“Um argumento é um conjunto de afirmações de tal modo estruturadas que se pretende que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as premissas)” (Desidério Murcho, “Argumento”, DEF). As premissas constituem razões a favor da conclusão, ou seja, pretende-se que justifiquem a conclusão.
Dito de modo mais coloquial: temos um argumento quando defendemos uma ideia (a conclusão) relacionando-a com outras ideias (as premissas).
Argumentamos para convencer alguém, para lhe mostrar que a ideia contida na conclusão é verdadeira. Muitas vezes argumentamos para convencer outras pessoas, mas pode também suceder que ao pensar num argumento estejamos a tentar convencer-nos a nós próprios.
(Alguns argumentos têm só uma premissa, mas por facilidade de expressão utilizarei a palavra no plural.)
Um argumento para ser bom ou cogente tem de reunir três condições: ser válido, ter premissas verdadeiras e ter premissas mais plausíveis que a conclusão.
Vejamos a importância de cada uma dessas condições.
Um argumento válido é um argumento que possui a seguinte característica: se as premissas são todas verdadeiras é impossível (no caso dos argumentos dedutivos) ou improvável (no caso dos argumentos não dedutivos) que a conclusão seja falsa. Isso significa que há uma conexão lógica tal entre as premissas e a conclusão que esta se segue daquelas.
(Uma explicação mais completa da validade implicaria explicar o conceito de forma lógica e distinguir argumentos formais e informais, bem como argumentos dedutivos e não dedutivos. Para perceber esses conceitos o leitor pode consultar o DEF e os posts do Dúvida Metódica publicados com a etiqueta validade.)
Se, ao conversarmos com alguém, utilizarmos argumentos inválidos, não seremos levados a sério. Ainda que o nosso interlocutor aceite as nossas razões (ou seja, considere verdadeiras as premissas) poderá rejeitar a conclusão.
A invalidade de alguns argumentos não é nada evidente e a sua detecção implica conhecimentos de Lógica (os argumentos inválidos que parecem válidos chamam-se falácias).
Mas no caso de outros argumentos essa detecção é mais fácil e, mesmo que se trate de uma pessoa sem conhecimentos de Lógica e até desconhecedora da palavra “inválido”, poderá dizer: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”.
Por exemplo. Tentando convencer a mãe a dar-lhe mais dinheiro, um rapaz disse-lhe: “A Vera disse que gosta muito de mim, mas já não quer namorar comigo. Além disso, tenho um TPC de Matemática para fazer para amanhã. Portanto, seria justo que me aumentasses a mesada.”
Por pouco que a mãe saiba de Lógica, poderá facilmente retorquir: “Lamento que ela não queira namorar contigo e espero que faças um TPC muito bom, mas não vejo que relação tenha isso com a mesada ser ou não aumentada”. Se a mãe desse rapaz fosse professora ou estudante de Filosofia, e tivesse portanto alguns conhecimentos de Lógica, poderia simplesmente dizer-lhe: “o teu argumento é inválido e por isso nada prova”.
Se formalizarmos o argumento do rapaz a falta de conexão entre premissas e conclusão (a invalidade, portanto) torna-se ainda mais óbvia: P & ¬Q, R╞ S. É óbvio que, sejam quais forem as proposições que substituam essas variáveis, é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. No caso do argumento apresentado pelo rapaz, as premissas são (nas circunstâncias descritas) verdadeiras, mas a conclusão pode ser falsa: imagine que a mesada já é elevada e até foi aumentada recentemente, apesar de a mãe não nadar em dinheiro; nessas circunstâncias o aumento da mesada não seria certamente justo.
No entanto, não basta a validade para um argumento ser bom ou cogente. A validade é uma condição necessária mas não suficiente da cogência. É também necessário que o argumento tenha premissas verdadeiras.
Por exemplo. Todos os deficientes portugueses são cidadãos da República Portuguesa. Todos os cidadãos da República Portuguesa beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos. Logo, todos os deficientes portugueses beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos.
O argumento é válido, mas é mau: a segunda premissa é claramente falsa e por isso a conclusão é também falsa. Dizer que é válido significa dizer que caso todas as premissas fossem verdadeiras a conclusão também seria verdadeira. Mas, como de facto uma das premissas é falsa, esse argumento não consegue assegurar a verdade de conclusão.
Se tentarmos convencer uma pessoa de que “todos os deficientes portugueses beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos” ela poderá justificar a sua discordância dizendo: “isso é falso, pois também é falso que todos os cidadãos da República Portuguesa beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos”.
Sendo assim, além de ser válido, um bom argumento tem de ter premissas verdadeiras. A um argumento válido com premissas verdadeiras chama-se argumento sólido.
No entanto, a solidez não basta para um argumento ser bom ou cogente: a solidez é uma condição necessária, mas não suficiente. Um argumento pode ser sólido e, no entanto, ser um mau argumento.
Para um argumento ser bom ou cogente tem de possuir, além da solidez, premissas mais plausíveis que a conclusão.
Essa terceira condição será explicada noutro post.
Bibliografia:
Aires Almeida e outros, A Arte de Pensar – 11º Ano, Didáctica Editora, Lisboa, 2008.
Desidério Murcho, “Argumentos Sólidos”, De Rerum Natura.
DEF – Dicionário Escolar de Filosofia, direcção de Aires Almeida.
Dito de modo mais coloquial: temos um argumento quando defendemos uma ideia (a conclusão) relacionando-a com outras ideias (as premissas).
Argumentamos para convencer alguém, para lhe mostrar que a ideia contida na conclusão é verdadeira. Muitas vezes argumentamos para convencer outras pessoas, mas pode também suceder que ao pensar num argumento estejamos a tentar convencer-nos a nós próprios.
(Alguns argumentos têm só uma premissa, mas por facilidade de expressão utilizarei a palavra no plural.)
Um argumento para ser bom ou cogente tem de reunir três condições: ser válido, ter premissas verdadeiras e ter premissas mais plausíveis que a conclusão.
Vejamos a importância de cada uma dessas condições.
Um argumento válido é um argumento que possui a seguinte característica: se as premissas são todas verdadeiras é impossível (no caso dos argumentos dedutivos) ou improvável (no caso dos argumentos não dedutivos) que a conclusão seja falsa. Isso significa que há uma conexão lógica tal entre as premissas e a conclusão que esta se segue daquelas.
(Uma explicação mais completa da validade implicaria explicar o conceito de forma lógica e distinguir argumentos formais e informais, bem como argumentos dedutivos e não dedutivos. Para perceber esses conceitos o leitor pode consultar o DEF e os posts do Dúvida Metódica publicados com a etiqueta validade.)
Se, ao conversarmos com alguém, utilizarmos argumentos inválidos, não seremos levados a sério. Ainda que o nosso interlocutor aceite as nossas razões (ou seja, considere verdadeiras as premissas) poderá rejeitar a conclusão.
A invalidade de alguns argumentos não é nada evidente e a sua detecção implica conhecimentos de Lógica (os argumentos inválidos que parecem válidos chamam-se falácias).
Mas no caso de outros argumentos essa detecção é mais fácil e, mesmo que se trate de uma pessoa sem conhecimentos de Lógica e até desconhecedora da palavra “inválido”, poderá dizer: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”.
Por exemplo. Tentando convencer a mãe a dar-lhe mais dinheiro, um rapaz disse-lhe: “A Vera disse que gosta muito de mim, mas já não quer namorar comigo. Além disso, tenho um TPC de Matemática para fazer para amanhã. Portanto, seria justo que me aumentasses a mesada.”
Por pouco que a mãe saiba de Lógica, poderá facilmente retorquir: “Lamento que ela não queira namorar contigo e espero que faças um TPC muito bom, mas não vejo que relação tenha isso com a mesada ser ou não aumentada”. Se a mãe desse rapaz fosse professora ou estudante de Filosofia, e tivesse portanto alguns conhecimentos de Lógica, poderia simplesmente dizer-lhe: “o teu argumento é inválido e por isso nada prova”.
Se formalizarmos o argumento do rapaz a falta de conexão entre premissas e conclusão (a invalidade, portanto) torna-se ainda mais óbvia: P & ¬Q, R╞ S. É óbvio que, sejam quais forem as proposições que substituam essas variáveis, é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. No caso do argumento apresentado pelo rapaz, as premissas são (nas circunstâncias descritas) verdadeiras, mas a conclusão pode ser falsa: imagine que a mesada já é elevada e até foi aumentada recentemente, apesar de a mãe não nadar em dinheiro; nessas circunstâncias o aumento da mesada não seria certamente justo.
No entanto, não basta a validade para um argumento ser bom ou cogente. A validade é uma condição necessária mas não suficiente da cogência. É também necessário que o argumento tenha premissas verdadeiras.
Por exemplo. Todos os deficientes portugueses são cidadãos da República Portuguesa. Todos os cidadãos da República Portuguesa beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos. Logo, todos os deficientes portugueses beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos.
O argumento é válido, mas é mau: a segunda premissa é claramente falsa e por isso a conclusão é também falsa. Dizer que é válido significa dizer que caso todas as premissas fossem verdadeiras a conclusão também seria verdadeira. Mas, como de facto uma das premissas é falsa, esse argumento não consegue assegurar a verdade de conclusão.
Se tentarmos convencer uma pessoa de que “todos os deficientes portugueses beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos” ela poderá justificar a sua discordância dizendo: “isso é falso, pois também é falso que todos os cidadãos da República Portuguesa beneficiam da igualdade de oportunidades em termos sociais, profissionais e políticos”.
Sendo assim, além de ser válido, um bom argumento tem de ter premissas verdadeiras. A um argumento válido com premissas verdadeiras chama-se argumento sólido.
No entanto, a solidez não basta para um argumento ser bom ou cogente: a solidez é uma condição necessária, mas não suficiente. Um argumento pode ser sólido e, no entanto, ser um mau argumento.
Para um argumento ser bom ou cogente tem de possuir, além da solidez, premissas mais plausíveis que a conclusão.
Essa terceira condição será explicada noutro post.
Bibliografia:
Aires Almeida e outros, A Arte de Pensar – 11º Ano, Didáctica Editora, Lisboa, 2008.
Desidério Murcho, “Argumentos Sólidos”, De Rerum Natura.
DEF – Dicionário Escolar de Filosofia, direcção de Aires Almeida.
2 comentários:
Cheguei agora aqui, via Ponteiros Parados. Parabéns pelo blogue, uma excelente divulgação da Filosofia, textos didácticos bem escolhidos. Irei seguir.
JR
Obrigado José. Caso conheça alguém que estude ou ensine Filosofia agradeço-lhe que lhe fale do blogue, pois um dos seus objectivos é a partilha.
A ver se arranjo tempo para contemplar com mais atenção os "Ponteiros Parados". Ontem só dei uma espreitadela rápida.
Cumprimentos.
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