quinta-feira, 23 de abril de 2009

12 anos de escolaridade obrigatória: é um erro!

Segundo o Jornal Público, o Governo vai estender a escolaridade obrigatória para 12 anos. Os partidos da oposição dizem que se trata de oportunismo eleitoral, que é uma decisão tomada a pensar nas próximas eleições – mas não contestam a própria ideia, ou seja, também acham correcto a escolaridade obrigatória ser de 12 anos.

No entanto, trata-se de um erro. Há várias razões para isso. Vejamos uma delas.

Porque é que o Estado deve tomar decisões acerca do que as pessoas fazem com a sua vida? E se um jovem de 15 ou 16 anos quiser dedicar-se à jardinagem em vez de aprender gramática e equações? Porque é que o governo e os deputados se haveriam de intrometer nessa escolha, que só diz respeito a ele e à sua família?

De acordo com o filósofo inglês Stuart Mill, o Estado só pode interferir na vida de uma pessoa, limitando a sua liberdade, para prevenir possíveis danos sobre outras pessoas. O seu próprio bem (físico, psicológico, moral…) não constitui uma razão suficiente para justificar a interferência, pois isso implicaria considerar a pessoa incapaz de discernir o que é melhor para si, limitaria a sua liberdade e daria a outras pessoas (talvez tão falíveis e imperfeitas como ela) um poder arbitrário sobre ela. Essa ideia de Stuart Mill é conhecida como o "princípio do dano". (A esse respeito veja também este post.)

Stuart Mill não faz manifestamente parte das leituras nem do primeiro-ministro e da ministra da educação, nem dos políticos da oposição. Seria bom, para os portugueses e para a democracia portuguesa, que fizesse.

10 comentários:

João Silva disse...

Caro Carlos Pires,

Discordo do que diz.

Acha que devemos obrigar uma criança de dez anos a ir à escola? Eu acho que sim. Ela ainda não tem idade para discernir o que é melhor para si. Assim, outras pessoas, ainda que imperfeitas, deverão decidir por ela.

Acho que podemos aplicar o mesmo princípio a jovens de 15/16 anos. Não têm a idade suficiente para decidir nem contactaram com o saber tempo suficiente para o acolher ou abandonar.

Por alguma razão se considera que a mioridade só é atingida aos 18 anos!

Cumprimentos!

Anónimo disse...

João Pedro , a meu ver a questão não está na quantidade, mas sim na qualidade do ensino. Eu preferia que mantivessem o 9º ano como escolaridade obrigatória e aumentassem o nível de exigência e onde os alunos não passassem apenas por pena.

Rolando Almeida disse...

Olá Carlos,
O argumento parece-me tremido. Ter mais e melhor formação, nem que para tal exista uma lei que obrigue as pessoas a estudar, pode ser uma forma de garantir um bem maior para um número maior de pessoas, isto se for consensual a premissa que defende que mais conhecimento para um maior número de pessoas tráz mais bem estar e riqueza para as pessoas. E a lei pode constituir uma boa forma de um dia, quem sabe, as pessoas estudarem mais porque acham valor em estudar mais e não somente para cumprir uma lei.
Finalmente a lei não interfere directamente na escola, já que não é por passar a existir a lei que as pessoas de repente passam a estudar mais tempo. Esta lei só funciona se o mercado de trabalho, o mundo do trabalho a ela se ajustar. Evitando o trabalho precário se as entidades empregadoras passarem a exigir o 12º ano, as pessoas passam a estudar para o obter.
Estou em crer que os problemas maiores do nosso ensino são que o aumento da escolaridade não é feita com um maior rigor dos curriculos de ensino.
abraço e bom trabalho

João Pedro disse...

Caros Anónimo,

A escola tem muitos problemas. Também concordo que o principal problema está na qualidade do Ensino que ém francamente má. Mas essa não é a questão.

Caro Rolando,

No seu raciocínio assume que o princípio do dano está incorrecto. Isto é , que o Estado deve intervir nas vidas das pessoas mesmo quando os seus actos só as influenciam a elas mesmas, se se promover maior felicidade. O que o princípio do dano diz - acho eu- é que o Estado não sabe mais que as pessoas, logo por que razão deve ele se intrometer? Assim, nas situações referidas, o Estado NUNCA deveria interferir, de acordo com o princípio do dano, mesmo que ache as consequências boas.

Como já disse, acho que o problema está na aplicação deste princípio - acho que a do Carlos Pires é incorrecta.

Assim sendo, não se aplicando o princípio, como o Rolando realça, as consequências seriam mais positivas do que negativas, sendo a medida boa.

Cumprimentos!

Carlos Pires disse...

João Pedro:

Um jovem de 16 anos tem uma capacidade de escolha bastante superior a uma criança de 10 anos. tal como não faz sentido impôr-lhe o curso A em vez do curso B, não faz sentido impôr-lhe um curso em vez de um emprego.
Claro que é menor de idade e por isso os pais devem estar envolvidos na escolha.
O envolvimento do Estado é uma forma de paternalismo e uma desresponsabilização dos indivíduos: dos alunos e das famílias.

Cumprimentos

Carlos Pires disse...

Rolando:

O cálculo utilitarista das consequências costuma ser complicado mesmo quando são coisas que parecem lineares. Considerar que obrigar uma pessoa (ou 1000 ou 10000) a estudar até ao 12º ano contribuirá para o bem geral é mais do que complicado - parece-me ser uma especulação sem fundamento.
Não estamos a falar da aprendizagem das coisas elementares que a vida actual exige (língua materna, alguma matemática, inglês, alguma informática, etc.), que podem ser aprendidas até ao 9º ano, mas de aprendizagens mais específicas - para as coisas as pessoas podem não ter interesse ou vontade.

Mas mesmo que se pudesse mostrar que existiria essa promoção do bem geral, seria legítimo obrigar uma pessoa a estudar contra a sua vontade? Isso seria uma instrumentalização da pessoa, a sua redução a um mero meio - o que seria, na minha opinião, pouco ético.
Fazer exercício físico adequado faz bem à saúde e também contribui para o bem geral (pois ao melhorar a saúde faz as despesas do Estado com a saúde diminuírem, permitindo que o dinheiro seja canalizado para outras. necessidades). O exercício físico deverá por isso tornar-se obrigatório?? Só num estado totalitário.

Por outro lado, a obrigatoriedade da frequência até ao 12º vai certamente contribuir para a diminuição da exigência. Quando um aluno do 7º ou 8º ano agride professores, colegas ou funcionários argumenta-se que ele não pode ser expulso pois está no período da escolaridade obrigatória. Seria bom estender esse laxismo e desresponsabilização até ao 12º?? A obrigatoriedade do 12º levará também os governos a inventarem mais expedientes para ocultar o insucesso escolar - suponho que esta seja a oportunidade que os defensores do "eduquês" esperavam para concretizar uma das suas ideias mais erradas e sinistras (mas que eles adoram): acabar com as reprovações.

Cumprimentos

João Silva disse...

Caro Carlos Pires:

Por esse raciocínio também se poderia dizer que a decisão de uma criança de dez anos ir à escola também depende da família. O Estado tem que exercer alguma coerção de forma a assegurar uma educação com certos princípios à juventude.

Mas acho que isto é discutível. 16 anos tanto pode ser uma idade na qual o indivíduo já amadureceu e pode escolher em consciência como pode não ser. Isso se calhar é mais para a psicologia.


Caros,

gostava de me intrometer na vossa discussão.
Para me preparar para um trabalho de filosofia, estou a ler o Sobre a Liberdade, de Mill, pelo que tenho algum interesse na discussão sobre o princípio do dano.

Apesar do Mill não abordar (pelo menos pelo que li até agora e pelo que estava afirmado na introdução) o conflito entre utilitarismo e princípio do dano, ele parace-me evidente.

O princípio do dano parece-me claramente de inspiração kantiana: tratar os outros moralmente é tratá-los como seres racionais.
Logo, quando interferimos na vida de pessoas com faculdades mentais desenvolvidas, sem a sua permissão expressa, em situações que apenas as envolvem a elas mesmas, não as estamos a tratar como seres racionais capazes de decidir por elas próprias, sendo o nosso comportamento imoral.

Não podemos usar a falibilidade da nossa capacidade em calcular a utilidade como motivo do princípio do dano: salvar uma pessoa de uma ponte quando esta não quer ser salva parece-me que tem consequências mais positivas do que negativas. No entanto, viola o princípio do dano.

Será o princípio do dano uma espécie de conselho geral com muitas excepções, ou um princípio inviolável?
Opôr-se-à ao utilitarismo? Será verdadeiro?

Gosto da argumentação kantiana, pelo que me inclino mais para desconsiderar o utilitarismo e preferir o princípio do dano.
Mas gostava de ouvir (ler) outras opiniões.

Cumprimentos!

Porfirio Silva disse...

«Stuart Mill não faz manifestamente parte das leituras nem do primeiro-ministro e da ministra da educação, nem dos políticos da oposição. Seria bom, para os portugueses e para a democracia portuguesa, que fizesse.»

Como cidadão acho muito útil que a blogosfera nos dê exemplos da arrogância dos filósofos, falando como se os assuntos da coisa pública se devessem decidir com base nesta ou naquela concepção, como se não houvesse outras concepções alternativas, bem como críticas à concepção defendida.
Como filósofo acho uma pena que haja outros filósofos que queiram substituir a luta política (coisa nobre) pela pretensa luta filosófica sobre assuntos da res publica (truque que me parece pouco nobre).

beijokense disse...

O antigo serviço militar obrigatório vai ser substituido pelo serviço escolar obrigatório.

Há duas diferenças fundamentais entre estes serviços compulsivos:
1. O militar era mais barato e produzia melhores resultados de aprendizagem.
2. No militar a instituição fornecia as armas; no escolar, cada um tem de as levar de casa.

alexandre graça disse...

Muitos alunos por vezes não querem estar na escola e com isso causam mau estar e destabilização aos seus colegas, o que não é correto. Se alguém quiser trabalhar que estude de própria vontade e não seja obrigado. muitos alunos que não querem trabalhar porque dá muito «trabalho» e não lhes apetece, ficam «encalhados» no ano em que estão, provocando um índice de idade maior, mas com isso muitas das vezes acontecem coisas tais como Bulliyng.