segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A versão simplex da avaliação dos professores é uma fraude tão grande como a anterior

A versão simplex da avaliação dos professores.
Após várias alterações a um modelo de avaliação cujas medidas eram absurdas e impraticáveis, o governo pretende aplicar agora uma simplificação do modelo inicial que, resumidamente, consiste no seguinte:
1. Os professores irão ser, obrigatoriamente, avaliados pelo Presidente do Conselho Executivo na componente do desempenho funcional, na qual “se avalia o contributo de cada professor para o cumprimento da missão e objectivos da escola”, o que na prática significa considerar apenas aspectos como a assiduidade, o exercício de cargos e as acções de formação realizadas.

2. Os parâmetros obrigatórios não incluem a tarefa principal do professor, que é ensinar. A avaliação da componente científico-pedagógica (leccionação das aulas, elaboração de materiais e relação pedagógica com os alunos) é opcional, pode ou não ser solicitada pelo avaliado. Caso o seja, é também opcional que essa avaliação seja realizada por um professor da mesma área de recrutamento (no meu caso seria um professor de Filosofia) ou então pelo professor coordenador do Departamento (no meu caso um professor de História).
A avaliação da componente científico-pedagógica só é obrigatória para aceder às classificações de Muito Bom e Excelente. Nesse caso, serão observadas duas aulas (podendo existir uma terceira, se o avaliado o requerer).

3. Existem quotas para cada escola, isto é o número de classificações de Muito Bom e Excelente a atribuir é reduzido e está previamente estabelecido, antes de ser avaliado o real desempenho dos professores de cada uma das escolas.

4. O Presidente do Conselho Executivo tem a possibilidade legal de estabelecer, caso os visados não o façam, os objectivos individuais dos avaliados, de acordo com o projecto educativo e o plano anual de actividades, e proceder à avaliação dos mesmos. Ou seja: ainda que os professores não entreguem os seus objectivos individuais, serão avaliados na mesma.
Portanto, o governo, no final deste processo, poderá sempre cantar vitória dizendo que existiu avaliação e que “naturalmente esta se traduziu num aumento da qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos”.

Algumas razões para discordar da aplicação deste modelo de avaliação, mesmo na versão simplex.

Existem várias dificuldades e dúvidas que se podem colocar quanto à aplicação deste modelo. Vou apenas enumerar algumas das que me parecem ser mais relevantes:

1. Se a minha principal actividade é ensinar os alunos, é absurdo que esta componente seja facultativa na avaliação. Seria como se eu pudesse dizer aos meus alunos: os elementos de avaliação são os testes (aqueles que têm maior peso na classificação final), as fichas de avaliação e a participação oral… mas podem escolher não fazer os testes, sabendo que quem o fizer não terá 18, 19 ou 20 valores.

2. Não faz sentido existir um modelo de avaliação em que os critérios a aplicar não são iguais para todos.
As classificações de Muito Bom e Excelente têm de ser requeridas pelo próprio avaliado. Mas fará sentido o mérito ser reconhecido a pedido do interessado?
De acordo com a legislação actual, é possível que dois professores da mesma disciplina possam fazer a seguinte opção: um pode ser avaliado por alguém da sua área disciplinar e outro pode não ser. Como é possível a alguém que não é da mesma área disciplinar proceder a uma avaliação da “adequação dos conteúdos científico ou técnicos” nas aulas observadas e nos materiais concebidos – fichas, testes e demais actividades?
Quando se avalia por exemplo um professor de Filosofia, será a mesma coisa, ao nível da componente científico-pedagógica, que se encontra a ser avaliada quando o avaliador é um professor de Filosofia e quando é um professor de História?
Avaliar não pressupõe aplicar a todos, com rigor e isenção, os mesmos critérios? Que rigor, objectividade e justiça existe numa avaliação que permite isto?

3. A aplicação, na assistência a duas ou três aulas, de critérios de avaliação cuja objectividade é no mínimo discutível, coloca em causa a credibilidade deste modelo de avaliação.
Além disso, os avaliadores não foram eles próprios sujeitos a uma avaliação, foram nomeados por decreto, e vão pronunciar-se acerca do mérito ou demérito dos colegas, sem que a competência deles próprios tenha sido avaliada.

Não sou sindicalizada, nem filiada em nenhum partido político. Sou professora. E é como professora que falo.
Aquilo que penso sobre o que deve ser a avaliação dos professores pode lêr-se, neste blogue, nalguns posts publicados com a etiqueta educação.
Até hoje não consegui encontrar ninguém que me conseguisse apresentar boas razões para defender a aplicação e a justeza deste modelo de avaliação.


Nota: As citações foram efectuadas a partir do “Guia da avaliação de desempenho dos docentes para o ano lectivo de 2008/2009” que se encontra disponível na página do Ministério da Educação.

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