“Sê tolerante, porque não tens a certeza de nada.”
Fernando Pessoa, Bernardo Soares - Livro do Desassossego.
Lido aqui.
“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.” John Stuart Mill
“Sê tolerante, porque não tens a certeza de nada.”
Fernando Pessoa, Bernardo Soares - Livro do Desassossego.
Lido aqui.
CARDIA, UM PIONEIRO ANTI-EDUQUÊS é um pequeno texto de Guilherme Valente, onde este mostra que Sottomayor Cardia - militante do Partido Socialista, que foi Ministro de Educação e Investigação Científica do e Ministro da Educação e Cultura na década de 70 - foi um crítico precoce das ideias pedagógicas actualmente designadas por “eduquês”.
Sottomayor Cardia, que era licenciado em filosofia, falava assim:
«Estão a destruir o que tanto custou a reedificar naqueles anos longínquos […]. Sabotar o ensino público – desqualificando-o em nome da democratização, da ausência de selectividade escolar, da pedagogia não directiva, da proibição de memorizar, mesmo da dispensa de aprendizagem da tabuada, da proclamação do prazer como única motivação do saber e do pensar – é, directa ou indirectamente, uma forma extrema e repugnante de liquidação do sistema público de ensino.»
É um dado curioso. Embora o “eduquês” seja, infelizmente, transversal aos vários partidos políticos portugueses, tem sido durante os governos do Partido Socialista que mais se tem feito sentir a sua influência nefasta (com a provável excepção do governo do PSD em que o Ministro da Educação foi o fatídico Roberto Carneiro). É pena que os responsáveis socialistas não tivessem dado ouvidos a este seu camarada.
«A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a ‘criar’.»
Vergílio Ferreira
Lido aqui.
Uma das ideias positivas introduzidas no actual modelo em vigor (e ausente no anterior) é a ideia de que o docente tem a obrigação de apresentar provas públicas das actividades que desenvolveu (e, pressuponho eu, da sua relevância em termos científicos e pedagógicos): as chamadas “evidências”. Todavia, o facto de não se explicitar a natureza destas nem o seu número, dá azo a inúmeras interpretações e faz com que esta boa ideia dificilmente seja operacionalizável e que as evidências possam ser avaliadas de modo rigoroso e não arbitrário.
Apesar das críticas que fiz ao modelo actual, defendo que as regras estabelecidas no início deste ano lectivo devem ser mantidas até ao fim. Há 40% dos professores que requereram aulas assistidas (quem não o fez foi porque não quis), gastaram tempo e energia na concretização de várias tarefas - que estavam de acordo com a lei e foram voluntariamente escolhidas – e tudo isso seria jogado para o lixo. Por outro lado, sem levar a aplicação do modelo até ao fim não se pode fazer um verdadeiro balanço da sua implementação: das suas vantagens e desvantagens (o que não se fez no modelo anterior, pois nas escolas os professores avaliados remeteram-se ao silêncio e nada foi dito ou discutido publicamente). Considero a alteração das regras a meio do percurso inaceitável, pois viola os direitos das pessoas que confiaram no Estado (de direito?). Além disso, o ministério da educação nunca permitiria que os professores fizessem na avaliação dos seus alunos aquilo que os políticos fizeram com a avaliação dos professores: tentarem alterar as regras arbitrariamente - de acordo com as conveniências eleitorais - sem ter em conta as consequências reais produzidas na vida das pessoas, contribuindo assim para desacreditar a confiança nas leis do país.
No entanto, uma das consequências perversas da aplicação do actual modelo de avaliação é o facto de lançar a suspeição sobre as classificações. Mesmo que o mérito seja real, a falta de transparência e de credibilidade do processo impede que este seja objectivamente reconhecido. É desmotivador pensar que mesmo os que fazem o que devem - devido à balbúrdia política reinante e à ausência de ideias claras sobre educação - não podem ver qualidade do seu trabalho avaliada com justeza.
Analisando, em retrospectiva, os acontecimentos em torno da avaliação dos professores - que foram em grande parte utilizados com o propósito de distrair a atenção da incompetência dos políticos noutras áreas – percebemos que o discurso e as ideias que vigoraram até agora na educação precisam de ser radicalmente alteradas. Os professores e os alunos precisam de fazer na escola o que é mais importante: ensinar e aprender ciências, literatura, filosofia em vez de perder tempo com a realização de tarefas burocráticas absurdas.
Deste modo, espero que a avaliação futura dos professores se centre, sobretudo, nas aprendizagens dos alunos, isto é, na coerência existente entre a classificação interna atribuída pelo professor e os resultados obtidos na avaliação externa (exames correctamente elaborados e exigentes) e nas actividades desenvolvidas no âmbito curricular, nomeadamente as aulas. Penso que o exercício de cargos, dependentes de uma nomeação, deve ter muito menos relevância que a prática lectiva e estar totalmente dependente de resultados empiricamente verificáveis. As classificações atribuídas aos docentes devem ser públicas, assim como os relatórios das actividades lectivas e não lectivas que são apresentados por cada professor.
A melhor forma de combater a frustrante sensação de injustiça - que já existe, este ano lectivo, em relação às classificações atribuídas aos professores contratados – é, no futuro, a total transparência deste processo. Ora, esta só se consegue tornando pública toda a informação.
No início deste ano lectivo, no dia em que os sindicatos assinaram um acordo com o governo e o actual modelo de avaliação foi decretado (ver aqui), decidi que não voltaria a “lutar” pelos interesses da "classe" (que não existe). Assim, embora o modelo aprovado continuasse a ser criticável e a sua credibilidade discutível tinha-se tornado uma lei e eu preferia ser avaliada a não ser (40% dos professores pensaram como eu, alguns deles contestatários activos do modelo anterior). Portanto, solicitei aulas assistidas e investi, como sempre tenho investido, na minha prática lectiva.
Mal sabia eu que as aulas assistidas seriam a melhor parte deste processo. Só no final deste ano lectivo - porque as minhas condições de trabalho não me permitiram fazê-lo antes e o prioritário era ensinar os alunos - li com atenção a legislação em vigor antes de elaborar o relatório de autoavaliação, cujo preenchimento é obrigatório por todos os professores (com ou sem aulas assistidas). Durante esta árdua e aborrecida tarefa ocorreram-me muitas questões. Eis alguns exemplos.
1º As orientações emanadas do ministério quanto à estrutura do relatório são vagas, não são claras e dificilmente podem ser avaliadas de forma objectiva. Vejamos alguns dos items de preenchimento obrigatório:
Contributo do docente para os objectivos e metas da escola, considerando as seguintes dimensões: componente social e ética; desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; participação na vida da escola e relação com a comunidade educativa.
Em relação a este último item é necessário que o docente apresente evidências, cuja natureza não é explicitada e cada professor e cada escola interpretam de modo diferente.
A minha primeira reacção foi de perplexidade: Onde é que eu coloco o que fiz? Como é que se apresentam evidências que permitam avaliar, com imparcialidade e rigor, items como “a componente social e ética”, “a participação na vida da escola e a relação com a comunidade educativa”?
Faz sentido que a estrutura do relatório não seja intuitiva e compreensível? Que os professores tenham de passar horas a ler para percebem onde devem colocar a descrição e a apreciação das actividades lectivas e não lectivas realizadas?
Como é que se pode pedir (nos documentos do ministério) capacidade de síntese, rigor e objectividade quando as directrizes são tudo menos claras, rigorosas e sintéticas?
2º Qual é o item do relatório em que são consideradas as reais condições de trabalho do professor? Todos são avaliados em todos os items como se fossem iguais, mas de facto não são: como distinguir os professores que leccionam a duas turmas dos que leccionam a cinco ou seis? Como distinguir os professores que leccionam duas disciplinas dos que leccionam quatro? Terão todos o mesmo tempo para participar nas actividades e projectos da escola? Pode-se comparar e avaliar, com justiça e rigor e utilizando os mesmos critérios, os desempenhos destes professores?
3º Como é que se avalia a qualidade das actividades e projectos em que o docente se envolve na escola? Quais são os critérios para considerar aquelas que são mais ou menos relevantes para a vida da escola? Valem todas o mesmo? É a olho? Depende da quantidade ou de encher mais ou menos a vista? Quem é que avalia essas actividades e projectos? É um órgão independente? Como se garante a imparcialidade e a objectividade dessa avaliação?
4º Como garantir a originalidade - em termos científicos e pedagógicos – e a autoria dos materiais didácticos apresentados, quando existe um banco de dados enorme na Internet e algumas pessoas se limitam a alterar os cabeçalhos com o nome da escola (já constatei esse facto em relação aos recursos que disponibilizo neste blogue) e utilizam como se fosse por si concebido aquilo que foi originalmente concebido por outros professores?
5º Como distinguir um professor empenhado que investe mais na sua aprendizagem e na dos seus alunos daquele que investe nas actividades e projectos folclóricos - científica e pedagogicamente irrelevantes - em detrimento da preparação e leccionação das aulas?
Amanhã, sexta-feira, o governo irá falar do modo como os professores irão ser, no futuro, avaliados. Mas antes de sabermos que mudanças vão ser introduzidas, importa fazer um balanço dos modelos de avaliação aplicados pelos dois governos de Sócrates. Parece-me que sem uma análise crítica e uma discussão dos resultados obtidos com a sua aplicação, dificilmente, se pode melhorar as ideias certas e corrigir as erradas.
Sou professora há mais de 20 anos. Durante muito tempo, antes da chegada da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, o que se passava nas escolas era o seguinte: todos os professores eram avaliados com Satisfaz (salvo casos extremos de incompetência) com base num ridículo relatório (onde era suposto elogiarem-se a si próprios, utilizando uma linguagem vaga que pouco queria dizer porque, na verdade, se sabia à partida que o conteúdo era inócuo). Quando um professor se lembrava de pedir Bom (sim, porque tinha de ser requerido pelo próprio e não resultava da avaliação de outros) isso não era bem visto pela maior parte dos professores e este era tido como alguém que se estava a pôr em bicos dos pés, um vaidoso a chamar as atenções.
Assisti durante muito tempo ao lema da velhice ser um posto. Na verdade, não importava quão medíocre se era, importava há quanto tempo se leccionava aulas nessa escola: isso era sinónimo, na maior parte dos casos, de estatuto e poder. Lembro-me de, em várias reuniões, o conteúdo das minhas observações (por mais pertinentes que fossem) não ser de facto considerado: o que importava não era o que era dito, mas quem o dizia; não importava o que era feito, mas quem o fazia. Por diversas vezes me espantei com a falta de empenho, a nível científico e pedagógico, de alguns dos meus colegas mais velhos. Contudo, isso era irrelevante porque a esse nível éramos, supostamente, todos iguais. Mas claro que essa "igualdade" não impedia que aos mais novos na escola fossem atribuídas as piores turmas, os piores horários e a leccionação do maior número de disciplinas.
A ideia de na prática lectiva se diferenciar a qualidade dos desempenhos de cada um (independentemente dos anos de serviço que possuía) era estranha para a maioria. Fazia parte das funções docentes avaliar e classificar o desempenho dos alunos, mas não passava pela cabeça dos professores que se pudessem distinguir os seus próprios desempenhos e atribuir-lhe uma classificação.
O primeiro governo de Sócrates introduziu uma ideia, a meu ver, certa: avaliar o desempenho dos professores, só que o modo como o pretendeu fazer foi completamente errado e absurdo. Contestei activamente o primeiro modelo de avaliação (ver aqui e aqui), não entreguei os objectivos individuais e fui, por isso, “justamente” avaliada com Bom. Embora não percebesse o porquê das várias classificações atribuídas na ficha que recebi da direcção da escola, aceitei - desencantada com a “classe” - essa classificação como uma consequência (e uma penalização decorrente da legislação em vigor) pelas minhas escolhas e acções.
No entanto, algo de positivo resultou de toda esta embrulhada: agora os professores, na sua generalidade, já não se atrevem a defender publicamente que não devem ser avaliados, apenas contestam o modelo.
Pedi aos alunos das turmas B e D do 11º ano que elaborassem na aula um ensaio argumentativo sobre o aborto.
Eis um deles, da autoria do aluno Paulo Figueiredo, da turma D.
Neste ensaio vou defender a imoralidade do aborto. Apenas concordo com a sua prática num único caso que mais à frente explicarei.
Um dos argumentos que se pode apresentar contra o aborto é o da humanidade do feto: todos os seres humanos inocentes têm direito à vida, o feto é um ser humano inocente, logo os fetos têm direito à vida. Neste argumento devemos ter presente o facto de o feto ser uma pessoa e avaliá-lo como tal. Não o devemos apenas rotular como sendo da espécie do Homo sapiens (o que por si só não parece ser eticamente relevante) mas como uma pessoa. Há, no entanto, quem argumente que o feto não é pessoa porque ainda não nasceu, não raciocina, não tem consciência de si e é discutível até que ponto sente dor. Isso leva-me a outro argumento, o da potencialidade. Graças a ele, mesmo que consideremos fraco o argumento da humanidade do feto, podemos defender o direito à vida do feto.
O argumento da potencialidade tem como objectivo fazer ver que ter um direito em potência é tê-lo de facto: os fetos são pessoas em potência, as pessoas têm direito à vida, logo os fetos têm direito à vida. Também é possível tentar refutar este argumento dizendo que nem tudo o que é potencial chega a ser concretizado. Por exemplo, o Samuel gosta muito de jogar futebol, tem 10 anos, no intervalo da escola joga com os amigos e até já conseguiu convencer os pais a autorizarem a sua inscrição no clube de futebol da freguesia. Ele tem o sonho de ser um grande jogador de futebol e de ser considerado o melhor jogador do mundo. Neste caso poder-se-ia afirmar que o Samuel é um potencial melhor jogador do mundo. Dar-lhe-á essa potencialidade o direito de receber já agora um ordenado milionário? Claro que não. No entanto, essa potencialidade é diferente da potencialidade que um feto tem de nascer e se tornar uma pessoa consciente de si e do mundo. Existe a potencialidade forte e a potencialidade fraca. A potencialidade de um feto nascer e tornar-se uma pessoa adulta é muito mais forte do que a de o Samuel ser o melhor futebolista do mundo. Logo, estes dois casos não são comparáveis e pode-se afirmar que o feto tem direito à vida.
Também não devemos privar o feto de ter um futuro como o nosso, um futuro a que ele poderia dar valor. Um feto depois de nascer tem toda uma vida à sua frente para ser vivida e um futuro que o espera. Tem muitas experiências para desfrutar como todos nós, como por exemplo passear, ir ao cinema, ver televisão, andar de bicicleta, aprender ideais como o amor, respeito, humanidade, humildade, entre outros. Ao estarmos a privar um feto de nascer estamos a retirar-lhe todas estas oportunidades, a oportunidade de ter uma vida como nós.
Um argumento muito usado a favor do aborto é o argumento do violinista que se baseia numa conhecida experiência mental. Um dia acordamos e apercebemo-nos que durante a noite fomos raptados por uma sociedade de melómanos e fomos ligados a um violinista famoso que sofre de uma doença renal grave e para ele sobreviver e poder curar-se tem que passar 9 meses ligado a nós pois somos as únicas pessoas compatíveis. Depois é-nos dado a escolher entre ficar 9 meses ligado a ele para que sobreviva ou recusar e causar a sua morte. O objectivo é comparar esta experiência a uma gravidez dizendo que também se tem que passar 9 meses ligado a um feto para garantir a sua sobrevivência ou então ele morre. Este argumento apresenta no entanto enormes diferenças quando o queremos comparar a uma gravidez. Em primeiro lugar nós fomos ligados ao violinista contra a nossa vontade e para uma gravidez acontecer, salvo em casos de violação, é necessário que haja uma vontade de praticar o acto sexual. Para além disso enquanto que o violinista é um completo estranho, o feto que está no ventre feminino desde logo cria um laço com a mãe e vice-versa, desenvolvendo-se assim já alguma relação, deixando de ser completos estranhos. Mesmo que nós não sejamos obrigados a cuidar do violinista a mãe deve cuidar do filho. Em que outro local pode o feto estar, para além do ventre da mãe? Não há nenhum outro sítio onde os fetos se possam desenvolver além do útero, logo os fetos estão onde têm que estar.
Apenas sou a favor do aborto em casos de graves doenças que o feto contenha e que não lhe permita a sobrevivência (sobrevive poucos dias depois de nascer) e todos os momentos da sua vida são de profunda dor e sofrimento. Por exemplo, existe uma doença em que o bebé nasce com a pele toda “ferida”, como se estivesse queimada e tudo o que contacta com a sua pele provoca-lhe dor, quando respira é-lhe causado sofrimento, etc.
Sou contra o aborto quando este é praticado por não se usar métodos contraceptivos ou então por falta de condições financeiras, pois nestes casos há sempre a possibilidade de dar o bebé para adopção. Em casos de violação o aborto não é a melhor opção. Com a violação a mulher fica bastante abalada e a prática do aborto, também ela muito marcante, pioraria ainda mais o seu estado psicológico. A mulher pode ter a criança e dá-la para adopção, não tem necessariamente que criá-la. Também há casos de mulheres que a princípio querem abortar mas depois mudam de ideias e querem ter a criança. O facto de ocorrer uma violação é em si uma circunstância terrível, mas daí pode tirar-se uma boa consequência: dar a vida a um novo ser.
Nos casos em que a gravidez implica risco de vida para a mulher também sou contra o aborto. As mães normalmente sacrificam-se pelos filhos, mesmo que isso implique a perda da própria vida. Por exemplo, se uma mãe ver um filho a levar um tiro coloca-se na frente dele para o proteger. Também se passarem por uma situação de carência de alimentos a mãe é capaz de deixar de comer para alimentar os filhos.
Em suma, sou contra o aborto, salvo os casos em que o feto depois de nascer tenha pouco tempo de vida e todo esse tempo seja de grande sofrimento.
Paulo Figueiredo
Pedi aos alunos das turmas C, D e F do 10º ano que elaborassem na aula um ensaio argumentativo sobre um dos temas da ética aplicada: o aborto.
Eis um deles, da autoria da aluna Katayoune Shahbazkia (turma C do 10º ano) :
Será o aborto moralmente permissível?
Na minha opinião, sim, com algumas excepções, a saber: quando o feto adquiriu senciência (capacidade de sentir, que existe quando há um sistema nervoso), ou se o aborto é apenas uma questão do casal não gostar do sexo do seu futuro bebé (o que acontece nalguns países - como por exemplo na Índia - onde o facto do feto ser do sexo feminino pode ser uma razão para abortar).
Na primeira excepção, penso que é imoral dado que, hoje em dia, um ser humano é considerado morto quando o seu sistema nervoso já não funciona. Portanto, um feto pode-se considerar um ser humano quando desenvolveu um sistema nervoso. Ora é imoral matar seres humanos. Logo, é imoral abortar um feto que adquiriu senciência.
A segunda excepção (não permitir o aborto exclusivamente devido ao sexo da futura criança) justifica-se porque as consequências seriam muito nefastas: primeiro, iria ocorrer um desequilíbrio dos seres humanos masculinos-femininos. Esta situação iria resultar de uma baixa significativa da natalidade. Por sua vez, esta consequência iria conduzir ao envelhecimento da população. Como o envelhecimento da população levanta problemas sociais e económicos, é prejudicial. Então, não se deve abortar se tal acção se baseia somente não aceitação do sexo do futuro bebé.
Já explicadas as excepções, irei focar-me na minha tese geral - o aborto é moralmente permissível. Para justificá-la, peço ao leitor de imaginar a seguinte situação:
Suponhamos que é uma mulher que vive num país onde o aborto é ilegal. Aos seus olhos, tem tudo para ser feliz: independência, estudos em curso que a vão levar ao emprego que gosta e encontrou o “homem perfeito”. Agora pensemos que engravida indesejadamente. E agora? Bem agora tem de aguardar o futuro bebé, a não ser que possa mudar-se para um país onde o aborto é legal ou se infringir as leis do país em que reside.
O “homem perfeito”, ao saber tal notícia, assusta-se, diz-se que é muito novo para ser pai. Resultado: abandona-a. Não desanime, são “só” todos os seus planos e a sua vida de mulher independente a desaparecer. Agora tem que mudar tudo em função do bebé. Ora, um bebé não é como uma boneca, que quando nos fartamos deixamo-la de lado. Um bebé, para se desenvolver da forma correcta, na sociedade em que vivemos, precisa de tempo, amor e dinheiro. Bem, então esqueça os estudos, vai ter que dar tempo ao bebé. Mas se não prosseguir os estudos como poderá arranjar um bom emprego, que lhe permita sustentar o bebé e a si mesma? Não haverá dinheiro. Então, se calhar, tem de trabalhar mais? Mas assim não haverá tempo. E, já agora, será que você deseja deixar tudo pelo bebé? Será que sente amor por ele, que, basicamente, foi a razão do fim da sua vida independente e dos seus projectos futuros?
É obvio que, na maioria dos casos, a mulher sente amor pelo(a) filho(a) e fica perante um dilema em que qualquer das decisões terá consequências indesejadas. De qualquer maneira, irá sofrer (tal como a sua descendência): ou porque não queria ter o bebé nesse momento da sua vida, ou porque não tem as condições necessárias para tratar correctamente dele. Será que tudo isto não estaria melhor se você pudesse ter abortado? Ainda teria a sua vida independente pela frente, os seus estudos. Se calhar o “homem perfeito” não se teria precipitado, e poderia ter pensado melhor, ficando consigo e concordando em ter mais cuidado no futuro, podendo, mais tarde (quando tivessem condições propícias) gerar descendência(s). E o tal bebé que não teria uma boa vida não teria sofrido, nem saberia que tinha perdido algo. Daí resultaria uma maior felicidade, sem dúvida.
No entanto, certas pessoas rejeitam este argumento dizendo que um feto é um ser humano em potência e que, como não se deve matar seres humanos, está errado abortar (matando os fetos, potenciais humanos). Mas se admitirmos esta ideia da potencialidade como correcta, então teremos de deixar de dizer aos criminosos que quando matam estão a cometer um acto imoral: Eles “apenas” mataram potenciais mortos. Toda a gente acaba por morrer, eles só aceleraram o processo. Obviamente que toda a gente, a não ser os próprios criminosos, rejeitará esta ideia, que é, e disso não há dúvidas, imoral.
Voltando à situação que pedi anteriormente que imaginasse: Será justo o homem poder escolher se quer ou não ficar com o bebé, enquanto que você, a mulher, que tem um papel fundamental no desenvolvimento do feto, não? Não.
Desta vez, os defensores da imoralidade do aborto dirão que a mulher, que é um ser racional e consciente, ao ter relações sexuais sabia que havia a possibilidade de engravidar. Portanto, deverá assumir a responsabilidade pelas consequências decorrentes das suas acções.
Refuto este último argumento da seguinte forma: Um ser humano é um ser racional, ou seja, tem a capacidade de avaliar e analisar o que está correcto ou incorrecto, numa dada altura. O casal é o único que tem o direito de avaliar e decidir se quer ou não ter um bebé. Mas o sexo não é entendido somente como um acto de procriação, é também uma manifestação de afecto. Isto quer dizer que há a possibilidade da mulher engravidar, mesmo que o casal tenha decidido e avaliado que não queria um bebé, naquela altura (uma vez que os métodos contraceptivos não são 100% seguros). Ora, se existir a possibilidade de abortar porque não se considera esse acto imoral, ou seja, há a possibilidade de satisfazer a decisão racional do casal (não querem um bebé). Contudo, se não lhes for permitido abortar por ser imoral, estamos a negar ao casal o seu direito, que se baseia na capacidade de avaliar e decidir o que está certo ou errado, num certo momento da sua vida. Isto significa que estamos a negar a possibilidade de uma escolha racional que diz respeito à vida privada de cada pessoa. Mas não permitir fazer essa escolha é algo errado, pois o ser humano é, de facto, um ser racional e deve poder decidir como quer viver. Em suma, a imoralidade do aborto e a sua consequente ilegalidade é inaceitável e contraria alguns direitos fundamentais que todas as pessoas devem ter.
Dito isto, reafirmo a minha tese: sou a favor do aborto, a não ser que o feto já tenha adquirido senciência ou se os pais decidem fazê-lo apenas pelo facto do sexo do futuro bebé não lhes agradar.
Katayoune Shahbazkia
Na próxima sexta-feira o ministro da educação apresentará o novo modelo de avaliação dos professores. Espero que seja um modelo melhor que o actual: menos burocrático; mais rigoroso e objectivo; centrado na função fundamental dos professores, que é ensinar, e não nas folclóricas actividades e projectos extra-curriculares e afins que têm pululado nas escolas nos últimos anos; capaz de ter em conta os resultados dos alunos, sem com isso levar à inflação de notas; etc.
Muitos professores, por motivos diferentes, aguardam com ansiedade essa apresentação. Eu não. Acho importante que os professores sejam avaliados e quero ser avaliado, mas essa avaliação – bem ou mal feita – não mudará nada nas minhas aulas. (Este ano tive duas aulas assistidas e nem por um segundo fiz nelas algo diferente do que teria feito se não fossem assistidas.)
Espero com mais ansiedade notícias sobre a alteração dos programas, a introdução de novos exames (será desta que o exame de Filosofia se torna obrigatório?) e a alteração do estatuto do aluno (nomeadamente das normas relativas à assiduidade e à disciplina). Essas e outras alterações do género, contrariamente à avaliação dos professores, poderão mudar – para melhor - algumas coisas nas minhas aulas. E na educação portuguesa em geral, espero.
Aliás, a capacidade da avaliação do desempenho docente influenciar positivamente o trabalho de alguns professores depende profundamente dessas alterações (principalmente da existências de mais e melhores exames) e espero que o modelo que será apresentado na próxima sexta-feira as pressuponha. Caso contrário, só poderá aspirar a ser melhor que o actual no que diz respeito à diminuição da burocracia.
Na Finlândia também há exames, estúpida! é um texto de Guilherme Valente que vale a pena ler.
Este mostra que na Finlândia há não só muitos exames como, contrariamente ao que os defensores do “eduquês” dizem, os alunos podem reprovar. Simplesmente, isso raramente sucede, pois o sistema de ensino funciona tão bem que os alunos aprendem quase sempre o suficiente para passar de ano.
Como sabemos, essa não é a única mentira que os defensores do “eduquês” repetem incessantemente na esperança de que entretanto se torne verdadeira – à semelhança das profecias que se auto-realizam.
(O texto foi publicado ontem no jornal Público e hoje no blogue De Rerum Natura.)
Se Anders Behring Breivik fosse português não poderia ser condenado a mais de 25 anos de prisão.
Em Portugal, a pena de 25 anos pode ser aplicada a um indivíduo que mate uma única pessoa. Se este cometer mais crimes, nomeadamente assassinatos, poderá receber outras penas mas não as cumprirá – pois, devido a um mecanismo conhecido por cúmulo júridico, 25 anos de prisão é o máximo que um indivíduo pode cumprir.
Creio que 25 anos de prisão pelo assassinato de uma pessoa é uma pena demasiado pequena. Mas admitamos que é uma pena justa e adequada. Mesmo assim, parece injusto aplicar a mesma pena a quem matou várias dezenas de pessoas.
Por um lado, devido à desproporção: matar dezenas de pessoas é um crime mais grave do que matar uma única pessoa, mesmo que a motivação seja semelhante; e como tal merece um castigo mais severo.
Por outro lado, porque sugere aos assassinos que não há problema em matar mais pessoas do que as que já mataram, uma vez que a pena não será superior por isso.
Parece-me, por isso, que não deveria existir cúmulo júridico, pelo menos para os crimes mais graves, como o assassínio. Mesmo que isso implicasse na prática uma condenação a prisão perpétua.
Não sei qual é pena de prisão prevista na Noruega para o assassínio. Suponhamos que é 25 anos como em Portugal. Nesse caso Anders Behring Breivik deveria ser condenado a uma pena de prisão efectiva de 25 anos X 92 (o número de pessoas que matou).
Há quem faça mais pela qualidade da educação em Portugal que muitos ministérios juntos. Para perceber porquê cliquem na imagem e leiam o programa Descobrir para as escolas.
O senhor Pelet “era suficientemente educado para não insistir sobre um assunto que me desagradava e, como tinha, ao mesmo tempo, espírito e instrução, era-nos fácil conversar horas inteiras sem procurar na lama os assuntos da nossa conversa.”
Charlotte Brontë, O Professor, Editorial Inquérito, 2003, pág. 90.
De certo modo, os franceses estilizaram o amor, criaram um determinado estilo, um determinado formato para o amor. E depois acreditaram nisso, sentiram-se obrigados a vivê-lo de uma certa maneira, quando poderiam tê-lo vivido de forma completamente diferente, se não tivessem atrás de si toda aquela literatura. (...) ali toda a gente está exposta a essa noção literária do amor, da emoção, da sensualidade, do ciúme (...). Há demasiadas convenções em tudo isto.
É preciso saber desde logo o que se entende por amor. Se se entende por amor a adoração de um ser, a persuasão de que dois seres foram feitos um para o outro, de que se correspondem mutuamente por qualidades de certo modo únicas, nesse caso a miragem é tão grande que qualquer pessoa que reflicta um pouco diz forçosamente: "Não, estou longe de ter essas qualidades excepcionais e o outro provavelmente também não as tem; tomemos consciência do que é; amemos o que é."
Marguerite, Yourcenar, De olhos abertos, tradução de Renata Correia Botelho, Relógio de Água Editores, Lisboa, 2011, pág. 71.
Estou a ler este livro: a transcrição de uma série de conversas que Matthieu Galey manteve com a escritora francesa (naturalizada americana em 1947) Marguerite Yourcenar (1903-1987). Autora de alguns dos romances de que mais gosto, em particular As memórias de Adriano.
Neste livro, apresentado sob a forma de uma longa entrevista, pode-se aceder a dados de natureza biográfica (talvez o menos interessante) e também a reflexões sobre temas variados, como o Amor, a tradução, a solidão, o feminismo, o racismo, a política e a morte, entre outros (que correspondem a diferentes capítulos). Além disso, a autora explica a génese de alguns dos personagens fundamentais dos seus romances, o que para os apreciadores da sua obra literária é uma experiência única: a sensação (talvez ilusória) de desvendar, em parte, o processo de criação de personagens que, nalguns casos, nos acompanharam e influenciaram em diferentes momentos da vida.
Deixo aos leitores duas pequenas passagens, de capítulos diferentes:
"Quando falamos de amor pelo passado é preciso ter atenção, pois é do amor à vida que se trata. A vida está muito mais no passado do que no presente. O presente é sempre um momento curto, mesmo quando a sua plenitude o faz parecer eterno. Quando se ama a vida, ama-se o passado, porque é o presente tal como sobreviveu na memória humana. O que não significa que o passado seja uma idade de oiro: tal como o presente, é ao mesmo tempo atroz, soberbo ou brutal, ou apenas vulgar."
"As pessoas não gostam de perceber o quanto a sua vida depende do acaso, isso embaraça-as. Adoram ter uma vida mais ou menos controlada por elas, ou senão por elas, pelas suas paixões, pelos seus amores, mesmo pelos seus erros. Acham mais bonito e mais interessante (...) do que ter dependido apenas do autocarro que se apanhou (...)."
O título deste post é um exagero. O post é acerca do “eduquês”; ora, este - ao promover a desvalorização do conhecimento, o facilitismo e a repulsa pelos exames e por qualquer outra forma de avaliação externa rigorosa e exigente - contribui imenso para os problemas que afectam a educação em Portugal, mas não é naturalmente a sua única causa – não é a origem de todo o mal educativo. Mas é uma das causas mais importantes, pois, além dos malefícios que provoca sozinho, agrava os efeitos das outras causas.
Um bom exemplo disso é a atitude que os teóricos do “eduquês” têm em relação aos exames. Muitos alunos portugueses revelam dificuldades no Português e na Matemática, pelo que os resultados dos exames – a menos que estes sejam excessivamente fáceis - não costumam ser bons. Soubemos esta semana que os resultados nessas disciplinas, tanto no 9º como no 12º, foram pouco satisfatórios. Contudo, esses teóricos dizem que o problema são os próprios exames, ou seja: a culpa do insucesso é dos exames. Com isso não querem dizer que os exames X e Y foram mal elaborados, mas sim que os exames em geral são um modo errado e perverso de avaliar os alunos e que – como diz um dos arautos portugueses do “eduquês” - o “sistema-exames faz dos alunos, dos professores e das escolas vítimas inocentes”. Solução: alguns dos referidos teóricos - mais radicais ou apenas mais sinceros - defendem que é preciso acabar com os exames; outros - mais moderados ou talvez mais diplomáticos - acham que se deve "suavizá-los", relativizá-los, diminuir o seu número, diminuir o seu peso na avaliação dos alunos, etc.
Chamo a atenção do leitor para o pormenor da "confiança social": para o "eduquês" a utilidade dos exames, a existir, não é pedagógica nem científica, mas apenas social.
Mas, como é evidente, sem os exames (ou sem exames a sério) o insucesso não desapareceria, apenas ficaria oculto. O que agravaria o problema. A "solução" proposta pelo “eduquês” equivale à prática primitiva de matar o mensageiro que trazia más notícias.
Por isso, se as ideias desse e de outros arautos do género não são a origem de todo o mal educativo, são pelo menos a origem de muitos males. Esperemos que o ministro Nuno Crato e os seus secretários de Estado, contrariamente ao que sucedeu noutros governos, não lhes dêem ouvidos.
Os jornais noticiam hoje que os resultados dos exames do 9º ano (Matemática e Português) são os piores dos últimos anos. Parece que as provas foram um bocadinho mais difíceis do que nos anos anteriores e a maioria dos alunos não se aguentou (média de 51 em 100 a Português e de 43 a Matemática).
Para explicar esses resultados ir-se-ão certamente invocar muitos factores: a inadequação dos programas, o uso excessivo da calculadora, a arbitrária variação de ano para ano do grau de exigência dos próprios exames, alguns métodos de ensino, etc. Reconheço a influência desses factores, mas aposto que pouco se falará da principal causa do problema: o facto de muitos professores portugueses terem interiorizado (devia dizer entranhado) que a falta de exigência é uma coisa boa e o rigor é uma coisa má.
Actualmente nas escolas portuguesas predomina uma cultura do laxismo. Quando os professores portugueses se reúnem para avaliar os alunos recebem, de modo oficial, instruções para analisar o caso dos alunos que têm três negativas – para ver se é possível transformar uma delas em positiva e permitir assim que o aluno passe de ano. Alguns professores interpretam a instrução de analisar como uma ordem para, dê lá por onde der, subir uma das classificações. Se alguém sugere que o aluno em causa merece reprovar, há sempre alguém que, piedosa e solenemente, observa que “os alunos não são números” e que “é preciso considerar a situação global do aluno”. Não é exagero dizer que em muitos casos existem pressões para os professores subirem as classificações. Muitas vezes os próprios professores cedem às pressões e sobem as classificações por sua iniciativa – durante a reunião ou previamente, caso saibam as classificações que os colegas vão atribuir ao aluno. Quando os próprios não sobem as classificações por sua iniciativa, realiza-se uma votação e é frequente a maioria dos professores do conselho de turma votar a favor da subida. Sucede também o próprio professor pedir aos colegas para lhe votarem a nota: ele não tem absolutamente elementos nenhuns que justifiquem uma classificação positiva, mas não quer que o alune reprove; por isso, propõe uma classificação negativa e sugere aos outros professores do conselho de turma que através de uma votação a subam e a tornem positiva.
O resultado disso é que muitos alunos portugueses passam de ano sem saberem o suficiente e sem estarem preparados para adquirir os conhecimentos que vão ser ensinados no ano seguinte. Além de irem acumulando dificuldades, esses alunos concluem que é possível passar de ano sem estudar e sem aprender e no ano seguinte voltam a não se empenhar. Ou seja: em vez de aprenderem matemática e gramática aprendem a ser preguiçosos e irresponsáveis.
Estas situações são frequentes no ensino secundário, mas ainda mais no ensino básico – onde, aliás, as pressões para subir as classificações e as votações não ocorrem apenas no caso de alunos com 3 negativas, mas muitas vezes também no caso de alunos que têm 4, 5 ou 6 negativas (neste caso as instruções não são oficiais e não costumam aparecer escritas em nenhum documento).
(Uma manifestação caricata dessa cultura laxista que domina as escolas portuguesas é o facto de algumas palavras que aqui utilizei não serem admitidas em documentos oficiais, como por exemplo as actas: não se pode escrever “negativas” mas sim “classificações inferiores a…” e “reprovado” também é uma palavra proibida, devendo escrever-se “retido”.)
Nuno Crato, o actual ministro, tem uma visão correcta da educação. Mas para ser bem sucedido terá de enfrentar as ideias e atitudes erradas de muitos professores, que se habituaram à falta de exigência e de rigor e agora a defendem como se fosse uma boa prática pedagógica – sem perceberem que estão a prejudicar e não a beneficiar os alunos.
Estes resultados dos exames do 9º ano comprovam que os alunos que foram avaliados com laxismo ao logo de vários anos foram prejudicados.
«A utilidade foi declarada como o mais importante objectivo na vida – ou, para ser mais exacto, ganhar tanto dinheiro quanto for possível. E eu, que assumi a nobre tarefa de formar a elite jovem, o meu trabalho foi rebaixado à função de formar pessoas comercializáveis. Tudo tem de ser comercializável, moderno, adaptado, actual e, acima de tudo, não ser diferente, não ser difícil, não ser pesado, ser simples – primeiro que tudo simples.»
Rob Riemen, Nobreza de Espírito
Ao ver este cartaz fui assaltado pela seguinte dúvida: porque é que a historiadora é apresentada como historiadora e a médica como médica, enquanto o filósofo é apresentado como professor de Filosofia? O que é preciso, afinal, para alguém ser chamado filósofo?
De 4 a 8 de Julho decorrerá um debate on-line (organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos) sobre a eutanásia, o suicídio assistido e o testamento vital.
Participam no debate a historiadora Maria Filomena Mónica, o filósofo Desidério Murcho e a médica Isabel Galriça Neto. Espera-se também que outras pessoas - como por exemplo a cara leitora ou o caro leitor - participem no debate através da publicação de comentários.
O pretexto para realizar o debate é a publicação deste livro.
Clique AQUI para aceder ao debate.
“Tendo em conta o custo das tecnologias médicas, podem surgir situações causadas pela escassez de recursos médicos. Se apenas houver um ventilador disponível e se um doente de 90 anos e um de 20 entrarem ao mesmo tempo nas Urgências, o que deve fazer um médico? Neste caso, o gesto de não ligação da máquina a um deles não significa intenção de matar. Como classificar então a sua acção?
A vida dos médicos está a torna-se insuportável, uma vez que tão depressa se vêem diante de famílias pretendendo, a todo o custo, manter o parente vivo, como diante de outras que, pelo contrário, o querem deixar morrer de forma tranquila. Deve o médico aceder, no caso de o doente estar inconsciente, aos desejos expressos pelas famílias?”
Li num ápice o pequeno livro A Morte da socióloga e historiadora Maria Filomena Mónica e recomendo-o. Independentemente da formação e dos interesses de cada um, é uma leitura estimulante por vários motivos. Destaco a frontalidade e a clareza com que o tema – complexo e polémico – é abordado. É feita uma análise lúcida – despojada de sentimentalismos – da finitude humana. O ponto de partida é a descrição das vivências pessoais da autora, mas estas são apenas o pretexto para uma reflexão onde se articulam dados históricos, sociológicos, literários e filosóficos.
Como foi encarada a morte ao longo de diferentes épocas históricas? Quais são as circunstâncias concretas da nossa época que nos devem fazer repensar o direito de morrer? Que argumentos religiosos se podem evocar contra a eutanásia? Como argumentar filosoficamente a favor ou contra esta prática?
A autora assume, do ponto de vista moral, uma posição favorável a esta prática: «Vejamos como reagiríamos ao hipotético “dilema do polícia”. Imagine um condutor de camiões encurralado, depois de um acidente, no seu veículo, em chamas. O polícia, os bombeiros e os serviços de ambulância já chegaram ao local, mas perceberam que não poderão de lá tirar o homem. A sua agonia é evidente. A certa altura, o condutor do camião pede ao polícia – armado – que o mate. Que deverá este fazer? Eu puxaria o gatilho.»
A historiadora considera que a legislação acerca da eutanásia deve ser precedida de um amplo debate na sociedade portuguesa, já ocorrido em países como a Holanda ou a Espanha, por exemplo. Discutir os valores subjacentes aos argumentos religiosos e as principais ideias filosóficas a favor e contra a eutanásia é, na sua perspectiva, a única forma de conseguir clarificar alguns dos complexos problemas morais envolvidos. Só depois de preenchida esta condição será possível legislar de forma adequada. Este livro pretende ser também um contributo para essa discussão.
O discurso da autora tem a virtude de conjugar a aparente simplicidade com que as ideias são apresentadas com a capacidade de interpelar o leitor e levá-lo a encarar a ideia angustiante - e para algumas pessoas tenebrosa - da morte. Com uma vantagem: pensar e conhecer as reflexões de outros permite-nos, provavelmente, repensar o modo como vivemos. Caso esse balanço seja negativo, podemos sempre corrigir o tiro e direccioná-lo para alvos que justifiquem o nosso dispêndio de energia e de tempo. Em suma, aprender a viver melhor.
Encarar, sem contemplações, a velhice e a decadência física e mental que esta acarreta pode conduzir-nos a tomar algumas decisões quanto à nossa própria vida: uma delas é se devemos ter ou não a possibilidade de escolher pôr-lhe fim.
O direito de o fazer, ou não, é discutível. Por isso mesmo devemos discuti-lo. Até porque convém, antes do Estado legislar, cada um de nós tentar ter ideias claras sobre este problema. Como é inevitável, mais tarde ou mais cedo, ele surgirá – directa ou indirectamente – no nosso caminho.
Nota: As citações foram retiradas das págs. 37 e 42.
"A homeopatia não funciona.(...) Se a um grupo de doentes dermos medicamentos homeopáticos e o outro dermos algo parecido sem homeopatia, desde que não saibam qual é qual vão relatar melhorias idênticas".
Leia no blogue Que Treta! mais razões para considerar a homeopatia uma pseudociência.
«Uma vez que há muitas pessoas que lêem filosofia não para fins curriculares, mas para benefício próprio, seja porque desejam saber, seja porque lhes apraz, procurei evitar o uso de gíria e tentei não criar ao leitor dificuldades além das inerentes aos assuntos expostos. No entanto, por muito que seja o esforço, é impossível transformar a leitura de filosofia numa tarefa pouco exigente. Como tem sido dito e repetido, a filosofia, ao contrário das piscinas, não tem um extremo pouco profundo por onde se possa entrar.»
Anthony Kenny, na Introdução ao volume 4 da Nova História da Filosofia Ocidental: Filosofia no Mundo Moderno, Gradiva, Lisboa, 2011.