segunda-feira, 4 de julho de 2011

A morte e a vida, segundo Maria Filomena Mónica

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“Tendo em conta o custo das tecnologias médicas, podem surgir situações causadas pela escassez de recursos médicos. Se apenas houver um ventilador disponível e se um doente de 90 anos e um de 20 entrarem ao mesmo tempo nas Urgências, o que deve fazer um médico? Neste caso, o gesto de não ligação da máquina a um deles não significa intenção de matar. Como classificar então a sua acção?

A vida dos médicos está a torna-se insuportável, uma vez que tão depressa se vêem diante de famílias pretendendo, a todo o custo, manter o parente vivo, como diante de outras que, pelo contrário, o querem deixar morrer de forma tranquila. Deve o médico aceder, no caso de o doente estar inconsciente, aos desejos expressos pelas famílias?”

Li num ápice o pequeno livro A Morte da socióloga e historiadora Maria Filomena Mónica e recomendo-o. Independentemente da formação e dos interesses de cada um, é uma leitura estimulante por vários motivos. Destaco a frontalidade e a clareza com que o tema – complexo e polémico – é abordado. É feita uma análise lúcida – despojada de sentimentalismos – da finitude humana. O ponto de partida é a descrição das vivências pessoais da autora, mas estas são apenas o pretexto para uma reflexão onde se articulam dados históricos, sociológicos, literários e filosóficos.

Como foi encarada a morte ao longo de diferentes épocas históricas? Quais são as circunstâncias concretas da nossa época que nos devem fazer repensar o direito de morrer? Que argumentos religiosos se podem evocar contra a eutanásia? Como argumentar filosoficamente a favor ou contra esta prática?

A autora assume, do ponto de vista moral, uma posição favorável a esta prática: «Vejamos como reagiríamos ao hipotético “dilema do polícia”. Imagine um condutor de camiões encurralado, depois de um acidente, no seu veículo, em chamas. O polícia, os bombeiros e os serviços de ambulância já chegaram ao local, mas perceberam que não poderão de lá tirar o homem. A sua agonia é evidente. A certa altura, o condutor do camião pede ao polícia – armado – que o mate. Que deverá este fazer? Eu puxaria o gatilho.»

A historiadora considera que a legislação acerca da eutanásia deve ser precedida de um amplo debate na sociedade portuguesa, já ocorrido em países como a Holanda ou a Espanha, por exemplo. Discutir os valores subjacentes aos argumentos religiosos e as principais ideias filosóficas a favor e contra a eutanásia é, na sua perspectiva, a única forma de conseguir clarificar alguns dos complexos problemas morais envolvidos. Só depois de preenchida esta condição será possível legislar de forma adequada. Este livro pretende ser também um contributo para essa discussão.

O discurso da autora tem a virtude de conjugar a aparente simplicidade com que as ideias são apresentadas com a capacidade de interpelar o leitor e levá-lo a encarar a ideia angustiante - e para algumas pessoas tenebrosa - da morte. Com uma vantagem: pensar e conhecer as reflexões de outros permite-nos, provavelmente, repensar o modo como vivemos. Caso esse balanço seja negativo, podemos sempre corrigir o tiro e direccioná-lo para alvos que justifiquem o nosso dispêndio de energia e de tempo. Em suma, aprender a viver melhor.

Encarar, sem contemplações, a velhice e a decadência física e mental que esta acarreta pode conduzir-nos a tomar algumas decisões quanto à nossa própria vida: uma delas é se devemos ter ou não a possibilidade de escolher pôr-lhe fim.

O direito de o fazer, ou não, é discutível. Por isso mesmo devemos discuti-lo. Até porque convém, antes do Estado legislar, cada um de nós tentar ter ideias claras sobre este problema. Como é inevitável, mais tarde ou mais cedo, ele surgirá – directa ou indirectamente – no nosso caminho.

Nota: As citações foram retiradas das págs. 37 e 42.

2 comentários:

F. Pinheiro disse...

Boa tarde!

Ainda não li o livro mas tenciono vir a fazê-lo. No futuro, o debate do problema da eutanásia será incontornável. O envelhecimento progressivo da população irá levar ao aparecimento de um cada vez maior de número de casos de pessoas que sofrem de doenças degenerativas. Muitas dessas pessoas não irão querer passar por um processo demorado de sofrimento que essas doenças acarretam. Os avanços da medicina proporcionam uma melhor qualidade de vida para a generalidade das pessoas, é certo, mas também levam ao prolongamento do sofrimento. Por outro lado, actualmente, há muitas pessoas que só se mantêm vivas devido ao poder das máquinas, algo que antigamente não acontecia. Aliás, os hospitais estão cheios de pessoas que se tivessem vivido, por exemplo, cinquenta anos antes já teriam morrido. Os avanços da medicina conjugados com o envelhecimento da população estão a colocar uma pressão enorme nos gastos do estado, por isso, é natural que num futuro próximo muita coisa tenha que ser repensada nos cuidados de saúde a ministrar aos doentes terminais. A eutanásia pode ser uma saída. Colocar o problema numa perspectiva financeira pode não ser muito nobre, mas não deixa de ser uma abordagem possível.
F. Pinheiro

Sara Raposo disse...

Olá Fernando,

Agradeço o teu comentário. Creio que a longevidade proporcionada pelos avanços da medicina e a melhoria dos cuidados de saúde nos colocam face a novos problemas, como o da eutanásia. A reflexão límpida e frontal que a Filomena Mónica faz, ajuda-nos a pensar melhor acerca deste problema, mesmo que não concordemos com o que ela defende. Vale mesmo a pena ler o livro, garanto-te.

Cumprimentos.