«Talvez chegue o dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos de que só puderam ser privados pela mão da tirania. Os Franceses já descobriram que o negro da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum [a cauda no caso de muitos animais não humanos] são razões insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderia traçar uma linha insuperável? Será a faculdade da razão ou, talvez, a faculdade do discurso? Mas um cavalo adulto é, para além de toda a comparação, um animal mais racional, assim como mais sociável que um recém-nascido de um dia, de uma semana ou mesmo de um mês. Mas suponhamos que não era assim; de que serviria? A questão não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas sim se podem sofrer.»
Jeremy Bentham, citado por: Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Lisboa, 2000, pág. 77.
Quando se fala de Ética normalmente pensa-se nos seres humanos. Mas será que só nós é que somos dignos de respeito e de consideração ética? Haverá razões para excluir os animais não humanos dessa consideração?
O filósofo inglês Jeremy Bentham (1748- 1832) respondeu que não a essas questões, argumentando que o factor decisivo para um determinado ser merecer respeito e consideração ética é o facto de ser senciente, ou seja, poder sofrer. Na sua opinião, a racionalidade não é uma condição necessária. Terá razão?
A lista de argumentos e contra-argumentos é longa. Seja como for, é uma discussão que poderá influenciar a ementa do seu jantar, caro leitor.
4 comentários:
Parece-me uma questão cada vez mais pertinente.
Este planeta não é "mais nosso" do que de outra qualquer forma de vida nele presente. Lá porque os nossos sinais electroquímicos neuronais são mais eficazes, isso não nos dá o direito de tratar os outros seres de forma bárbara e "animalesca"! Eles, sim, podem; ainda não atingiram o nosso patamar intelectual!
Pascal Picq, na sua obra "Nova História do Homem", defende que os direitos devem ser estendidos a outras formas de vida; em especial, numa primeira fase, aos primatas - pois estes partilham connosco, muito daquilo que julgávamos ser só "nosso"!
Claro que os animais têm direitos. Poxa, aqui em Sampa, até uma árvore para ser cortada precisa de autorização.
Lourenço:
O facto de "os nossos sinais electroquímicos neuronais serem mais eficazes" que os de outros animais não parece ser motivo suficiente para não lhes reconhecer direitos.
Por várias razões, sendo uma delas o facto de o mesmo se poder dizer dos bebés humanos e das pessoas com deficiência e isso não nos levar a excluí-las da consideração ética.
O problema é que o reconhecimento de direitos aos animais colide com costumes (nomeadamente alimentares) muito antigos e de tal modo enraizados que parecem fazer parte da nossa identidade. É mais fácil reconhecer que não conseguimos refutar os diversos argumentos éticos que existem a favor desses direitos do que deixar de comer carne - por muito incoerente que isso seja.
Em termos pragmáticos talvez se deva começar pelos primatas. Seja como for, o critério da senciência é mais generoso e abrangente - o que acaba por colocar problemas aos defensores dos direitos dos animais não humanos: o que fazer das pragas? O que fazer dos animais (como os coelhos, em certas zonas) cuja população precisa de ser limitado sob pena de destruir o seu próprio habitat e ecossistema?
Obrigado pelo comentário. Cumprimentos.
xisxis:
Alguns ambientalista radicais defendem que todas as coisas vivas, incluindo as plantas, têm direitos e merecem respeito e consideração ética. Na verdade, alguns estendem essa exigência a toda natureza e incluem por exemplo as rochas.
É difícil entender como pode isso ser justificado.
O critério da senciência, embora se preste a algumas objecções (que têm resposta), é uma boa base para justificar o nosso dever de não provocar dor desnecessária nos animais não humanos e - mais discutivelmente - pode ser pelo menos o ponto de partida para alegar que esses animais têm direito à vida e que, portanto, não devemos comê-los.
Mas claro que esse critério não se pode aplicar às rochas, nem sequer às árvores de Sampa.
Obrigado pelo seu comentário.
cumprimentos
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