«Mill é um defensor apaixonado da liberdade de expressão. O filósofo argumenta que o pensamento, o discurso e a escrita só deveriam ser censurados quando existe um risco claro de incitamento à violência. O contexto em que as palavras são proferidas ou escritas pode afectar a sua perigosidade. Tal como Mill sublinhou, seria aceitável publicar num jornal a posição de que os negociantes de milho fazem os pobres passar fome. No entanto, se as mesmas palavras fossem dirigidas a uma multidão em fúria, à porta da casa de um negociante de milho, haveria boas razões para silenciar quem as proferia. O risco elevado de provocar tumultos justificaria a intervenção (…). O filósofo acredita que se causa um dano maior ao abolir um ponto de vista, mesmo que se trate de um ponto de vista falso, do que autorizar que esse ponto seja livremente expresso. Na obra Da Liberdade, Mill apresenta uma justificação detalhada para essa atitude.
Se alguém exprime uma opinião controversa, duas possibilidades básicas se apresentam: essa posição pode ser verdadeira ou falsa. Existe, ainda, uma terceira possibilidade menos óbvia, a de que esse ponto de vista, ainda que falso, contenha um elemento de verdade. Mill considerou cada uma destas possibilidades. Se a opinião for verdadeira, a sua eliminação implica negar aos indivíduos a oportunidade de se libertarem de um erro. O filósofo parte do princípio de que a verdade é sempre melhor do que a falsidade. Se a opinião for falsa, silenciá-la sem permitir que se expresse impede a possibilidade de apresentar uma refutação pública dessa opinião, por meio da qual, acredita Mill, a verdade seria considerada vencedora no embate com o erro. Assim, por exemplo, Mill toleraria a expressão de opiniões racistas, desde que não incitassem à violência, por permitirem a apresentação de uma refutação pública que demonstraria a sua falsidade (pressupondo que se tratava, de facto, de opiniões falsas).
Se a opinião expressa contém um elemento de verdade, calá-la pode impedir que a sua parte verdadeira seja conhecida (…).
Para silenciar uma opinião, uma pessoa tem de confiar na sua própria infalibilidade (a incapacidade de cometer erros). Mas ninguém pode confiar totalmente em si mesmo a este respeito. Nenhum ser humano está imune ao erro acerca da verdade. A história encontra-se repleta de exemplos referentes à eliminação da verdade levada a cabo por pessoas que acreditavam genuinamente que a opinião por eles suprimida era um disparatado absurdo. Veja-se o caso da repressão de que é a Terra que gira em torno do Sol e não o contrário, operada pela Igreja. Galileu e os seus seguidores foram perseguidos devido às suas crenças; os que os perseguiam estavam convictos de que as suas próprias opiniões é que estavam correctas.
(…) Existem muito poucos assuntos acerca dos quais se pode ter uma certeza absoluta. Assim sendo, uma procura constante de certezas não paralisaria os indivíduos, conduzindo-os à inacção? A resposta de Mill a esta questão é que permitir aos outros a liberdade para nos contradizerem constitui uma das principais formas pelas quais um indivíduo consegue ganhar confiança nos seus próprios juízos, visto que se pode estar mais certo de uma opinião que sobrevive a um exame minucioso e às críticas do que acerca de uma que nunca foi posta em causa. Para além disso, mesmo que uma opinião seja obviamente verdadeira, o acto de a defender contra opiniões falsas mantém a opinião verdadeira viva, impedindo que se transforme num dogma sem vida, incapaz de incentivar seja quem for a agir.»
Podemos apresentar outras razões em defesa da perspectiva de Stuart Mill? Quais?
Nigel Warburton, Grandes livros de Filosofia, Edições 70, Lisboa, 2001, págs. 152-154.
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