«E, de repente, alguém obcecado pela mania dos segundos sentidos, pega em Heródoto. Quantas pistas lá encontrará! São nove livros que compõem Histórias e cada um deles está cheio de segundos sentidos. Por exemplo, casualmente abre o livro V e lê que em Corinto, depois de trinta anos de governo sanguinário, morreu o tirano chamado Cípselos, que foi substituído pelo filho Periandros, este ainda mais cruel que o pai. Periandros, sendo ainda um ditador novato, queria saber qual a melhor forma de ficar com o poder e mandou um mensageiro a Trasíbulos, ditador de Mileto, perguntando o que era preciso fazer para amedrontar as pessoas como escravos subjugados.
Trasíbulos, escreve Heródoto, levou o arauto de Periandros para fora da cidade e entrou na sua companhia num campo cultivado; percorrendo um trigal, ele interrogava repetidamente o arauto a respeito da sua vinda de Corinto, e ao mesmo tempo cortava todas as espigas que aos seus olhos pareciam ultrapassar as outras em altura; uma vez cortadas essas espigas Trasíbulos jogava-as ao chão, até que, agindo dessa maneira, havia destruído as espigas mais belas e mais carregadas de grão entre todas as existentes na seara. Percorrido o campo, e sem dar uma palavra sequer de conselho Trasíbulos mandou o arauto embora. Quando este regressou a Corinto Periandros procurou saber ansiosamente saber qual tinha sido o conselho tão esperado. O arauto respondeu que Trasíbulos não lhe havia dado conselho algum; ele manifestou estranheza pelo facto de Periandros tê-lo mandado procurar um homem como aquele, desequilibrado e destruidor das suas próprias coisas, e em seguida relatou o que vira Trasíbulos fazer. Periandros compreendeu o sentido desse procedimento, e percebeu que o conselho de Trasíbulos era mandar matar todos os cidadãos que sobressaíssem entre os outros; e desde então ele mostrou toda a espécie de malignidade em relação aos Coríntios. Tudo o que Cípselos havia deixado inacabado em matéria de assassínio e banimento Periandros terminou.»
Ryszard Kapuscinski, Andanças com Heródoto, Editora Campo das Letras, Porto, 2007, pp 11-12.
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