No argumento ontológico conclui-se que Deus existe a partir do facto de termos a ideia de Deus – a ideia de ser supremo, o ser mais perfeito do que o qual nada se pode pensar. Uma das ideias envolvidas no argumento ontológico é que é contraditório reconhecer que se tem uma ideia de Deus e depois afirmar a sua inexistência. (Para ler mais acerca desse argumento clique aqui, aqui e aqui.)
Porém, o argumento ontológico envolve pelo menos um erro que o torna um mau argumento e o impede de provar a sua conclusão. O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) apontou esse erro com clareza ao mostrar que no argumento ontológico a existência é erradamente considerada um predicado.
Um predicado é “uma palavra (ou conjunto de palavras) que exprime uma propriedade ou uma relação” (DEF). Neste contexto, os predicados relevantes são aqueles que exprimem propriedades (também se pode dizer características ou qualidades). Por exemplo, na frase “os filósofos gostam de aprender” o predicado é “gostam de aprender”.
Se dissermos “os filósofos gostam de aprender, valorizam o debate de ideias e existem”, deixaremos o nosso interlocutor surpreendido, pois não é assim que o verbo existir costuma ser usado. A existência não é uma propriedade entre outras. Quando digo que uma coisa Y qualquer existe não estou a caracterizá-la, não estou a acrescentar mais um aspecto à ideia que dela se pode fazer, mas sim a dizer que essa coisa Y é real, que é uma realidade efectiva e não apenas uma ideia na minha mente. A existência não faz parte da ideia que fazemos dessa coisa Y. O que faz parte dessa ideia são as várias propriedades que caracterizam a coisa Y.
A existência não é uma propriedade da coisa Y, mas sim uma condição de possibilidade para ela ter propriedades. Se a coisa Y existir, então poderá ter efectivamente estas ou aquelas propriedades. Se não existir, será uma mera ideia.
Imagine que um biólogo, numa conferência pública, caracteriza uma certa espécie de animais, relativamente à qual existe a hipótese de já estar extinta, pois há anos que não é observado nenhum exemplar. Imagine também que na audiência existe uma pessoa que tem informações mais actualizadas (lidas há uma hora atrás na Internet) – ela sabe se existem ou não exemplares vivos dessa espécie e tenciona dizer o que sabe ao biólogo. Essas informações, sejam elas quais forem, alteram a caracterização feita pelo biólogo? Claro que não, pois existir não faz parte da lista de características típicas dessa espécie animal. Se ainda existirem exemplares vivos dessa espécie animal, eles possuirão efectivamente essas características. Se já não existirem, essas características não passarão de uma ideia sem realidade efectiva.
Do mesmo modo, se Deus existir poderá ter efectivamente os predicados (omnisciência, omnipotência, etc.) que fazem parte da ideia que dele se costuma ter. Se não existir, será uma mera ideia. O argumento ontológico inverte as coisas: em vez de ir da existência para a ideia vai da ideia para a existência.
Se a existência não faz parte da ideia que fazemos de uma coisa, então por muito que analisemos essa ideia não conseguiremos concluir que a coisa existe. Por muito que o tal biólogo analisasse a ideia que formou acerca daquela espécie de animais, por muito que pensasse nas suas várias características, nunca poderia descobrir se alguns desses animais ainda existiam. Do mesmo modo, a análise da ideia de Deus não permite saber se ele existe ou não.
Uma vez que a existência não é um predicado, não faz sentido dizer que é contraditório reconhecer que se tem a ideia de Deus e depois não reconhecer a sua existência. Haveria contradição se uma pessoa dissesse “a ideia de Deus é a ideia de um ser omnipotente e omnisciente, mas que não sabe tudo”, pois a omnisciência e não saber tudo são predicados incompatíveis. Mas não há contradição entre afirmar “a ideia de Deus é a ideia de um ser omnipotente e omnisciente, o ser mais perfeito que se pode pensar” e afirmar “contudo, tal ser é uma mera ideia e não existe na realidade”, pois o que é dito em cada uma dessas afirmações situa-se em planos diferentes: a primeira refere vários predicados, vários aspectos de uma ideia, e a segunda refere que essa ideia afinal não representa nenhum ser real.
Logo, o argumento ontológico não prova a existência de Deus.
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Bibliografia:
Aires Almeida e outros, “A Arte de Pensar – 10º Ano”, vol. 2, Didáctica Editora, Lisboa, 2007.
Luís Rodrigues, “Filosofia – 10º ano”, vol. 2, Plátano Editora, Lisboa, 2007.
Santo Anselmo, “Proslógion”, Introdução e Análise de M. Fernandes e N. Barros, Lisboa Editora, Lisboa, 1995.
Simon Blackburn, “Pense – Uma Introdução à Filosofia”, Gradiva, Lisboa, 2001.
14 comentários:
Excelente seu comentário sobre Kant a Anselmo, parabéns.
FiIicio:
Obrigado. Espero que encontre no DM outros motivos de interesse.
o kant realmente é um bom filosofo
Mas não deve haver alguma relação, ainda que não necessária, que sugere que as propriedades de uma ideia forjassem a sua existência? A característica de perfeição, impondo sua natureza, não levaria a necessidade de existência(mesmo são sendo predicado) do ser? Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que posso tranquilamente pensar numa ilha perfeita e ,entretanto, não passar a existir. O que há aqui seria a impossibilidade de se pensar algo perfeito, ou por incapacidade humana ou por inexistencia de coisas perfeitas. Assim, as propriedades estariam subjugando a existência das coisas mas por razões de outra ordem (incapacidade) não chegariamos a provar nada.
Não, anônimo. Independentemente da sua capacidade de pensar ou não em algo perfeito. Isso não altera em nada o fato de ela existir ou não.
Se vc conseguir pensar em uma coisa que seja perfeita, mas se ela antes disso não existir, ela será sempre somente a idéia de uma coisa perfeita. Nada mais. Unicamente uma idéia.
Não, anônimo.
Independentemente da sua capacidade de imaginar uma coisa perfeita ou não, isso não muda o fato de ela existir ou não.
Mesmo que vc consiga pensar em algo perfeito, se essa coisa antes não existir, ela será somente a idéia de algo perfeito, somente isso.
É justamente essa relação de predicado kantiano e o existir que reflito. A propriedade de perfeição necessariamente não reclama a existência da coisa? Como perfeito se falha em não existir? O que faz crer a impossibilidade ideal(imaginativa) de perfeição. A ideia falha porque não garante a existência das coisas. Mesmo assim, há uma grandeza de pensamento de Anselmo ao tentar provar a existência divina usando a Lógica (faculdade humana e de certo modo objetiva) enquanto outros apelavam a epifanias e manifestações sobre-humanas.
É justamente essa relação de predicado kantiano e o existir que reflito. A propriedade de perfeição necessariamente não reclama a existência da coisa? Como perfeito se falha em não existir? O que faz crer a impossibilidade ideal(imaginativa) de perfeição. A ideia falha porque não garante a existência das coisas. Mesmo assim, há uma grandeza de pensamento de Anselmo ao tentar provar a existência divina usando a Lógica (faculdade humana e de certo modo objetiva) enquanto outros apelavam a epifanias e manifestações sobre-humanas.
da ideia de imperfeição surge a perfeição,imaginar uma imperfeição leva voce a perfeição,se imaginar uma coisa perfeita entra em contradição
Da desordem surge a ordem,do pensamento imperfeito,surge o perfeito,logo deus existe
a pessoa fala que o lápis e perfeito,a borracha e perfeita,o ser humano divide a perfeição,a perfeição não pode ser dividida,a perfeição e unica,o ser humano não pode provar a existencia de deus por que o ser humano esta na imperfeição,se deus e perfeito ele não esta na imperfeição,se eu tenho uma ideia de deus como sendo o perfeito,então deus existe
a prova que deus existe e por que o ser humano não consegue provar a existencia de deus,o ser humano esta na imperfeição,e na imperfeição e impossivel provar a existencia de deus,se deus e perfeito então ele esta alem da imperfeição,na perfeição,então deus existe,se o homem provar a existencia de deus,deus não existe,se o ser humano não provar a existencia de deus,deus existe
a ideia de uma perfeição estão separadas,a ideia esta separada da perfeição,a ideia e imperfeita por que vem do ser humano que e imperfeito,quando a pessoa tem a ideia de uma perfeição,ela começa primeiro da ideia que e a imperfeição para chegar na perfeição,quando esta na perfeição a ideia não existe mais,por que o imperfeito não pode ficar no perfeito,se a ideia e imperfeita,e da ideia se chega na perfeição,se deus e o ser perfeito então deus existe.se eu ter uma ideia de imperfeição,entro em contradição,por que a ideia e imperfeita,da imperfeição tem que chegar na perfeição,se da imperfeição chegar na imperfeição,não cheguei em lugar nenhum.
a ideia e imperfeita,a ideia esta separada da perfeição,quando o ser humano tem uma ideia de perfeição,ele começa primeiro pela ideia depois vem a perfeição,o ser humano e imperfeito e a ideia vem dele,então deus não e uma ideia.se deus fosse uma ideia ele não seria perfeito.carlos pires eu queria sua opinião,se não for encomodo
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