quarta-feira, 17 de junho de 2009

O que é a amizade?

Dedico este post à minha colega, professora Luísa Madeira

“Analisemos agora a amizade. De facto, trata-se de uma certa excelência, ou algo de estreitamente ligado à excelência; além disso, é do que mais necessário há para a vida. Pois ninguém há-de querer viver sem amigos, mesmo tendo em conta os restantes bens. E até os ricos, os que têm posição e poder, têm uma necessidade extrema de amigos (…).

Contudo, uma amizade que tem como fim em vista o que cada um é em si próprio existe apenas entre homens de bem, porque os ordinários não podem sentir prazer nenhum uns com os outros, a não ser que possam obter uma qualquer vantagem. E só a amizade entre os bons é capaz de resistir à calúnia. Na verdade, não é fácil acreditar no que se diz sobre um amigo que foi posto à prova por nós próprios durante longo tempo. Na amizade entre boas pessoas há confiança mútua (…).

Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na verdade seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é possível agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo, nem eventualmente até para as pessoas de bem. Por outro lado, para se criar uma amizade tem de se ter experiência conjunta de dificuldades e ganhar confiança mútua, o que é muito difícil (…).”

Aristóteles, Ética a Nicómaco, tradução do grego de António C. Caeiro,Quetzal Editores, Lisboa, 2004, pp. 180, 185 e 188.


As características referidas por Aristóteles (384-322 a.C.) continuarão a fazer parte daquilo que chamamos amizade? Haverá outras?

O desenvolvimento tecnológico e a consequente facilidade de comunicação (entre outros aspectos da vida actual, nomeadamente a igualdade de direitos entre homens e mulheres) terão transformado de tal modo as relações entre as pessoas que a amizade já não é o que era na época de Aristóteles?

Etica a Nicomaco

3 comentários:

Anónimo disse...

Acho que o desenvolvimento tecnológico e outras modernices alterarm algumas coisas, mas não o mais importante. Os jovens gabam-se que têm dezenas ou centenas de contactos no Messenger ou noutra treta parecida, mas não os conhecem. Quer dizer: "não é possível ser-se amigo de muitas pessoas".

bom post!

Mafalda

Sara Raposo disse...

Julgo que tem razão: grande parte dos adolescentes, e também alguns adultos, tendem a confundir a quantidade de pessoas com quem podem facilmente comunicar com aquelas de quem podem ser amigas, o que não tem nada a ver. Os meios tecnológicos de que dispomos permitem uma proximidade aparente entre as pessoas, uma comunicação em que muitas vezes o que é mais importante nas relações humanas acaba por escapar.

A amizade constrói-se, implica tempo, disponibilidade, confiança... e como diz Aristóteles isso não é fácil de conseguir, nem automático - não basta teclar no computador.

Herminia disse...

Felizmente que as máquinas ainda não conseguem substituir os nossos verdadeiros sentimentos. Confundem por vezes os seus utilizadores e aí está um dos seus perigos, no fundo que todos corremos, mas é um dos preços a pagar pelos outros benefícios que nos trazem