Para compreender a objecção é necessário ter o argumento da marca bem presente. Refresque a memória lendo o post “O argumento da marca”.
Tal como diz Descartes, um efeito não pode ser superior à sua causa (isto é, não pode haver mais realidade no efeito do que na causa) e por isso um ser imperfeito não poderia criar um ser perfeito.
Mas as ideias são diferentes das coisas. As ideias representam as coisas mas não são exactamente como as coisas. Por exemplo: a ideia de frio não é fria e a ideia de sujo não é suja. Do mesmo modo, a ideia de perfeição não é perfeita. Sendo assim, e contrariamente ao que diz Descartes, seres imperfeitos como nós podem formar a ideia de perfeição.
Podemos formar a ideia de perfeição imaginando as coisas muito melhores do que são, ou seja, sem os defeitos que têm.
Por isso, o facto de termos a ideia de perfeição não implica que exista um ser perfeito (Deus) que a causou, ou seja, o argumento da marca não prova a existência de Deus.
Resumindo: Os seres humanos não são capazes de criar um Deus, mas são capazes de criar a ideia de Deus.
Na sua opinião, o que é mais sólido – o argumento da marca ou esta objecção? Porquê?
Bibliografia:
Aires Almeida e outros, A Arte de Pensar – 11º ano, Didáctica Editora, 2008.
Aires Almeida e outros, A Arte de Ensinar a Pensar – 11º ano, Didáctica Editora, 2008.
Simon Blackburn, Pense – Uma Introdução à Filosofia, Gradiva, 2001.
4 comentários:
Já vi que há pouco no meu P.S. disse asneiras. Sempre pensei que um argumento sólido era equivalente a um argumento bom ou cogente. Estava enganado. Já vi os posts anteriores para descobrir porquê.
Obrigado pelo anterior reparo e pelas respostas.
Não receberam a minha mensagem original?
Parece que não. Julguei que o "P.S." fosse uma referência ao comentário ao post sobre o argumento da marca.
Saudações!
Discordo da refutação.
Não vejo porque não podemos diferenciar coisas e ideias em termos de perfeição.
O argumento refutatório parece ser o seguinte:
A ideia de frio não é fria, por exemplo.
Logo, por analogia, a ideia de Deus não é perfeita.
Logo, poderia ser pensada por nós próprios, sem ajuda externa.
Penso que a analogia não funciona.
Repare que o frio não é uma coisa, é uma propriedade. Pelo contrário, Deus é um ser, uma coisa, um objecto. Trata-se de coisas diferentes.
Como diz, a ideia de uma propriedade não tem essa propriedade: a ideia de sujo não é suja.
No entanto, as ideias de coisas têm propriedades.
Passo a explicar:
-na realidade, a minha camisola é azul (suponhamos). Na minha mente, essa camisola continua a ser azul.
Logo, se na minha mente as coisas têm propriedades e Deus é uma coisa, a ideia de Deus continua a ter a propriedade da perfeição.
Dirá que não podemos comparar ideias de coisas com coisas na realidade, porque, por exemplo:
Suponhamos que uma carro A é melhor do que o B, porque tem a propriedade X.
No entanto, a ideia do carro A é pior do que o "carro B na realidade", porque nós, apesar de tudo, preferimos ter o carro B à ideia do carro A. Isto é verdadeiro, porque a ideia do carro A é pior do que o carro A na realidade: à ideia, falta-lhe a propriedade boa da existência.
Assim, a existência de Deus na nossa mente acumula todas as perfeições menos a da existência.
Penso que a ideia de Deus é mais perfeita do que nós.
Logo, apenas por nós próprios, não conseguimos ter a ideia de Deus.
Crítica ao argumento da marca:
O verdadeiro problema do argumento da marca é para mim o seguinte: não vejo por que razão a premissa "um efeito não pode ser superior à sua causa" é verdadeira.
Isto é, não consigo conceber por que é que o imperfeito não consegue produzir algo mais perfeito.
Como o Carlos diz:
"Podemos formar a ideia de perfeição imaginando as coisas muito melhores do que são, ou seja, sem os defeitos que têm. Por isso, o facto de termos a ideia de perfeição não implica que exista um ser perfeito (Deus) que a causou, ou seja, o argumento da marca não prova a existência de Deus."
Quanto ao meu P.S. dos posts anteriores, era só para dizer que já entendi a diferença (por pesquisar no seu excelente blog) entre um argumento sólido e um cogente. Não tinha aprendido isso. Sempre pensei que um argumento sólido era o mesmo que um argumento bom. A distinção faz sentido.
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