quinta-feira, 14 de julho de 2011

A cultura do laxismo e os resultados dos exames

Os jornais noticiam hoje que os resultados dos exames do 9º ano (Matemática e Português) são os piores dos últimos anos. Parece que as provas foram um bocadinho mais difíceis do que nos anos anteriores e a maioria dos alunos não se aguentou (média de 51 em 100 a Português e de 43 a Matemática).

aluno a caminho da escolaPara explicar esses resultados ir-se-ão certamente invocar muitos factores: a inadequação dos programas, o uso excessivo da calculadora, a arbitrária variação de ano para ano do grau de exigência dos próprios exames, alguns métodos de ensino, etc. Reconheço a influência desses factores, mas aposto que pouco se falará da principal causa do problema: o facto de muitos professores portugueses terem interiorizado (devia dizer entranhado) que a falta de exigência é uma coisa boa e o rigor é uma coisa má.

Actualmente nas escolas portuguesas predomina uma cultura do laxismo. Quando os professores portugueses se reúnem para avaliar os alunos recebem, de modo oficial, instruções para analisar o caso dos alunos que têm três negativas – para ver se é possível transformar uma delas em positiva e permitir assim que o aluno passe de ano. Alguns professores interpretam a instrução de analisar como uma ordem para, dê lá por onde der, subir uma das classificações. Se alguém sugere que o aluno em causa merece reprovar, há sempre alguém que, piedosa e solenemente, observa que “os alunos não são números” e que “é preciso considerar a situação global do aluno”. Não é exagero dizer que em muitos casos existem pressões para os professores subirem as classificações. Muitas vezes os próprios professores cedem às pressões e sobem as classificações por sua iniciativa – durante a reunião ou previamente, caso saibam as classificações que os colegas vão atribuir ao aluno. Quando os próprios não sobem as classificações por sua iniciativa, realiza-se uma votação e é frequente a maioria dos professores do conselho de turma votar a favor da subida. Sucede também o próprio professor pedir aos colegas para lhe votarem a nota: ele não tem absolutamente elementos nenhuns que justifiquem uma classificação positiva, mas não quer que o alune reprove; por isso, propõe uma classificação negativa e sugere aos outros professores do conselho de turma que através de uma votação a subam e a tornem positiva.

O resultado disso é que muitos alunos portugueses passam de ano sem saberem o suficiente e sem estarem preparados para adquirir os conhecimentos que vão ser ensinados no ano seguinte. Além de irem acumulando dificuldades, esses alunos concluem que é possível passar de ano sem estudar e sem aprender e no ano seguinte voltam a não se empenhar. Ou seja: em vez de aprenderem matemática e gramática aprendem a ser preguiçosos e irresponsáveis.

Estas situações são frequentes no ensino secundário, mas ainda mais no ensino básico – onde, aliás, as pressões para subir as classificações e as votações não ocorrem apenas no caso de alunos com 3 negativas, mas muitas vezes também no caso de alunos que têm 4, 5 ou 6 negativas (neste caso as instruções não são oficiais e não costumam aparecer escritas em nenhum documento).

(Uma manifestação caricata dessa cultura laxista que domina as escolas portuguesas é o facto de algumas palavras que aqui utilizei não serem admitidas em documentos oficiais, como por exemplo as actas: não se pode escrever “negativas” mas sim “classificações inferiores a…” e “reprovado” também é uma palavra proibida, devendo escrever-se “retido”.)

Nuno Crato, o actual ministro, tem uma visão correcta da educação. Mas para ser bem sucedido terá de enfrentar as ideias e atitudes erradas de muitos professores, que se habituaram à falta de exigência e de rigor e agora a defendem como se fosse uma boa prática pedagógica – sem perceberem que estão a prejudicar e não a beneficiar os alunos.

Estes resultados dos exames do 9º ano comprovam que os alunos que foram avaliados com laxismo ao logo de vários anos foram prejudicados.

10 comentários:

Rolando Almeida disse...

Muito certeiro Carlos. É preciso que cada vez mais de nós, professores, saibamos colocar as coisas no seu lugar, de modo claro e rigoroso e sem receios, como o fazes aqui. Como teu colega de profissão, obrigado. Vou pescar o texto para o meu Facebook.

regina jeronimo disse...

Essa é a grande verdade "A cultura do laxismo...", que tem inicio no seio das famílias e que a escola "graciosamente" fomenta.
Os resultados do exame nacional de Português, estou convicta,vão ser catastróficos. Porquê? Uma prova acessível a qualquer aluno de 12º ano de quem se espera um grau literacia compatível. Dizia uma colega: mas que raio de prova!... Afinal para que estudam os alunos poesia pessoana, "Mensagem" e "Os Lusíadas"... se depois fazem uma prova em só têm que ler textos e responder a questões sobre os mesmos? Na verdade, esta colega vê o programa da disciplina e o processo de ensino- aprendizagem de forma distorcida.

Quero acreditar que, com este ministro da educação, muito vai melhorar: mais exigência e valorização: professores, mas também alunos e famílias.

Carlos Pires disse...

Rolando:

Obrigado pelas palavras e pela divulgação.
Vamos lá ver se é desta que as coisas melhoram!

Carlos Pires disse...

Regina:

Obrigado em primeiro lugar pelo teu comentário.
Poucos colegas da escola se dão ao "trabalho" de ver o blogue e menos ainda deram feedback do que leram. Nem vale a pena comentar...
Concordo com o que dizes. Achei o exame de Português fácil e inicialmente fiquei surpreendido com as más notas. Só inicialmente, pois lembrei-me da atitude de muitos alunos do 12º que conheço.
Mas os resultados são tão maus que obrigam os professores em geral a uma reflexão, nomeadamente acerca da exigência, dos programas e métodos de ensino. No caso de Português julgo que deve também pensar-se muito bem nos critérios de avaliação habitualmente usados - algo está mal com eles, manifestamente.
Também tenho expectativas muito positivas em relação ao Nuno Crato. Esperemos que não lhe sabotem o trabalho.
Boas férias, quando elas chegarem!

moescor disse...

Concordo totalmente com o texto. Alias já nao vou fazer um texto no meu blogue visto que aqui já ta tudo dito.

Carlos Pires disse...

moescor:

Obrigado.

José Ricardo Costa disse...

Nem é preciso dizer mais nada. Acrescento apenas que ser exigente também dá trabalho e aumenta bastante a responsabilidade do professor. Não pode ser exigente quem quer mas quem pode.

JR

Anónimo disse...

Um dos problemas é que os exames de 9º ano têm sido nos últimos anos, mais fáceis que os testes que os alunos foram resolvendo ao longo do ano e, este ano como mudaram a estrutura do exame os alunos não se aguentaram, por isso devem continuar a facilitar os resultados aos alunos!!!!!!!!!!!

Carlos Pires disse...

José Ricardo Costa:

Quem não pode deve ser ajudado a poder e caso não consiga mesmo assim deve abandonar a profissão.

Carlos Pires disse...

Gracinda:

Isso não tem sucedido apenas no 9º ano. No secundário em diversas disciplinas, tanto em exames como em testes intermédios, tem existido menos exigência que nos testes feitos pelos professores (por alguns, pelo menos).
Nos governos anteriores isso era uma política deliberada embora não assumida.
Esperemos que este governo não siga a política do facilitismo e do sucesso estatístico.

Obrigado pelo teu comentário.