De certo modo, os franceses estilizaram o amor, criaram um determinado estilo, um determinado formato para o amor. E depois acreditaram nisso, sentiram-se obrigados a vivê-lo de uma certa maneira, quando poderiam tê-lo vivido de forma completamente diferente, se não tivessem atrás de si toda aquela literatura. (...) ali toda a gente está exposta a essa noção literária do amor, da emoção, da sensualidade, do ciúme (...). Há demasiadas convenções em tudo isto.
É preciso saber desde logo o que se entende por amor. Se se entende por amor a adoração de um ser, a persuasão de que dois seres foram feitos um para o outro, de que se correspondem mutuamente por qualidades de certo modo únicas, nesse caso a miragem é tão grande que qualquer pessoa que reflicta um pouco diz forçosamente: "Não, estou longe de ter essas qualidades excepcionais e o outro provavelmente também não as tem; tomemos consciência do que é; amemos o que é."
Marguerite, Yourcenar, De olhos abertos, tradução de Renata Correia Botelho, Relógio de Água Editores, Lisboa, 2011, pág. 71.
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