sexta-feira, 12 de junho de 2009

A matemática é a priori mas não é inata

«O matemático obtém o rigor e a certeza a priori, significando isto que não recorre a qualquer observação para chegar às suas conclusões matemáticas (*), nem estas conclusões, em si e por si mesmas, implicam observações, pelo que nada que experimentemos pode abalar os fundamentos que possuímos para as conhecer. Não há qualquer experiência que possa desmentir, por exemplo, que 5+7=12. Se adicionássemos 5 coisas a outras 7 e chegássemos a um resultado de 13, contaríamos de novo. Se, após termos repetido a soma, obtivéssemos 13 coisas, concluiríamos que uma das 12 se dividira em duas ou que estávamos a ver a dobrar ou a sonhar (#) ou até a ficar loucos. A verdade é que 5+7=12 é usado para avaliar as experiências de adição, e não o contrário.

A natureza a priori da matemática é (…) o que a torna tão conclusiva, tão incorrigível: uma vez demonstrado, um teorema fica imune à revisão empírica. Existe, em geral, uma espécie de invulnerabilidade na matemática, precisamente por esta ser a priori.

(*) No entanto, isto não significa que essas crenças sejam inatas, i. e., que nascemos com elas. Como é óbvio, precisamos primeiro de adquirir os conceitos e a linguagem para as expressar, antes que possamos acreditar que 5+7=12. O carácter inato é uma noção psicológica, ao passo que o apriorismo é uma noção epistemológica, que tem a ver com a forma como a crença é justificada, o que conta como prova, quer a favor, quer contra esta.»

Rebecca Goldstein, Incompletude – A demonstração e o paradoxo de Kurt Gödel, Gradiva, Lisboa, 2009, pág.16.

(#) Segundo Descartes, a veracidade da matemática mantém-se mesmo durante os sonhos: “quer eu esteja acordado quer durma, dois e três somados são sempre cinco e o quadrado nunca tem mais do que quatro lados”. Assim, para Descartes, mesmo que a hipótese céptica da vida ser um sonho fosse verdadeira isso não implicaria por si só a falsidade da matemática.

incompletude Gödel Se clicar no nome do livro e na imagem, poderá ler informações úteis sobre o mesmo.

13 comentários:

João disse...

Carlos:

O teorema de Godel é dos teoremas matematicos mais interessantes que ha. É um teorema sobre teoremas e sobre a própria metematica.


No meu Blogue (desculpa a propaganda)podes visitar uma versão simplificada baseada na wikipeia em Inglês, mas que esta correcta em linhas gerais. Penso que por sua vez é baseada numa explicação do Horfstadter que li à muitos anos no GEB. Visita-me e diz o que achas...

O Teorema de Godel diz que o conhecimento humano terá sempre um limite. Pelo menos enquanto o tentarmos basear num sistema formal.

Sobre a matematica não ser inata, gostava de referir a existencia de tribos que não sabem contar e por conseguinte nem sequer somar. A matematica é tão empirica como qualquer outra ciencia. Talvez o teorema de Godel explique mesmo porqeu não temos essa percepção dela.

cumprimentos

Carlos Pires disse...

Assim que puder vou visitar o Crónica da Ciência e ler o que lá tens sobre o teorema de Gödel, mas não esperes uma apreciação muito especializada de minha parte, pois sei muito pouco sobre o assunto.
Relativamente ao exemplo da tribo que não sabe contar em somar: isso mostra, creio, que as ideias matemáticas não são inatas (como pretendiam filósofos como Descartes e Leibniz - ambos também matemáticos), mas não que não são a priori.
Uma ideia inata poderia supostamente ser independente de qualquer experiência. Conhecer a priori uma ideia implica apenas a independência relativamente à experiência actual.

João disse...

Toda a ciencia pratica é a priori nesse caso. Não tens de repetir experiencias para utilizares formulas que ja conhecias antes.

Em relação à visita agradeço, mas o que la esta sobre godel, e o ponto de vista que queria que fosse usado - era da facilidade de compreensão e de "levantar o veu". O proprio post pede comentarios esugestões mas não tive feed back.

Anónimo disse...

Olá João,
Acho que a matemática não é de maneira alguma empírica.As razões explico abaixo.
Primeiro é importante ressaltar que as noções de "a priori" e "a posteriori" são modalidades epistêmicas. Ou seja, dizem respeito ao modo como um agente racional pode conhecer as coisas.
Se puderes saber de algo recorrendo apenas ao pensamento então estás obtendo conhecimento a priori deste algo. Ao passo que se precisares recorrer a experiência empírica terás um conhecimento a posteriori.


"Toda a ciencia pratica é a priori nesse caso. Não tens de repetir experiencias para utilizares formulas que ja conhecias antes."

Talvez não tenhamos de repetir experiencias para utilizarmos as formulas que já conhecíamos mas isso não é relevante para a questão. O que conta aqui é que ao somar 5+7 não fizestes experiência empírica alguma. Fizestes apenas uma "experiência" de pensamento.
Já no caso de uma formula qualquer (como a da agua por exemplo) jamais um cientista poderia tê-la descoberto de forma aprioristica, ou seja, apenas pensando. Foi necessário ir para um laboratorio para descobrir que H2O é a formula da agua.

Portanto, como a priori significa sem recurso à experiencia empirica, a matematica sendo a priori, jamais será empirica.


Rafael Alberto.

ps:postei como anonimo pois ainda não criei um usuario.

João disse...

"O que conta aqui é que ao somar 5+7 não fizestes experiência empírica alguma"

Aqui é que está o erro. Só sabes somar porque aprendeste. Empiricamente. Por observação e experiencia até teres um algoritmo capaz de o fazer. Por isso dei o exemplo dos aborigenes que tendo inteligencia para isso, têm tribos inteiras que não sabem contar. Nem conseguem descrever quantidades acima de 2. Nem a humanidade nem o individuo conseguem contar sem aprendizagem empirica. Provavelmente a unica coisa que existe à priori é a capacidade de aprender. Os neuronios estão lá, desejosos de fazer sinapses funcionais. Embora careçam de experiencia para formar essas sinapses. Existem circuitos funcionais à nascença mas são poucos e relativamente pouco sofisticados (quase so reflexos).

Existem mais exemplos.

Carlos Pires disse...

Rafael Alberto:

Obrigado pelo seu comentário.

Carlos Pires disse...

João:

Estás a confundir a priori e inato.
Conhece-se algo a priori quando é possível obter esse conhecimento pensando apenas, sem recorrer à experiência.

O facto de se poder conhecer uma coisa a priori não significa que não se possa também conhecê-la através da experiência (a posteriori).
Por isso, a afirmação do Rafael Alberto “a matemática sendo a priori, jamais será empírica” não é rigorosa. Por exemplo: a pessoa X através de um rápido cáculo mental consegue dizer que 9+13=22 e a pessoa Y não consegue e precisa de contar pelos dedos ou de fazer a conta numa máquina.
Ambas sabem que 9+13=22, mas a pessoa X sabe a priori e a pessoa Y sabe a posteriori.

Por outro lado, a pessoa X nem sempre teve a capacidade de saber a priori que 9+13=22. Ela não nasceu sabendo isso – esse conhecimento não é portanto inato.

Antes de conseguir saber a priori que 9+13=22 é preciso aprender (empiricamente) diversas palavras e ideias (número, a sequência numérica, soma, etc.) e treinar a própria capacidade de calcular.
Se a pessoa X tivesse sido fechada num quarto escuro e isolado pouco depois de nascer, e assim tivesse sido impedida de ter experiências, agora seria incapaz de saber que 9+13=22. Mas, se no final da infância a pessoa X tivesse começado a sofrer daquela doença (não me consigo lembrar do nome e não tenho tempo de ir à procura) que vai atrofiando os músculos e fazendo a pessoa perder as capacidades motoras e sensoriais até que finalmente fica “reduzida” ao cérebro, ela nessa fase final (cega, surda, muda, sem sensibilidade táctil, etc.) conseguiria saber que 9+13=22.
E se fosse uma pessoa como o João (e não como eu que ainda percebo menos de matemátyca que das outras coisas) poderíamos dar exemplos mais complexos que o 9+13=22 do seu saber matemático a priori.

Aquilo que a pessoa X precisa de aprender empiricamente são os “meios” para saber a priori que 9+13=22 ou que 278,9+36,7=315,6 e não o próprio conhecimento.
Por isso, se lhe perguntarmos o resultado de uma soma que por acaso nunca se lhe tivesse deparado ela saberá responder.

Não é isso que sucede na biologia ou na química, por exemplo. As observações de cromossomas não foram apenas um treino para aprender a observar cromossomas, essas observações é que permitiram determinar que por exemplo os seres humanos têm 23 pares de cromossomas. Sem tais observações teria sido impossível chegar a esse número.
(Ou à fórmula H2O, para utilizar o exemplo do Rafael Alberto.)

Mas, agora que já se observaram muitos milhares de células de milhares de seres humanos, poderemos dizer relativamente a uma pessoa que passa na rua que sabemos a priori que ela tem 23 pares de cromossomas?
Poder podemos, mas não estaremos a ser rigorosos – e o problema não é o apenas o “a priori” mas o “sabemos”: não é impossível, mesmo que eventualmente seja improvável, que essa pessoa tenha uma doença que faça com que não tenha 23 pares de cromossomas.

Ou seja: não conseguimos justificar adequadamente a afirmação “esta pessoa tem 23 pares de cromossomas” de modo a priori, precisaremos sempre de observá-la.
Mas para justificar que 9+13=22 ou que 278,9+36,7=315,6 não precisamos de recorrer à experiência: não precisamos ir contar laranjas, pedrinhas ou outra coisa qualquer – basta pensar.

João:
Disseste grande parte do que aqui escrevi, só que concluis erradamente que esse conhecimento não é a priori quando devias concluir apenas que não é inato.

Bibliografia útil:
Saul Kripke, “A priori, necessário e analítico”, http://criticanarede.com/html/epi_kripke.html

Desidério Murcho, capítulo “Necessidade e anti-realismo” do livro “Pensar Outra vez”, Quasi edições.

Obrigado pelos teus comentários!

João disse...

Carlos:

Assim defines à priori com base no rigor da previsão.

Em todo o caso, quando estiveres a lidar com conceitos quimicos, fisicos ou biologicos estas a usar conhecimento à priori. A tua definição e a do alberto sao diferentes. Como reparaste. A tua é a mesma que a minha, so difere que não me pareceu que aceitasses que a fisica e a quimica e a biologia são à priori em larga escala.

Até porque, mesmo quando o resultado é probabilistico, ele é à priori. Ou senão temos de deixar de considerar a estatistica e probabilidades como area da matematica.

A minha definição é o Dennet. É aquilo que podes saber sem sair do sofá. É a mais util e a que eu mais considero produtiva. Amanha assim que tiver tempo vou transcrever uma frase do Dennet em que ele usa o conceito da forma que eu estou a dizer.

João disse...

Carlos,

Eu não sou matematico, a minha formação é muito mais biologia e quimica.

o que sei de matematica, para alem do 12 ano, foi por ler alguns livros, do qual destaco o GEB que mudou a forma como via matematica. Entre os matematicos que eu li que consideram a matematica uma ciencia empirica como as outras tens por exemplo o Gregoy J. Chaitin.

Se compares o que digo contigo e o que disse ao Alberto sobre o á priori vais ver que são coisas diferentes mas iam convergir no que acabei de escrever depois. Porque ele disse uma coisa diferente de ti.

João disse...

Carlos

É isto:
Os filósofos são frequentemente acusados de se deixarem ir em psicologia (ou neurociência ou física ou... ) de cadeira-de-braços, e então aparecem imensas histórias embaraçosas acerca de filósofos cujas confiantes afirmações "à priori" foram consequentemente refutadas no laboratório.

Uma resposta razoável para este risco estabelecido é para o filósofo se retirar para dentro daquelas áreas conceptuais aonde há pouco ou nenhum perigo de alguma vez dizer alguma coisa que possa ser refutada (ou confirmada) pela descoberta empírica.

Outra resposta razoável é estudar, na nossa cadeira-de-braços, os melhores frutos do laboratório, os melhores esforços dos teóricos ancorados no empirismo e então procedermos com a nossa filosofia, tentando eliminar os obstáculos conceptuais e até saindo um pouco "fora-de-pé", no interesse de clarificar, de uma maneira ou de outra, as implicações de uma ideia teórica particular.

No que toca a assuntos conceptuais os cientistas não são mais imunes à confusão que os leigos. Afinal os cientistas passam ainda um bom bocado do seu tempo nas suas cadeiras-de-braços, tentado interpretar os resultados das experiências de todos, e o que eles fazem nesses momentos mistura-se imperceptivelmente com o que fazem os filósofos. Assunto arriscado, mas revigorante."

Daniel Dennet in "Consciousness Explained"

Anónimo disse...

Olá Carlos,
Creio que realmente não fui preciso e fiz alguma confusão. Havia me esquecido desse artigo de Kripke onde ele mostra que "poder ser " conhecido a priori não significa "tem de " ser conhecido a priori. O exemplo da calculadora é muito bom.

Obrigado pelo esclarecimento . Realmente esta minha frase foi imprecisa:

"Portanto, como a priori significa sem recurso à experiencia empirica, a matematica sendo a priori, jamais será empirica"

Portanto a retiro.

Acho que realmente o João está a confundir a priori com inato. Como ressaltei no inicio do meu primeiro comentário as noções de a priori e a posteriori são apenas modos de conhecer, por isso a chamamos modalidades epistêmicas. Só que para conhecer algo a priori é necessário dominar as ferramentas conceituais relevantes(linguagem, numeros, etc).
Por exemplo: a verdade da frase "nenhum circulo é quadrado"
pode ser conhecida a priori por aquele que dominar os conceitos de circulo e de quadrado. E não importa que o aprendizado destes conceitos tenha sido a posteriori. Tal como não importa que o aprendizado dos números e das operações aritméticas tenha sido a posteriori para a questão de podermos ficar sabendo a priori o resultado de 2+2 quando recorremos apenas ao pensamento


Rafael Alberto

João disse...

"o João está a confundir a priori com inato"

Não não estou.

João disse...

"Como ressaltei no inicio do meu primeiro comentário as noções de a priori e a posteriori são apenas modos de conhecer"

Sim, o que tu podes conhecer usando a experiencia empirica anterior antes de fazer novos testes.

Aquilo que tu podes saber usando apenas o que ja sabes.

Assim toda a ciencia tem uma parte boa "a priori". Não so a matematica.

A engenharia civil é à priori (graças a deus não é preciso esperar para saber que não vai cair) , a medicina quase ( é se permitirmos o uso de probabilidades), etc...

Se se impuser um grau de rigor (não pode haver duvidas nem que estejam definidas) na definição do á priori, então este grau de duvida tem de ser definido - Por causa do teorema de godel sabemos que podemos não chegar a ter um "a priori" puro nem em sistemas formais.

Mas eu pergunto, qual a pertinencia disso?