terça-feira, 24 de março de 2009

O argumento da marca

“Olhando para o seu próprio ‘eu’, que é tudo o que lhe resta neste momento, Descartes descobre que tem uma ideia de perfeição. Argumenta, então, que uma tal ideia implica uma causa. No entanto, a coisa que originou essa ideia deve possuir tanta ‘realidade’ como ela, e isso inclui a perfeição. Isto implica que só uma causa perfeita, isto é, Deus, pode servir. Por isso, Deus existe e legou-nos a ideia de perfeição como um sinal inato da sua acção nas nossas mentes, assim como um artesão deixa a sua marca gravada no seu trabalho.”

Simon Blackburn, Pense – Uma Introdução à Filosofia, Gradiva, 2001, pág. 42.

Este argumento tem sido alvo de diversas objecções, inclusivamente por parte de filósofos que defendem a existência de Deus.

Consegue pensar em alguma objecção contra este argumento?

7 comentários:

João Pedro disse...

Saudações!

Penso que a estrutura do argumento de Descartes é esta:

Temos na nossa mente a ideia de Deus.
Só a perfeição (=Deus) pode causar a ideia de Deus.
Logo, Deus existe.

O argumento é dedutivo e considero-o válido.
Assim, será bom se as suas premissas forem verdadeiras.

Tenho dúvidas quanto às duas.
Quanto à primeira:

"Temos na nossa mente a ideia de Deus."

Esta premissa é empiricamente verificável. Não é líquido que toda a gente tenha na sua mente a ideia de Deus.
Por exemplo, se experimentarmos isolarmos 200 bebés desde nascença, por exemplo, não é líquido que todos eles se lembrem que possa haver algo como Deus. Podem nunca se lembrar disso.


Quanto à 2ª premissa ela parece-me igualmente discutível: vamos supor que eu chego à beira de uma criança de 3 anos e lhe digo: "Olha Deus é isto, isto e aquilo..."
Introduzi na mente da criança a ideia de Deus! E não sou perfeito. Logo, a 2ª premissa não faz sentido.

Cumprimentos!

João Pedro disse...

Saudações!

Estrutura do argumento:

Temos a ideia de Deus na nossa mente.
Só a perfeição (=Deus) pode causar a ideia de Deus.
Logo, Deus existe.

O argumento é dedutivo e parece-me válido.
Logo, se as premissas forem verdadeiras, o argumento será bom.

1ª premissa:

"Temos a ideia de Deus na nossa mente."

Isto é discutível. Se deixarmos 200
bebés isolados não tenho a certeza que todos desenvolvam a ideia de Deus.

2ª premissa:

"Só a perfeição (=Deus) pode causar a ideia de Deus."

Penso que esta premissa não tem sentido. Suponhamos que eu chego à beira de uma criança de 3 anos e lhe digo que Deus é XYZ, introduzindo assim com sucesso a ideia de Deus nessa criança. Eu não sou perfeito. Logo, esta proposição não faz sentido.

Cumprimentos!

À espera de resposta!

Carlos Pires disse...

João Pedro:

Uma reconstituição mais clara do argumento da marca é:

Tenho a ideia de ser perfeito (Deus).
Se tenho a ideia de ser perfeito (Deus), então ela só pode ser causada por um ser perfeito (Deus).
Se essa ideia só pode ser causada por um ser perfeito (Deus), então esse ser (Deus) existe.
Logo, Deus existe.

Claro que o argumento é válido. O problema está nas premissas (já agora, para um argumento ser bom não basta que seja válido e que tenha premissas verdadeiras; é preciso uma 3ª condição: as premissas têm de ser mais plausíveis que a conclusão).

Conforme o João Pedro sugere, é realmente discutível que todos os seres humanos tenham a ideia de ser perfeito (Deus). Alguns têm e outros não. Mas, o facto de alguns (como Descartes, por exemplo) terem, provará a existência de Deus?

É duvidoso, pois a segunda premissa parece ser falsa. Um ser imperfeito não poderia ser causa de um ser perfeito, mas coisa muito diferente é ser causa da ideia de perfeito. A ideia de perfeito não é perfeita, tal como a ideia de sujo não é suja. Por isso, a ideia de perfeito pode ser causada por alguém que é imperfeito e o facto de este a possuir não prova a existência de Deus.

Dito por outras palavras: um ser humano, imperfeito como é, não poderia criar um Deus, mas pode criar a ideia de Deus.

Tatiana Nogueira disse...

O argumento da marca diz-nos que a ideia que temos de perfeição não pode vir de nós mas sim de um ser superior, uma vez que nós como seres imperfeitos que somos não conseguiríamos formular a ideia de perfeição por nós mesmos, por isso Decartes apoia-se neste argumento para provar a existência de Deus uma vez que se temos a ideia de um ser perfeito esse ser tem de existir, ninguém melhor que Deus para ocupar esse lugar.
Na minha opinião este não é dos melhores argumentos que visam provar a existência de Deus pois nesta altura Decartes ainda não excluiu a hipótese do génio maligno que nos pode estar a enganar fazendo com que pensemos que ele é um Deus bom e na realidade não o ser.
Talvez o génio nos possa enganar em tudo o resto como na matemática, naquilo que pensamos (...)
Outra crítica que se pode apresentar a este argumento é a de não ser necessário um ser perfeito para nós termos a ideia de perfeição.
Nós nunca vimos nada sem falhas, porém gostávamos que as coisas fossem melhores do que são, por isso, criamos um máximo, algo que seja superior exemplo: Há alguém que é inteligente mas conseguimos imaginar algo mais inteligente isso, ou seja criamos um máximo relativamente a inteligência e quem diz inteligência diz beleza, perfeição, simpatia (...)
Assim sendo podemos ter a ideia de perfeição sem sermos perfeitos, porque essa ideia vem de fora, da comparação com outras pessoas.

Carlos Pires disse...

"ninguém melhor que Deus para ocupar esse lugar" = Deus é o nome com que se costuma designar esse ser perfeito cuja existência (se aceitarmos o argumento) se demonstrou.

Bom resumo Tatiana.

Obrigado pelo comentário.

Anónimo disse...

Este argumento é da autoria de Descartes? E o argumento ontológico, quem é o seu autor?

José

Cátia A.Nunes disse...

Sei que penso, e existo; mas, por vezes, duvido, e engano-me; logo, não sou perfeito. No entanto, tenho a ideia de perfeição; caso contrário, como poderia pensar que não sou perfeito? Mas de onde me chegou a ideia de perfeição?

Ou a ideia de perfeição foi criada por mim, ou a recebi do mundo exterior, ou me chegou de outro sítio qualquer. Mas a ideia de perfeição não pode ter sido criada por mim; isto porque não sou perfeito, e o imperfeito não pode criar o perfeito. Pela mesma razão, não a recebi do mundo exterior, uma vez que no mundo exterior nada parece haver mais perfeito do que eu mesmo. Logo, a ideia de perfeição só pode ter sido posta em mim por um ser absolutamente perfeito: Deus, para tudo dizer numa palavra


É possível construir um argumento com 2 permissas e uma conclusão a partir disto? :$