sábado, 30 de julho de 2011

Um crítico precoce do “eduquês”

Mário Sottomayor Cardia

CARDIA, UM PIONEIRO ANTI-EDUQUÊS  é um pequeno texto de Guilherme Valente, onde este mostra que Sottomayor Cardia - militante do Partido Socialista, que foi Ministro de Educação e Investigação Científica do e Ministro da Educação e Cultura na década de 70 - foi um crítico precoce das ideias pedagógicas actualmente designadas por “eduquês”.

Sottomayor Cardia, que era licenciado em filosofia, falava assim:

«Estão a destruir o que tanto custou a reedificar naqueles anos longínquos […]. Sabotar o ensino público – desqualificando-o em nome da democratização, da ausência de selectividade escolar, da pedagogia não directiva, da proibição de memorizar, mesmo da dispensa de aprendizagem da tabuada, da proclamação do prazer como única motivação do saber e do pensar – é, directa ou indirectamente, uma forma extrema e repugnante de liquidação do sistema público de ensino.»

É um dado curioso. Embora o “eduquês” seja, infelizmente, transversal aos vários partidos políticos portugueses, tem sido durante os governos do Partido Socialista que mais se tem feito sentir a sua influência nefasta (com a provável excepção do governo do PSD em que o Ministro da Educação foi o fatídico Roberto Carneiro). É pena que os responsáveis socialistas não tivessem dado ouvidos a este seu camarada.

6 comentários:

Manuel disse...

Meus caros:
Quando ponho um comentário gosto de o fazer «olhos nos olhos», dirigir-me na 1.ª pessoa a quem pôs o Post.
A Dúvida Metódica não é alguém com quem se possa dialogar.
A vossa cruzada contra o «eduquês» (termo vulgarizado mas impreciso, uma espécie de «Albergue Espanhol») corre dois riscos:
1.º – Mais tarde ou mais cedo a realidade pede-vos contas, e a realidade é muito cruel, não perdoa a amigos nem a inimigos («eduquêses» e «anti-eduquêses» ou «anti-eduquêses» e «eduquêses», a ordem é aleatória);
2.º – Segundo a vossa opinião todos os males da nossa educação resultam do «eduquês»; então, como explicar os diagnósticos permanentemente negativos sobre o seu estado ao longo dos tempos (e considero apenas o período desde a refundação da escola à semelhança do que é hoje, isto é, desde 1836, desde a Reforma de Passos Manuel).
Deixo-vos estas pequenas pérolas que representam apenas uma minúscula amostra:
1.ª – «A maioria dos estudantes […] desfalece perante o mais rudimentar trabalho analítico; raciocina errado, se raciocina; não sabe classificar; deduz mal, induz pior» (Decreto de 1894);
2.ª – «Em Portugal, o aluno sai da escola primária um verdadeiro ignorante» (Albano Ramalho – 1909);
3.ª – «Verifica-se nas respostas de muitos examinandos uma ignorância absoluta de certas matérias e lêem-se em muitas delas os disparates mais fantásticos» (Alves de Moura – 1939);
4.ª – «O nível mental da maioria dos alunos do ensino liceal é muito baixo» (Fernando Pinho de Almeida – 1955).

P. S. – Não sou actor, militante ou simpatizante do «eduquês», procuro sempre fugir às dicotomias, redutoras, prefiro analisar a «terceira margem do rio», isto é, a torrente que contém toda a riqueza da vida, a fixar-me na margem esquerda ou na direita, meras visões «instrumentais» do problema.

Carlos Pires disse...

Manuel:

Em primeiro lugar, é espantoso que fale de fazer comentários "olhos nos olhos" quando nem sequer escreve o seu apelido. O Dúvida Metódica é um blogue quem tem 2 autores devidamente identificados. Alguns posts são publicados com o nome dos autores, outros com o nome do blogue. "Dúvida Metódica" não é anónimo. "Manuel" é anónimo. Da próxima vez, pense antes de escrever.

Não há nenhuma cruzada. A sua afirmação é um bom exemplo da chamada 'falácia do espantalho'. Não há cruzada, há críticas sistemáticas, que já foram muitas vezes justificadas. E é o conteúdo dessas críticas que importa discutir e o "Manuel" não o faz.

O 1º risco que refere não é compreensível, devido ao modo pouco claro como o formulou.

O 2º risco assenta numa caricatura (outra vez a referida falácia): nunca foi escrito no DM que todos os males da educação derivam do "eduquês".
O facto de no passado existirem problemas na educação não implica que a causa de alguns problemas actuais não seja o "eduquês".
A crítica ao "eduquês" e a recusa do seu modelo educativo não significa a aceitação da escola anterior. "As nossas ideias ou a escola salazarista" é um falso dilema com que os defensores do "eduquês" tentam intimidar os seus críticos e enganar os cidadãos.
Infelizmente, muitos professores e políticos acreditaram. Felizmente não é o caso do actual ministro da educação.

Manuel disse...

Caro amigo Carlos:

Manuel é o meu primeiro nome, aquele por que sou tratado por todos os das minhas relações, basta-me, sinto-me confortável com ele. Nome e apelido cheira a tratamento demasiado institucional, só apelido cheira a tropa. Anónimo é ele mesmo, Anónimo, aparecem tantos nos blogues, e isso irrita-me, pois ao ripostar é desconfortável dizer: Caro Anónimo ou Sr. Anónimo.
Se me continuar a considerar Anónimo retirar-me-ei como apareci, suavemente e sem alaridos. Amigos como dantes.
Sim, têm feito a crítica sistemática do chamado «eduquês», mas dada a veemência dessa crítica e o afunilamento dos problemas do ensino ao dito, posso chamar-lhe com propriedade uma cruzada.
1.º risco – o que apontei resulta do afunilamento das críticas (e da acção) apenas sobre o chamado «eduquês». Resultando os problemas actuais do ensino de uma multiplicidade de factores, esquecer ou não falar deles, centrando obsessivamente as críticas no chamado «eduquês», certamente que não poderá dar os resultados desejados. Foi só isto que quis dizer.
2.º risco – (Afinal não sou só eu que me distraí, o Carlos também se distraiu, ou foi traído pelas palavras): «A crítica ao "eduquês" e a recusa do seu modelo educativo não significa a aceitação da escola anterior. "As nossas ideias ou a escola salazarista" é um falso dilema com que os defensores do "eduquês" tentam intimidar os seus críticos e enganar os cidadãos»
Diga-me onde é que critiquei a escola salazarista ou a contrapus ao chamado «eduquês», no sentido em que ou é este ou o regresso àquela?
Tive o cuidado de apresentar uma série de 60 anos (1894-1955), que engloba a monarquia, os alvores da República (o que se disse em 1909 podia dizer-se em 1910, 1911 ou 1912) e o Estado Novo. Não avancei mais porque se considera que a partir da década de 60, com a difusão da não-directividade, se iniciou a penetração das ideias (e das práticas) que agora são apelidadas de «eduquês». Quis mostrar que os problemas são mais fundos e mais gerais, anteriores ao chamado «eduquês», que devem ser enunciados todos, não apenas os desta categoria maldita.
Veja só mais um pormenor que me permite falar de cruzada. O mais conhecido «cavaleiro» desta cruzada, que está sempre zangado com tudo, com o mundo e com as pessoas, Guilherme Valente, não escreve um artigo contra o actual estado da educação cujo título não tenha a palavra «eduquês» e cujo conteúdo não a repita dezenas de vezes. É uma obsessão. Quem for da Arte sabe que os problemas têm múltiplas origens, um «cruzado» apenas pode falar da «Terra Santa», coitado, não conhece mais nada.

rodrigueswilson disse...

Uma das principais causas da deterioração do ensino português tem sido o eduquês. É bom que se critique intensivamente essa forma de não ensinar coisa nenhuma e instaurar uma apatia generalizada nos alunos.

Porém, esta deterioração está a ser fortemente patrocinada pelo actual modelo de gestão escolar e pelo princípio do não abandono escolar. O estatuto social dos directores escolares aumenta em função do número de professores e alunos que uma escola tem. Quanto mais fácil for transitar de ano numa escola, maior é o número de alunos que a procura e o número de professores contratados. Desta forma, as direcções e os alunos comungam de uma mesma finalidade: transitar. O meio ou o “como” transitar é desvalorizado. Com o apoio incondicional da direcção o aluno sabe que não precisa nem de estudar, nem de ser bem-educado para transitar. Entre o desejo dos alunos e das direcções, o trabalho do professor é fortemente condicionado. Pelo que as reacções extremas dos professores à circunstância são:
1) a resignação dogmática com que nas reuniões de avaliação caracterizam os alunos como “bons seres humanos”, abafando problemas disciplinares graves que ocorrem durante as aulas. Com esta atitude o professor julga assumir o estatuto de profissional competente.
2) a identificação de alunos que não reúnem nem condições mínimas de transitar, nem um comportamento aceitável nas salas de aulas. Estes professores condenam-se ao estatuto da incompetência.

Neste cenário, a transição fácil é corroborada pelas direcções das escolas, pela maioria dos professores e, também, pelo eduquês.
Julgo que em breve, com a existência de exames realmente exigentes, os professores que só vêem bons seres humanos e as direcções vão ter de mudar de atitude. Concordam? Ou há alguma coisa que derruba parcial ou integralmente o modo como vejo as coisas?

Carlos Pires disse...

WR:

O que diz passa-se em muitas escolas. Mas a causa não é o novo modelo de gestão, pois também se passava antes. O problema é que com directores ou sem directores não há maneiras objectivas de avaliar as escolas e responsabilizá-las. Se a direcção de uma escola promove o laxismo na avaliação isso na maior parte das disciplinas não tem consequências, pois não têm exame nacional. E nas que têm estes muitas vezes são demasiado fáceis - e se mesmo assim os resultados são um descalabro é sempre possível inventar umas explicações "ad hoc" com base nos princípios do eduquês.
Se existissem exames a sério na maior parte das disciplinas esse género de mistificação já não seria possível. Mesmo que à frente das escolas estivesse um director.
Pela parte que me toca, não tenho um apreço especial pelo novo modelo de gestão mas também não tenho saudades do antigo.

Manuel disse...

Caro Carlos Pires:
Em 31 de Julho comentei o vosso Post do dia anterior, «Um crítico do “eduquês”».
Respondeu-me centrando mais a sua resposta em questões formais do que substanciais, e, nas substanciais, derivou para outras que eu não tinha abordado.
Voltei a comentar centrando-me, essencialmente, no cerne da questão.
Não obtive resposta da sua parte.
Dado o período que vivemos, admiti que a ausência de resposta se devesse a férias.
Vejo hoje que respondeu anteontem a um comentário de um terceiro, feito a 13/8.
Só posso deduzir que há certas críticas que atrapalham a narrativa, pelo que não interessam. Nada que não conheça de outros blogs.
Há pessoas que perante uma floresta frondosa preferem centrar-se na contemplação de uma única árvore, por mais frondosa que seja, a considerar todas as outras, incluindo os arbustos, que também têm a sua importância no ecossistema.
Afinal, a vossa divisa: «As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.» parece que é, como se costuma dizer em gíria popular, apenas para inglês ver, o que não deixa de ser estranho em pessoas de formação filosófica.
Em princípio será a minha última intervenção no «Dúvida Metódica», pois nunca devemos forçar a entrada em casa alheia onde não somos desejados.