terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Subjectivismo moral (3): Haverá provas em ética?

elementosdafilosofiamoral

Para mais informações sobre este livro ver aqui e aqui.

«Se o subjectivismo ético [ou moral] não é verdadeiro, porque razão se sentem algumas pessoas atraídas por ele? Uma das razões tem que ver com o facto de a ciência fornecer o nosso paradigma de objectividade, e quando comparamos a ética à ciência, à ética parecem faltar as características que tornam a ciência tão irresistível. Por exemplo: a inexistência de provas em ética parece uma grande deficiência. Podemos provar que o mundo é redondo, que não existe o maior número primo e que os dinossauros viveram antes dos seres humanos. Mas poderemos provar que o aborto é certo ou errado?

A ideia geral de que os juízos morais não se podem provar é apelativa. Qualquer pessoa que já tenha debatido um tema como o aborto sabe como pode ser frustrante tentar “provar” que o seu ponto de vista é correcto. No entanto, se examinarmos esta ideia mais de perto, revela-se dúbia (…).

É fácil imaginar (…) exemplos:

Jones é um homem mau. Tem o hábito de mentir; manipula as pessoas; engana-as quando pensa poder fazê-lo sem ser descoberto; é cruel com os outros e assim por diante;

Uma determinada vendedora de automóveis é desonesta. Esconde defeitos dos automóveis; aproveita-se de pessoas sem recursos pressionando-as a pagar preços exorbitantes por automóveis que sabe terem problemas; coloca anúncios publicitários enganadores em qualquer jornal que aceite publicá-los e assim por diante.

(…) Se uma das nossas razões para afirmar que Jones é um homem mau é ele mentir habitualmente, podemos prosseguir e explicar porque motivo mentir é mau. Mentir é mau, primeiro porque prejudica as pessoas. Se alguém dá uma falsa informação a outra pessoa e essa pessoa confiar nela, as coisas podem correr mal de diversas maneiras. Segundo, mentir é mau por ser uma violação da confiança. Confiar noutra pessoa significa ficarmos vulneráveis e desprotegidos. Quando se confia em alguém, acredita-se simplesmente no que essa pessoa diz, sem tomar precauções; e quando uma pessoa mente aproveita-se da nossa confiança. É por isso que ser enganado constitui uma ofensa tão íntima e pessoal. Por fim, a regra exigindo que não se minta é necessária para a sociedade poder existir - se não pudéssemos partir do princípio que as outras pessoas dirão a verdade, a comunicação tornar-se-ia impossível e, se a comunicação fosse impossível, a sociedade seria impossível.

Portanto, podemos apoiar os nossos juízos em boas razões, e podemos oferecer explicações do porquê de essas razões terem importância. Se podemos fazer tudo isto, (…) que mais “provas” poderia alguém desejar? É absurdo afirmar que os juízos éticos não podem ser mais do que “meras opiniões” (…).

Por fim, é fácil misturar duas coisas que são na realidade muito diferentes:

1. Provar a correcção de uma ideia;

2. Persuadir alguém a aceitar as nossas provas.

Podemos ter um argumento exemplar que alguém recusa a aceitar. Mas isso não significa que tenha de estar alguma coisa errada com o argumento ou que a “prova” seja, de alguma forma, inatingível. Pode apenas significar que alguém está a ser teimoso. Quando isto acontece não devemos surpreender-nos. Em ética é de esperar que as pessoas por vezes se recusem a dar ouvidos à razão. Afinal de contas, a ética pode exigir a realização de coisas que não queremos fazer, sendo, pois, muito previsível que tentemos evitar ouvir as suas exigências.»

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, tradução de F. J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, 2004, Colecção Filosofia Aberta, Edições Gradiva, pp. 68-71.

Outras passagens deste livro podem encontrar-se neste blogue aqui.

2 comentários:

Gerson Avillez disse...

Conforme a mesma frase do título que você disse seria um mal começo de plena anti-ética afirmar que sempre se estará correto e assim você é dono da verdade. O subjetivo apenas responde ao que se encontra em igual nível pois quando as resultantes não concidem com a lógica objetiva simplesmente é porque está errado.

Sara Raposo disse...

Gerson:
Penso que o subjectivismo, tal como Rachels demonstra, e o Gerson refere, não é sustentável do ponto de vista racional. O que importa em relação aos juízos morais é se a justificação assenta em boas razões.
Cumprimentos