“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.”
John Stuart Mill
Concordo que esta é uma boa razão para ser tolerante. Mas esta é uma razão que cai em saco roto junto dos intolerantes, que são pessoas com muitas certezas. Por isso, parece-me que uma razão melhor para ser tolerante é o facto óbvio de que, mesmo que tenhamos certezas, podemos estar enganados.
Mas outra razão ainda melhor para ser tolerante, e a mais fundamental, é que mesmo que uma pessoa esteja errada, tem o direito de estar errada.
Duvido um pouco do “não tens a certeza de nada”, mas adiante.
Há outras boas razões para sermos tolerantes, além das epistemológicas. Por exemplo: razões morais, como o respeito pela autonomia das pessoas (como sucede quando se tolera que as Testemunhas de Jeová recusem transfusões de sangue, mesmo que isso provoque risco de vida); e razões políticas, como a necessidade de assegurar a coexistência pacífica de grupos culturalmente distintos.
Tolerar não é concordar, mas sim não tentar impedir algo que achamos errado. É preciso distinguir, portanto, a tolerância da aprovação. Pode haver diversas razões para se tolerar algo que se considera errado (veja a esse respeito o comentário de Desidério Murcho e a minha resposta). E essas razões devem ser mais fortes que as razões que temos para considerar essa coisa errada, de tal modo que o mal de impedir seria maior que o mal de tolerar. Por exemplo, o uso do véu – principalmente se integral – pelas mulheres muçulmanas é uma prática que as inferioriza (o que é, naturalmente, mau), mas tentar impedir o seu uso provocaria males ainda maiores – tanto em termos pessoais, como sociais e políticos. Por isso, esse uso deve ser tolerado. Mas, se algo é inaceitavelmente prejudicial e nocivo, e por isso as razões para o impedir são mais fortes que as razões para o tolerar, então não há lugar para a tolerância. Pode-se dizer que isso (pense, por exemplo, na pedofilia ou na excisão) é intolerável e deve ser combatido. E nesses casos é correcto não tolerar. Não tolerar tais coisas não faz de nós pessoas intolerantes, no sentido que se costuma dar à palavra.Pode parecer um jogo de palavras mas não é: não tolerar o que é intolerável não é ser intolerante. Tal como se deve distinguir o que é tolerável do que merece aprovação, deve-se distinguir o que é tolerável do que é intolerável. Distinções que nem sempre são claras nem consensuais, obviamente.
Acho mesmo que o problema a que se assiste hoje reside no facto de que as pessoas transportam linguagem e terminologia cientifica, que é altamente específica e contextualizada, nas premissas das suas acções.
Se por certeza se entende o absoluto conhecimento de algo (que é, já agora, impossível pela regressão infinita e ao facto de que a escolha de premissas num dado sistema formal seja arbitrária), então a citação faz sentida, pois não existe absolutismo epistemológico e, mesmo que houvesse, não poderia ser acedido por ninguém.
No entanto, observa-se este maneirismo de pensar em respostas a perguntas - muitas das quais complacentes com uma certa satisfação pessoal - tão frequente e erradamente utilizado que se observa o total desprezo pelo conhecimento empírico. O método científico não pode mais que considerar verdade como a agregação de um número limitado de proposições verificadas em certo tempo. Ou seja, o que se diz ser verdade remete-se mais a um" ser verdade nas premissas a que temos acesso". Embora insatisfatório para quem quer essa certa certeza, não há método mais eficaz.
Com isto quer dizer que essa citação tem inúmeros contra-exemplos em que não pode ser usada e, por mais que doa a muita gente, existem factos inimaginavelmente corroborados com a experiência e que, para uso mundano, representam "certezas".
Como último reparo, gostaria de reiterar que o que descrevo é para o caso de "verdades científicas" e que há, obviamente, respostas com fraca corroboração ou nenhuma até - no caso de serem proposições mal definidas ou não passíveis de serem falsificadas.
7 comentários:
Excelente sugestão do Pessoa...
Concordo que esta é uma boa razão para ser tolerante. Mas esta é uma razão que cai em saco roto junto dos intolerantes, que são pessoas com muitas certezas. Por isso, parece-me que uma razão melhor para ser tolerante é o facto óbvio de que, mesmo que tenhamos certezas, podemos estar enganados.
Mas outra razão ainda melhor para ser tolerante, e a mais fundamental, é que mesmo que uma pessoa esteja errada, tem o direito de estar errada.
Mas, sejam quais forem os motivos para ser tolerante, até onde deve ir a tolerância? Deve-se tolerar tudo?
Desidério:
Desculpa só responder agora.
Duvido um pouco do “não tens a certeza de nada”, mas adiante.
Há outras boas razões para sermos tolerantes, além das epistemológicas.
Por exemplo: razões morais, como o respeito pela autonomia das pessoas (como sucede quando se tolera que as Testemunhas de Jeová recusem transfusões de sangue, mesmo que isso provoque risco de vida);
e razões políticas, como a necessidade de assegurar a coexistência pacífica de grupos culturalmente distintos.
Alexandra:
Tolerar não é concordar, mas sim não tentar impedir algo que achamos errado. É preciso distinguir, portanto, a tolerância da aprovação.
Pode haver diversas razões para se tolerar algo que se considera errado (veja a esse respeito o comentário de Desidério Murcho e a minha resposta).
E essas razões devem ser mais fortes que as razões que temos para considerar essa coisa errada, de tal modo que o mal de impedir seria maior que o mal de tolerar.
Por exemplo, o uso do véu – principalmente se integral – pelas mulheres muçulmanas é uma prática que as inferioriza (o que é, naturalmente, mau), mas tentar impedir o seu uso provocaria males ainda maiores – tanto em termos pessoais, como sociais e políticos. Por isso, esse uso deve ser tolerado.
Mas, se algo é inaceitavelmente prejudicial e nocivo, e por isso as razões para o impedir são mais fortes que as razões para o tolerar, então não há lugar para a tolerância.
Pode-se dizer que isso (pense, por exemplo, na pedofilia ou na excisão) é intolerável e deve ser combatido. E nesses casos é correcto não tolerar.
Não tolerar tais coisas não faz de nós pessoas intolerantes, no sentido que se costuma dar à palavra.Pode parecer um jogo de palavras mas não é: não tolerar o que é intolerável não é ser intolerante.
Tal como se deve distinguir o que é tolerável do que merece aprovação, deve-se distinguir o que é tolerável do que é intolerável. Distinções que nem sempre são claras nem consensuais, obviamente.
Eduardo:
É uma afirmação inteligente e interessante, pois faz pensar. Mas é, no mínimo, omissa. Como se depreende dos comentários anteriores.
Se há boas citações do Pessoa, esta não é uma.
Acho mesmo que o problema a que se assiste hoje reside no facto de que as pessoas transportam linguagem e terminologia cientifica, que é altamente específica e contextualizada, nas premissas das suas acções.
Se por certeza se entende o absoluto conhecimento de algo (que é, já agora, impossível pela regressão infinita e ao facto de que a escolha de premissas num dado sistema formal seja arbitrária), então a citação faz sentida, pois não existe absolutismo epistemológico e, mesmo que houvesse, não poderia ser acedido por ninguém.
No entanto, observa-se este maneirismo de pensar em respostas a perguntas - muitas das quais complacentes com uma certa satisfação pessoal - tão frequente e erradamente utilizado que se observa o total desprezo pelo conhecimento empírico. O método científico não pode mais que considerar verdade como a agregação de um número limitado de proposições verificadas em certo tempo. Ou seja, o que se diz ser verdade remete-se mais a um" ser verdade nas premissas a que temos acesso".
Embora insatisfatório para quem quer essa certa certeza, não há método mais eficaz.
Com isto quer dizer que essa citação tem inúmeros contra-exemplos em que não pode ser usada e, por mais que doa a muita gente, existem factos inimaginavelmente corroborados com a experiência e que, para uso mundano, representam "certezas".
Como último reparo, gostaria de reiterar que o que descrevo é para o caso de "verdades científicas" e que há, obviamente, respostas com fraca corroboração ou nenhuma até - no caso de serem proposições mal definidas ou não passíveis de serem falsificadas.
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