«O nacionalismo é um mal. Provoca guerras e tem as suas raízes na xenofobia e no racismo. (…) Disfarçado de patriotismo e amor pelo país, tira partido da sem-razão da psicologia de massas para fazer parecer aceitável, e mesmo honroso, vários horrores. Por exemplo, se alguém lhe dissesse: ‘Vou mandar o teu filho matar o filho dos teus vizinhos’, com certeza protestaria veementemente. Mas deixe seduzir-se com os seus gritos de ‘Rainha e Nação!’, ‘A Pátria!’, ‘O meu país, com razão ou sem ela!’ e vai dar consigo a permitir que ele mande todos os seus filhos matar não apenas os filhos de outras pessoas, como outras pessoas indiscriminadamente – que é o que fazem as bombas e as balas.
Os demagogos sabem muito bem o que fazem quando pregam o nacionalismo. Hitler disse: ‘A eficácia do chefe verdadeiramente nacionalista está em evitar que o seu povo disperse a atenção, mantendo-a assestada num inimigo comum’. E ele sabia a quem apelar: Goethe observara há muito que os sentimentos nacionalistas ‘conhecem a sua maior força e violência junto das pessoas com menor grau de cultura’. (…)
A ideia de nacionalismo depende da ideia de ‘nação’. A palavra não tem sentido: todas as ‘nações’ são híbridas, no sentido em que mais não são que uma mistura de imigrações e miscigenação de povos ao longo do tempo. Assim, a ideia de etnia é sobretudo cómica, excepto nos locais onde se pretende que a comunidade permaneceu tão remota e isolada (…) durante a maior parte da história, que conseguiu manter a sua reserva genética ‘pura’ (um cínico diria ‘consanguínea’).
Diz-se muitos disparates sobre as nações enquanto entidades: Emerson referiu o ‘génio’ de uma nação como algo independente dos seus cidadãos numéricos; Giraudoux descreveu o ‘espírito da nação’ como ‘a expressão dos seus olhos’; e abundam as afirmações sem sentido deste género.
As nações são construções artificiais cujas fronteiras foram traçadas no sangue das últimas guerras. E não se deve confundir cultura e nacionalidade: não existe país no mundo que não albergue mais do que uma cultura diferente mas geralmente coexistente. Património cultural não é a mesma coisa que identidade nacional.»
A. C. Grayling, O significado das coisas, Lisboa, 2002, Edições Gradiva, pp. 99-101.
Nota: “Tudo pela nação, nada contra a nação” era um slogan do Estado Novo, da autoria de Salazar (inspirado, creio, em Mussolini).
8 comentários:
Já leste o "Identidades Assassinas" do Amin Malouf?
Vou ver se o descubro e se o releio outra vez...mas utilizava-o muito em aulas sobre identidade cultural e interculturalidade...
Olá André.
Infelizmente nunca li esse livro.
Relativamente à interculturalidade...
Existem diversas culturas no mundo e até, como Grayling afirma, no seio de uma mesma sociedade.
Julgo que essa diversidade é algo bom, mas independentemente de ser bom ou mau é certamente algo de inevitável - é assim que as coisas são. Bom é, certamente, também o diálogo, respeito e tolerância entre as várias culturas.
Mas isso significará que devemos considerar legítimos todos os costumes crenças duma sociedade (por exemplo a excisão e a lapidação)? Isso significará que nunca devemos criticar os costumes e as crenças duma sociedade? Isso significará que se o fizermos estaremos a ser intolerantes?
Eu acredito que não, mas muitas pessoas ligadas ao multiculturalismo e à interculturalidade (aposto que são conceitos diferentes, mas eu tendo a confundi-los) acreditam que sim.
E tu, André?
Abraço.
Pois eu tenho muita coisa a dizer sobre as questões que pões:
Primeiro as mais fáceis:
Interculturalismo, quando diferentes culturas coexistem num mesmo espaço e tempo e intercambiando alguns dos aspectos culturais e conhecimentos (as armas de fogo europeias inventadas com a pólvora chinesa, o macarrão "tipicamemte" italiano, mas com as massas tb da China só para ser simplista.
Multiculturalismo: quando as diferentes culturas coexistem mas não existem a trocas culturais (guetos por exemplo)
Quanto à tua questão principal: A nossa visão do mundo é sempre a NOSSA visão do mundo (etnocêntrica). Além de ser tb egocêntrica: por exemplo EU acho que os limites para o respeito e compreensão devem ser os Direitos Humanos (e esse Direitos tal qual eu os vejo, que talvez sejam diferentes como tu os vês...)
Por isso tudo pode ser questionado, sem corrermos o risco de sermos intolerantes...quando falamos de diálogo intercultural a questão deve ser posta mais no "diálogo" (um processo dinâmico) do que na "interculturalidade" (um conceito que por si só é neutro, pouco valorativo-não sei se me explico bem). E os diálogos têm regras...e aqui entram todos os conhecimentos da filosofia grega (a argumentação, as falácias etc...).
Posso voltar mais tarde a este assunto (são 17.45 de sexta feira e ainda não saí da escola ;) ) com um exemplo prático de identidade cultural e costumes "bons" e "maus": a utilização dos lenços pelas mulheres islâmicas. Devemos ser a favor ou contra? Os outros dois exemplos que deste são facilmente respondidos sob o meu ponto de vista (pois não respeitam a MINHA regra dos Direitos Humanos), mas esta tem mais do que se lhe diga...( e tem feito correr muita tinta em França, por exemplo)
André:
Julgo que há outras definições de multiculturalismo, mas adiante.
Discordo quando dizes que a nossa visão do mundo é sempre etnocêntrica. Pode não ser. O etnocentrismo consiste em dizer que a minha cultura é superior às outras e que os costumes diferentes dos meus são estúpidos. Dizer mal dos chineses porque comem com pauzinhos é etnocêntrico.
Mas será sempre etnocêntrico criticar costumes de outros povos? Por exemplo: se criticar a mutilação genital feminina estarei a ser etnocêntrico? Respondo que não a estas duas perguntas.
Há vários argumentos, nomeadamente este: criticar (de modo educado e procurando ser objectivo) um certo costume não significa criticar a cultura inteira, dizer que a mutilação genital feminina é errada não significa dizer que tudo nas sociedades que a praticam é errado e que as suas culturas são inferiores.
Em que é que nos podemos basear para criticar costumes de outras culturas? Não pode ser o simples facto de na nossa ser diferente. Temos de nos esforçar por analisar as coisas de modo racional e objectivo, procurando ver para além da pertença ou não a uma certa cultura. Será possível ter esse olhar objectivo e transcultural?
Os defensores do RELATIVISMO MORAL acham que não: na sua opinião, as coisas não são boas ou más em si mesmas mas apenas boas ou más na perspectiva de uma certa cultura. Assim, uma acção Y qualquer é moralmente certa na óptica da cultura X e moralmente errada na óptica da cultura Z. Para eles ‘moralmente certo’ significa: tradicional, apoiado pela maioria do povo. Desse ponto de vista, se criticares a mutilação genital feminina em nome dos direitos humanos estarás a ser etnocêntrico, pois os direitos humanos não são algo bom em si mesmo mas apenas bom na perspectiva dos ocidentais.
Há muitas críticas ao relativismo moral: a maioria nem sempre tem razão e por isso o facto de algo ser aprovado pela maioria do povo não significa que seja bom; se fosse como os relativistas pretendem não teríamos legitimidade para criticar os costumes maioritários da nossa própria sociedade; os relativistas pedem-te para em relação aos costumes e tradições culturais não fazeres aquilo que normalmente se recomenda que devemos fazer: comparar, avaliar, discutir – isto é, pedem-te para não pensar e “desligares” o espírito crítico, etc.
O teorema de Pitágoras é algo grego? Claro que não, apesar de Pitágoras ser grego. Do mesmo modo, o facto dos direitos humanos terem sido “descobertos” na Europa não quer dizer que sejam europeus. Claro que em relação aos assuntos morais é mais difícil conseguir a objectividade que na matemática, mas isso não significa que seja impossível e que não valha a pena tentar.
Com diálogo, certamente. Mas sem reduzir tudo ao diálogo: na minha opinião, os países europeus devem proibir a excisão e castigar quem a promove.
O caso do véu islâmico será igual? Se uma mulher ou uma rapariga diz que QUER usar porque é que a deveríamos impedir? Usar véu não mutila o corpo como a excisão do clítoris. Se uma estudante quiser usar uma cruz ao peito também a devemos impedir? Não me parece.
Carlos
Quando refiro que é etnocêntrico (e egocêntrico) digo-no na acepção do conceito do observador...
O "Observador" observa sempre utilizando os seus códigos as suas referência culturais (José Sócrates lê e fala em Inglês utilizando as suas referências ;) ) e estes influem sobre a forma como se lê o mundo. Não estou a dar um carácter valorativo à palavra etnocêntrico...
Também o conceito "criticar" tem uma carácter negativo que não deve ter, fazer a crítica é sempre bom (digo eu) . O que tu te estavas a referir é ao conceito "desprezar" ou "rebaixar".
Quanto ao relativismo moral, acho-o uma aberração (porque não faz uma análise critica, é dogmática.)
Outro apontamento
"...criticar (de modo educado e procurando ser objectivo) um certo costume não significa criticar a cultura inteira..."
Estás a referir-te a outro fenómeno frequente nas posições racistas (tb não concordo com esta palavra, pelo menos sob um ponto de vista cientifico: não existem diferenças genéticas suficientemente grandes entre etnias humanas para falarmos de raças...no entanto no âmbito do senso comum serve perfeitamente) e xenófobas...a generalização: pegar numa característica de uma pessoa e associar a todo um grupo (os ciganos são ladrões, ou a simplificação (pensando bem, nem tem nada a ver com isso, dizer que os chineses são maus porque comem com pauzinhos é simplesmente estúpido lol).
O teorema de Pitágoras não é grego, mas é uma descoberta que vem de uma cultura grega...."existem" uma série de teoremas não descobertos não só por falta de conhecimentos científicos mas também por não se advirem da nossa visão do mundo (eu com letra faço palavras, mas se for em inglês já não as faço).
Outro apontamento:
Concordo contigo, nem sempre as maiorias têm razão (raramente têm lol).
Quanto ao véu:
Se o véu for uma forma de afirmação da identidade cultural (o chapéu dos nosso alunos por exemplo) muito bem, mas não nos podemos esquecer do valor simbólico que representa (não é um simples adorno, é uma forma de opressão sexista). Então é uma agressão, não física mas moral. E se a mulher diz que quer (e partindo do princípio que não é obrigada a dizer que quer, como muitas vezes acontece...)? Mas se calhar quer porque na sua forma de ver o mundo (da sua cultura), concorda com a posição subalterna da mulher. É constrangida pela sua cultura a dizer que quer...E esta posição também é criticável...
No entanto, apesar de o véu ser uma marca identitária muçulmana, estes não têm o monopólio da opressão feminina...logo, muitas vezes esta discussão serve para esconder outros propósitos (de carácter xenófobo) ou assuntos(de forma voluntária ou involuntária). Mais valia por exemplo (em Portugal) implementarem a seguinte norma: para trabalho igual, salário igual :)
André:
Tinha-me esquecido de responder ao teu comentário. Concordo com quase todo aquilo que disseste, excepto uns pormenores... Mas tornar clara a divergência e justificá-la seria longo de mais para um comentário - principalmente com este calor! - :)
falamos disso noutra ocasião.
obrigado pelos excelentes comentários!
Este texto não tem ponta por onde se lhe pegue.
nacionalismo é defender a nossa identidade, o nosso povo e a nossa estirpe que de facto está ameaçada por vários factores, sobretudo pelo multiculturalismo que querem impor aos povos europeus a todo o custo, o que vai gerar novos e pequenos kosovos, cheios de imigrantes extra-europeus... enfim depois chorem.
Portugal aos portugueses
Europa aos povos europeus
100% identidade
Caro anónimo:
O texto talvez seja criticável. Mas onde estão os seus contra-argumentos?
Defender a nossa identidade pode ou não ser correcto. Depende dessa identidade.
Muito mais importante que qualquer identidade cultural são a verdade, a liberdade, a democracia e a justiça - que são valores transculturais.
Na minha opinião, os imigrantes são bem vindos - desde que legais. Contribuem para o desenvolvimento e a médio prazo enriquecerão a nossa... identidade.
Por fim: é estranho que valorize tanto a identidade e depois escreva anonimamente.
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