segunda-feira, 27 de abril de 2009

O argumento ontológico: diálogo entre um crente e um ateu

Anselmo: Acreditas em Deus?

Vera: Não. Acho que Deus não existe.

Anselmo: Quando pensas em Deus pensas em quê?

Vera: Bem… Penso em alguém… um ser perfeito, omnipotente, omnisciente… Só que não acredito que exista.

Anselmo: Pensas no ser supremo... algo, ou melhor, alguém mais perfeito do que tudo o resto, alguém cuja perfeição é tão grande que não se pode pensar em nada mais perfeito – é isso?

Vera: Sim.

Anselmo: Portanto, tu tens uma ideia de Deus, embora digas que Deus não existe.

Vera: Obviamente! Tenho uma ideia de Deus, tal como tenho uma ideia de sereia, embora não existam sereias.

Anselmo: Deixa-me dar outro exemplo: um pintor imagina detalhadamente um quadro, mas não o pinta. O quadro não existe realmente, mas o pintor tem uma ideia acerca dele.

Vera: Sim, é como a ideia de sereia. Vai dar ao mesmo... tem-se a ideia de uma coisa que não existe.

Anselmo: Diz-me uma coisa: o que achas mais perfeito, a mera ideia de um quadro ou o quadro realmente existente?

Vera: Claro que um quadro que existe de facto é algo superior, algo melhor (mais perfeito, utilizando a tua expressão) do que um quadro apenas imaginado, que apenas “existe” na mente do pintor.

Anselmo: Mas, então, repara numa coisa: se a ideia de Deus é a ideia do ser mais perfeito do que o qual nada pode ser pensado, então, Deus tem de existir realmente…

Vera: Ora essa... Desculpa interromper, mas é que…

Anselmo: Deixa-me explicar. Se Deus não existir, então, já não é o ser mais perfeito do que o qual nada pode ser pensado, pois poder-se-ia pensar num ser semelhante mas que existisse realmente. Tu tens a ideia de que Deus é o ser mais perfeito do que o qual nada pode ser pensado e depois ao dizer que não existe estás a dizer que, afinal, não é esse ser acima do qual nada pode ser pensado (pois podemos pensar num que além das características presentes na ideia também exista). É uma contradição.

Vera: Estás a dizer que quem tem a ideia de Deus cai em contradição se não admitir a sua existência?

Anselmo: Exactamente. Podes ter uma ideia de sereia e não existirem sereias, mas com a ideia de Deus é diferente. O facto de teres a ideia de Deus mostra que ele existe. Deus tem de existir. A existência de Deus decorre necessariamente da sua definição como o ser mais perfeito do que o qual nada pode ser pensado.

Vera: Estou um pouco baralhada…

Anselmo: Deixa-me explicar isto de modo mais simples. A ideia de Deus é a ideia de ser supremo. Se for só uma ideia e Deus não existir, então, podes pensar num ser superior a ele – que existisse. Ao dizer que Deus não existe estás a dizer simultaneamente que Deus é o ser supremo e não é o ser supremo. O que é obviamente contraditório. São proposições claramente incompatíveis.

Vera: Sendo assim, se eu quiser ser consequente, se eu não quiser ignorar a lógica, devo afirmar que Deus existe?

Anselmo: Exactamente.

Vera: Tenho dificuldade em rebater o que disseste, só que… Parece-me que há algo errado com o teu argumento! Mas não é fácil dizer claramente o que é.

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Bibliografia:

Aires Almeida e outros, “A Arte de Pensar – 10º Ano”, vol. 2, Didáctica Editora, Lisboa, 2007.

Santo Anselmo, “Proslógion”, Introdução e Análise de M. Fernandes e N. Barros, Lisboa Editora, Lisboa, 1995.

Simon Blackburn, “Pense – Uma Introdução à Filosofia”, Gradiva, Lisboa, 2001.

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