: “As coisas são para ti como tu as percepcionas e para mim como eu as percepciono... O vento é frio para aquele que tem frio e não para o que não tem”. Perante a discórdia, como posso ter eu a certeza de que o que eu percepciono é real? Esses desacordos não mostram que os nossos cinco sentidos não são de fiar?

O desacordo acerca dos dados dos sentidos não é generalizado. Pelo menos as pessoas concordam que o ar é um gás, não um líquido. E costumam concordar sobre a existência de uma brisa (mesmo que não seja igualmente quente para todos). De facto, o desacordo sobre essas questões pressupõe que as nossas percepções são, em grande parte, concordantes, o que apoia a afirmação de que a percepção, afinal, pode fornecer conhecimento.

Outra das preocupações acerca da fiabilidade dos nossos sentidos prende-se com as ilusões ópticas. Por exemplo, quando objectos rectos rompem a superfície da água parecem curvados. Ilusões como esta não mostram que os nossos sentidos não são de fiar? Mais uma vez, não.

Esses erros de percepção são corrigíveis, ou pelo menos previsíveis, dados os conhecimentos sobre o comportamento da luz, entre outros. Aquilo que eu vi anteriormente (o objecto que é recto; o efeito da água na aparência das coisas) pode ser usado para corrigir aquilo que parece que estou a ver agora. Assim, as ilusões não são boas razões para supor que os nossos sentidos são, de um modo geral, falíveis (1)

Outro exemplo ilustrativo do facto referido anteriormente é o que acontece no cinema, o chamado fenómeno do movimento aparente. Se a película de um filme fosse rodada lentamente, nós veríamos uma sequência de imagens estáticas. Todavia, como essa película é passada a uma certa velocidade, as imagens são vistas em movimento. Esse movimento é ilusório, na realidade não existe. É apenas uma consequência de mecanismos fisiológicos dos olhos e do cérebro do observador, os quais determinam o modo como os estímulos exteriores são captados e a informação é organizada e interpretada. Podemos, então, perceber porque razão os nossos sentidos nos fornecem, neste caso, uma imagem falsa da realidade. A explicação racional deste fenómeno permite compreender e corrigir o conhecimento enganador que a percepção fornece.

Serão estas objecções mais plausíveis que o argumento dos erros e ilusões perceptivas?

Ou será que, como os cépticos radicais dizem, pelo facto dos nossos sentidos nos enganarem algumas vezes teremos de concluir que nos enganam sempre?

(1) Stephen Law, Guias Essenciais – Filosofia, Civilização Editora, Porto, 2009, pág. 53.

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá. Desde já muitos parabéns pelo blog, que acho muito util. Tenho de elaborar um ensaio sobre o Sentido da vida; no entanto, o manual não tem muitas indicações sobre os argumentos e as suas objecções. Será que não poderia postar algo sobre o sentido da vida, que me ajudasse a tomar uma decisão? obrigada pela atenção. Lara Filipa.

Manolo Heredia disse...

Mais uma falácia originada pelo despreso da relatividade.
Os sentidos transmitem aos seres vivos que estão a sentir uma imagem subjectiva da realidade. Julgo que nunca ninguém esperou obter dos seus próprios sentidos imagens objectivas da realidade. Objectivos no sentido de constituirem um padrão unico, válido para outros seres sensíveis.
Para obter a leitura objectiva da realidade é necessário construir aparelhos para ler a realidade, e medidas padrão para afereir esses aparelhos.

Daniel F. Gontijo disse...

Ainda bem que nossos ancestrais não duvidaram tanto de suas percepções; graças à sua fé podemos hoje discutir sobre alguns detalhes da percepção — que às vezes nos engana mas que geralmente confere-nos representações ótimas de como o mundo funciona.

Um abraço!

Sara Raposo disse...

Lara:
Agradecemos as palavras simpáticas. Quanto ao ensaio que tem de realizar pode consultar aqui a etiqueta "sentido da vida" e pode ler sobre esse tema nos artigos que se encontram na Crítica e no crítica:blog (que têm os melhores artigos de Filosofia online em português). Bom trabalho!
Cumprimentos.