sábado, 6 de junho de 2009

A palavra ‘provado’ devia ser usada com mais cuidado!

Se quiser observar o “eduquês” no máximo do seu pálido esplendor, leia a entrevista de Ana Maria Bettencourt (presidente do Conselho Nacional da Educação, professora e investigadora na área das Ciências da Educação, tendo já sido deputada do PS e assessora para a Educação do Presidente da República Jorge Sampaio) ao Público.

A senhora repete os disparates do costume (os alunos não deviam reprovar, os exames não são necessários para haver sucesso educativo, o ensino centrado no aluno, etc.) acrescentando sempre “está provado que…”

Aconselhar Ana Maria Bettencourt a ler Karl Popper talvez fosse excessivo da minha parte, pois a senhora ao informar-se sobre o critério de falsificabilidade podia concluir que a maioria dos estudos feitos no âmbito das Ciências da Educação são pseudo-científicos e lá se ia o trabalho de uma vida...

Mesmo assim, se conhecesse a presidente do Conselho Nacional da Educação, eu sugerir-lhe-ia que reflectisse acerca de afirmações como esta:

«Nunca se pode provar nem afirmar que uma teoria científica é verdadeira. Quanto muito, pode provar-se que é falsa – se se realizar um teste cujos resultados sejam contrários às suas previsões».

Jorge Buescu, O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias, 9ª edição, Gradiva, Lisboa, 2004, pág. 13.

14 comentários:

João disse...

Ola:

Sim, tudo o que diz é verdade.

No entanto em ciencia prova tem um significado importante enquanto evidencia de suporte da teoria.

Embora, como dizia Einstein, "100 experiencias não possam provar que estou correcto mas apenas uma pode mostrar que estou enganado", o que é a versão pessoal em relação à relatividade, do principio da falseabilidade, a questão é que a cada previsão especifica (e quanto mais melhor) que é verificada, uma teoria cientifica ganha força.

E em ciencia pode-se dizer que algo esta provado, cientificamente é claro. O grau de certeza de uma afirmação cientifica provada, é o mais elevado para um dado momento da ciencia e é muitas vezes aqueles que temos de usar como corrrecto. Uma teoria é um conjunto de afirmações provadas. E é o grau de verdade mais alto que ha em ciencia. A questão é que é o grau de verdade mais elevado que se consegue chegar dentro de um numero o mais reduzido possivel de pressupostos que não podem ser provados ( e que os filosofos não se cansam de nos lembrar :-) )

O problema está , no abuso da expressão provado cientificamente, ou insinuado que é cientificamente, quando na realidade pode ser apenas algo sugerido pela experiencia, ou uma hipotese mal testadas. Ou algo que não se pode testar e falsear. Isso não é ciencia.

A minha critica ao artigo é só no sentido de ajudar compreender a critica, que penso que ficou um pouco como uma inside joke pouco explicita.

Mas se o s filosofos da casa estiverem em desacordo com as minhas observações, sou todo ouvidos.

cumprimentos

José Ricardo Costa disse...

Não vale a pena aconselhar a essa gente leituras que possam pôr em causa a sua dogmática serenidade.

Enquanto os filósofos, tendo consciência da não-cientificidade dos problemas filósoficos, apostam tudo na argumentação racional, os cientistas da educação, algo complexados perante ciências como a física, querem alcançar o mesmo estatuto daquela.
Para isso, recorrem a malabarismos conceptuais semelhantes aos que, em tempos, se faziam na teologia e a experiências que, sendo supostamente científicas, estão à partida inquinadas pela ideologia que, a todo o custo, querem politicamente aplicar.

JR

Carlos Pires disse...

JR:

Obrigado pelo comentário.

Trata-se de facto de uma ideologia patética, mas desgraçadamente muito influente.

Quando tiver tempo escrevo um post acerca duma divertida comparação (feita pelo físico Richard Feynman) entre os "cientistas" da educação e os indígenas que praticam o "culto da carga".

Carlos Pires disse...

João:

Obrigado pelo comentário.

O facto de não podermos garantir que um dia não será feita uma observação incompatível com a teoria, por muito improvável que seja essa possibilidade, levou Popper a considerar que não se deve dizer "provar".

Claro que isso não impede as pessoas, nomeadamente os cientistas, de usarem a palavra.

Julgo que dizer "O grau de certeza de uma afirmação cientifica provada, é o mais elevado para um dado momento da ciência e é muitas vezes aqueles que temos de usar como correcto. Uma teoria é um conjunto de afirmações provadas" não é incompatível com a concepção de Popper - a não ser devido à utilização da dita palavra.
Para exprimir a mesma ideia e sublinhar que se trata de uma confirmação provisória (por muito improvável que seja a refutação) Popper utilizava a palavra (bastante feia e pouco usual) "corroborar".

Mas isso não significa que as ideias de Popper, nomeadamente o critério de falsificabilidade, não mereçam algumas críticas.

Cumprimentos.

João disse...

Carlos:

Sim. é compativel com Popper. Sou um apoiante.

"Claro que isso não impede as pessoas, nomeadamente os cientistas, de usarem a palavra."

O que eu quero dizer é que não podemos nos esquecer do sentido de "prova" em ciencia.

Eu pessoal estou cada vez mais familiarizado com o termo evidencia e baseado em evidencias. Por influencia da lingua inglesa,que reserva "proof" só para a matematica.

Que termo propoe o Carlos?
O Desidério por exemplo, criticou-me porque eu não podia dizer evidencia que em portugues se dizia prova.

Agora repare, isto não tem nada a criticar a utilização de prova por aquela senhora que nem estou familiarizado do que ela diz.

Quer me parecer que ela usa o "pprovado" como os rotulos dos yogurtes e dos champos.


cumps

Porfirio Silva disse...

Uma sugestão seria não ler só as "principais" obras de Popper. Que é para não trair, com tantas "certezas", o que o próprio Popper escreveu. E os impasses que ele próprio reconheceu. Mas enfim, citar certos pensamentos como se fossem uma religião, é o que dá.

Carlos Pires disse...

Porfírio:

No meu post ironizava-se relativamente às 'certezas' da presidente do CNE e ao seu constante 'está provado'. Não existe uma linha no post ou nos comentários que sugiram que não há "impasses" nas ideias de Popper.
Mesmo assim, agradeço-lhe a insinuação de ignorância que fez.
Certezas religiosas só as dessa senhora relativamente ao "eduquês" e, eventualmente, as suas.

Porfirio Silva disse...

Carlos, eu não fiz insinuações, fiz afirmações. Se pareciam só insinuações, faça-me o favor de as positivar em afirmações. Estou um bicadinho cansado do uso ideológico de um Popper de vulgata, é só isso. Uma vez que já publiquei sobre isso, dispenso-me de escrever teses sobre o assunto em caixas de comentários. É que me repugna particularmente o uso apressado de argumentos "filosóficos" para pretensa legitimação de afirmações avulsas de política imediata.

Carlos Pires disse...

Porfírio:

Obrigado então pela sua AFIRMAÇÃO acerca da minha ignorância. Não gosto de ser juiz em causa própria por isso não o vou desmentir.
Mas se quiser discutir concretamente a questão, faça o favor de apresentar os seus contra-argumentos relativamente ao que escrevi.
Ou o facto de já ter escrito sobre isso coloca-o num pedestral acima da argumentação (com umas excepçõeszinhas para argumentos 'ad hominem', 'homens de palha' e apelos à (própria) autoridade?
Um post não é um livro nem sequer um artigo, mas gostava de saber porque é que o que escrevi é "Popper de vulgata"

Eu não fiz "afirmações avulsas" nem falei de "política imediata".
Avulso é o que a presidente do CNE disse ao Público - como poderá perceber se ler os posts (no De Rerum Natura) em que Helena Damião analisou a entrevista.
Por fim: criticar as declarações da presidente do CNE, sendo eu professor e cidadão português, não tem nada a ver com "política imediata" - eu chamo-lhe coisas mais nobres: cidadania, por exemplo.
E não sou precipitado ao ponto de julgar que a discordância do Porfírio se deve a "política imediata".
Volte sempre.

Aires Almeida disse...

Carlos,

Li a entrevista da senhora e acho o teu comentário completamente justo. Aliás, não é só a expressão "está provado que", cujo significado a senhora manifestamente desconhece (independentemente do que Popper diga ou não), mas também a inevitável e oca conversa dos novos paradigmas.

Carlos Pires disse...

Obrigado Aires.
Boas reuniões!

João disse...

Carlos Pires:

Isto aqui esta a andar muito depressa. Acho que a minha questão perdeu a oportunidade. Depois o Carlos diz o que pensa sobre o termo "evidencias, se quizer, mais tarde.

Porfirio:

O Carlos tem razão. Não será obrigado a isso - mas era justo - defender as suas afirmações, tal como foi convidado.


vamos ver se da discussão nasce a luz

Carlos Pires disse...

João:

Mais vale tarde que nunca.

Relativamente ao «sentido de ‘prova’ em ciência».
O problema é que em português se utilizam palavras da mesma família em sentido diferente.
“Provar” no sentido dado por Popper, e por Jorge Buescu na afirmação citada no post, significa demonstrar; ou seja: apresentar uma prova definitiva. (O que provavelmente só é possível na matemática e na lógica.)
“Provas” (como quando se diz “há diversas provas que sustentam a teoria do Big Bang” significa: dados, indícios, razões a favor de… Claro que, nesse sentido, há “provas” na Biologia, na Química, etc. Imensas provas. E a minha enorme ignorância (do inglês, do português, da ciência e da …. Filosofia!) não me permite propor uma palavra melhor.
Mas o facto de haver provas permite dizer “está provado”? Se for claro que é uma confirmação susceptível de revisão (nalguns casos extremamente improvável, mas possível) e não uma demonstração talvez permita – pelos menos nos casos em que a improbabilidade de existir refutação é maior (a água é H2O, a Terra é o 3º planeta a contar do Sol, etc.).

(A crítica do Desidério Murcho que referiste prende-se, julgo eu, com o facto de ele considerar que “provas” é uma tradução melhor para “evidences” que “evidências” – pois o primeiro sentido desta palavra em português leva-nos a pensar em primeiro lugar em “óbvio”, embora a palavra também possa significar provas. Há um interessante e informativo artigo – “Evidence”, http://criticanarede.com/html/ed111.html - do Desidério Murcho em que ele diz que a tradução de “evidence” por “evidencia” sem explicações adicionais é, cito, “pragmaticamente errada”.)

Obrigado pelo comentário.

João disse...

Obrigado pela resposta Carlos

Assim que puder vou tambem consultar esse artigo do Desidério Murcho.