terça-feira, 3 de março de 2009

O argumento céptico da divergência de opiniões

“Em relação a qualquer assunto, tem surgido não só entre as pessoas comuns, mas também entre os filósofos, um conflito interminável, em virtude do qual somos incapazes tanto de escolher uma coisa como de a rejeitar, acabando assim por suspender o juízo.”

Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas (citação retirada do manual de Filosofia A Arte de Pensar – 11).

Essa divergência de opiniões (supostamente irremediável) tem levado os cépticos mais radicais a afirmar que o conhecimento humano não passa de uma ilusão e que os seres humanos não sabem nada.

Acerca de temas como o aborto, a eutanásia, a existência de Deus ou – entre muitos outros – o casamento dos homossexuais existem diversas teses a favor e contra, bem como teses “intermédias”, e muitos argumentos e contra-argumentos para defender e atacar cada uma delas.

A leitura de um bom livro de Filosofia, ou a participação numa aula de Filosofia pelo menos razoável, permite perceber que essas teses, argumentos e contra-argumentos formam uma espécie de “teia” onde nos podemos enredar em perplexidades e dúvidas. Por isso se diz que a filosofia é uma actividade que pode ser vertiginosa.

De acordo com os cépticos, o facto de haver tais divergências significa que nenhum dos argumentos em causa constitui uma boa justificação da tese defendida.
Um exemplo. O facto de existir o argumento do mal mostra que os argumentos a favor da existência de Deus não conseguem efectivamente justificar a proposição “Deus existe”. O facto de se poder criticar o argumento do mal mostra que este não consegue efectivamente justificar a proposição “Deus não existe”.

Podemos apresentar o argumento da divergência de opiniões sob a forma de um Modus Tollens muito simples:
Se há de facto justificação das nossas crenças, não há divergências relativamente a todos os assuntos. Há divergências relativamente a todos os assuntos. Logo, não há de facto justificação das nossas crenças.

Ora, a justificação é uma condição necessária do conhecimento. Por isso, argumentam os cépticos, não há realmente conhecimento desses temas controversos. Trata-se de outro Modus Tollens:
Se há conhecimento, então há justificação. Não há justificação. Logo, não há conhecimento.

Mas terão os cépticos razão? Vejamos três objecções

1. O argumento da divergência de opiniões (tal como o argumento do erro dos sentidos e o argumento da regressão ao infinito na justificação) pretende justificar a segunda premissa deste segundo Modus Tollens: “Não há justificação”. Ora isso parece envolver uma contradição – se não houvesse justificação então não se poderia justificar a própria ideia de que não justificação.

Esta objecção é uma versão da objecção que acusa o cepticismo radical de se auto-refutar: se fosse verdade que não sabemos nada então não se poderia sequer saber que não sabemos nada.

2. Os cépticos radicais afirmam que há divergências em relação a todos os assuntos: “em relação a qualquer assunto”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação: muitas ideias da Matemática e da Física são consensuais.

3. Os cépticos radicais sugerem que as divergências de opinião são irremediáveis e insuperáveis: “conflito interminável”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação. Há assuntos relativamente aos quais já existiu controvérsia e depois deixou de haver. Por exemplo: a causa das marés. E há assuntos que são hoje muitos menos controversos do que já foram. Por exemplo: a igualdade de direitos entre homens e mulheres nas sociedades ocidentais actuais é quase consensual. Por isso, as divergências de opinião não são insuperáveis.

Estas objecções serão mais fortes que o argumento céptico da divergência de opiniões?

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