Pedi aos alunos das turmas B e D do 11º ano que elaborassem na aula um ensaio argumentativo sobre o aborto.
Eis um deles, da autoria do aluno Paulo Figueiredo, da turma D.
Neste ensaio vou defender a imoralidade do aborto. Apenas concordo com a sua prática num único caso que mais à frente explicarei.
Um dos argumentos que se pode apresentar contra o aborto é o da humanidade do feto: todos os seres humanos inocentes têm direito à vida, o feto é um ser humano inocente, logo os fetos têm direito à vida. Neste argumento devemos ter presente o facto de o feto ser uma pessoa e avaliá-lo como tal. Não o devemos apenas rotular como sendo da espécie do Homo sapiens (o que por si só não parece ser eticamente relevante) mas como uma pessoa. Há, no entanto, quem argumente que o feto não é pessoa porque ainda não nasceu, não raciocina, não tem consciência de si e é discutível até que ponto sente dor. Isso leva-me a outro argumento, o da potencialidade. Graças a ele, mesmo que consideremos fraco o argumento da humanidade do feto, podemos defender o direito à vida do feto.
O argumento da potencialidade tem como objectivo fazer ver que ter um direito em potência é tê-lo de facto: os fetos são pessoas em potência, as pessoas têm direito à vida, logo os fetos têm direito à vida. Também é possível tentar refutar este argumento dizendo que nem tudo o que é potencial chega a ser concretizado. Por exemplo, o Samuel gosta muito de jogar futebol, tem 10 anos, no intervalo da escola joga com os amigos e até já conseguiu convencer os pais a autorizarem a sua inscrição no clube de futebol da freguesia. Ele tem o sonho de ser um grande jogador de futebol e de ser considerado o melhor jogador do mundo. Neste caso poder-se-ia afirmar que o Samuel é um potencial melhor jogador do mundo. Dar-lhe-á essa potencialidade o direito de receber já agora um ordenado milionário? Claro que não. No entanto, essa potencialidade é diferente da potencialidade que um feto tem de nascer e se tornar uma pessoa consciente de si e do mundo. Existe a potencialidade forte e a potencialidade fraca. A potencialidade de um feto nascer e tornar-se uma pessoa adulta é muito mais forte do que a de o Samuel ser o melhor futebolista do mundo. Logo, estes dois casos não são comparáveis e pode-se afirmar que o feto tem direito à vida.
Também não devemos privar o feto de ter um futuro como o nosso, um futuro a que ele poderia dar valor. Um feto depois de nascer tem toda uma vida à sua frente para ser vivida e um futuro que o espera. Tem muitas experiências para desfrutar como todos nós, como por exemplo passear, ir ao cinema, ver televisão, andar de bicicleta, aprender ideais como o amor, respeito, humanidade, humildade, entre outros. Ao estarmos a privar um feto de nascer estamos a retirar-lhe todas estas oportunidades, a oportunidade de ter uma vida como nós.
Um argumento muito usado a favor do aborto é o argumento do violinista que se baseia numa conhecida experiência mental. Um dia acordamos e apercebemo-nos que durante a noite fomos raptados por uma sociedade de melómanos e fomos ligados a um violinista famoso que sofre de uma doença renal grave e para ele sobreviver e poder curar-se tem que passar 9 meses ligado a nós pois somos as únicas pessoas compatíveis. Depois é-nos dado a escolher entre ficar 9 meses ligado a ele para que sobreviva ou recusar e causar a sua morte. O objectivo é comparar esta experiência a uma gravidez dizendo que também se tem que passar 9 meses ligado a um feto para garantir a sua sobrevivência ou então ele morre. Este argumento apresenta no entanto enormes diferenças quando o queremos comparar a uma gravidez. Em primeiro lugar nós fomos ligados ao violinista contra a nossa vontade e para uma gravidez acontecer, salvo em casos de violação, é necessário que haja uma vontade de praticar o acto sexual. Para além disso enquanto que o violinista é um completo estranho, o feto que está no ventre feminino desde logo cria um laço com a mãe e vice-versa, desenvolvendo-se assim já alguma relação, deixando de ser completos estranhos. Mesmo que nós não sejamos obrigados a cuidar do violinista a mãe deve cuidar do filho. Em que outro local pode o feto estar, para além do ventre da mãe? Não há nenhum outro sítio onde os fetos se possam desenvolver além do útero, logo os fetos estão onde têm que estar.
Apenas sou a favor do aborto em casos de graves doenças que o feto contenha e que não lhe permita a sobrevivência (sobrevive poucos dias depois de nascer) e todos os momentos da sua vida são de profunda dor e sofrimento. Por exemplo, existe uma doença em que o bebé nasce com a pele toda “ferida”, como se estivesse queimada e tudo o que contacta com a sua pele provoca-lhe dor, quando respira é-lhe causado sofrimento, etc.
Sou contra o aborto quando este é praticado por não se usar métodos contraceptivos ou então por falta de condições financeiras, pois nestes casos há sempre a possibilidade de dar o bebé para adopção. Em casos de violação o aborto não é a melhor opção. Com a violação a mulher fica bastante abalada e a prática do aborto, também ela muito marcante, pioraria ainda mais o seu estado psicológico. A mulher pode ter a criança e dá-la para adopção, não tem necessariamente que criá-la. Também há casos de mulheres que a princípio querem abortar mas depois mudam de ideias e querem ter a criança. O facto de ocorrer uma violação é em si uma circunstância terrível, mas daí pode tirar-se uma boa consequência: dar a vida a um novo ser.
Nos casos em que a gravidez implica risco de vida para a mulher também sou contra o aborto. As mães normalmente sacrificam-se pelos filhos, mesmo que isso implique a perda da própria vida. Por exemplo, se uma mãe ver um filho a levar um tiro coloca-se na frente dele para o proteger. Também se passarem por uma situação de carência de alimentos a mãe é capaz de deixar de comer para alimentar os filhos.
Em suma, sou contra o aborto, salvo os casos em que o feto depois de nascer tenha pouco tempo de vida e todo esse tempo seja de grande sofrimento.
Paulo Figueiredo
Sem comentários:
Enviar um comentário