domingo, 9 de agosto de 2009

Castigar porquê?

eta_atocha Perante notícias de crimes, como por exemplo os assassinatos perpetrados pela organização terrorista ETA, as pessoas pensam imediatamente que os responsáveis devem ser castigados e esperam que o Estado o faça – prendendo os criminosos ou, nalguns países, condenando-os à morte. Raramente se interrogam acerca da justificação do castigo.

Que razões podem ser dadas para justificar que se subtraia a liberdade (ou a vida, no caso da pena de morte) ou que se imponha outra pena qualquer (multas, trabalho comunitário, etc.)?

Os filósofos têm tentado justificar o castigo pelo Estado de pessoas que cometem crimes com base em quatro ideias principais, defendendo uma delas ou combinando-as umas com as outras de diversos modos.

A retribuição. Aqueles que violam a lei merecem o seu castigo, independentemente de existirem ou não quaisquer consequências benéficas para eles ou para a sociedade.

A dissuasão. A existência de castigos desencoraja a violação da lei, quer pela pessoa que é castigada, quer pelas outras que sabem que o castigo existe e que lhes será aplicado se violarem a lei.

A protecção da sociedade. Os castigos permitem defender a sociedade das pessoas que têm tendência para violar a lei, pois limitam a reincidência.

A reabilitação. Os castigos permitem muitas vezes reabilitar os criminosos, na medida em que os conduzem ao arrependimento e a mudanças no seu carácter, fazendo assim com que não voltem a cometer crimes. (No caso da pena de morte claro que não existe possibilidade de reabilitação, o que de resto constitui uma das objecções contra a pena capital.)

Todavia, todas essas hipóteses podem ser alvo de diversas críticas e contra-exemplos. Eis alguns exemplos. O retributivismo é demasiado parecido à vingança (ao “olho por olho dente por dente”) para ser justo. A dissuasão não funciona no caso de muitos criminosos, que cedem a impulsos irracionais. Nem a necessidade de proteger a sociedade nem a reabilitação permitem justificar todos os castigos, pois há crimes pontuais (por exemplo certos assassinatos por motivos amorosos) em que as probabilidades de reincidência são muito baixas e em que as pessoas que cometem esses crimes não precisam de ser reabilitadas.

No que diz respeito ao caso específico da pena de morte é preciso sublinhar que esta levanta outros problemas, uma vez que se trata de tirar uma vida. (Relativamente a esses problemas o leitor pode encontrar diversos posts na etiqueta “Pena de morte”.)

Claro que a dificuldade de justificar filosoficamente o castigo, ou pelo menos de encontrar uma justificação aplicável a todos os casos, não faz desaparecer a necessidade da sua existência. Uma sociedade em que o Estado não sancionasse a violação da lei não seria certamente uma sociedade segura.

(Há outro post no Dúvida Metódica sobre este assunto: veja aqui.)

Parte do texto é uma adaptação de alguns parágrafos do excelente livro de Nigel Warburton: Elementos Básicos de Filosofia, 2ª edição, Gradiva, Lisboa, 2007, pp. 135 e ss.

 Elementos básicos de filosofia Warburton

Se clicar no nome e na capa do livro poderá obter mais informações acerca dele.

4 comentários:

mfc disse...

As teorias dos fins das penas continuam a ser polémicas.

Anónimo disse...

sancionar a violação da lei
não significa eliminar possibilidades de futuro.

assim como não é possível garantir que alguns de nós nunca venham a cometer crimes, não é também possível garantir que quem cometeu um crime nunca mais deixará de o fazer. e sancionar a violação da lei deve resumir-se a sancionar a violação da lei. sancionar a violação da lei não deve estar baseado em sanções que violam elas próprias a lei.

se matar é crime, é criminoso matar quem matou.

Carlos Pires disse...

mfc:

É verdade. Castigar com que objectivo? Não há consenso, mas é preciso ir castigando senão caímos naquilo que os sociólogos chamam "anomia".

Carlos Pires disse...

Caro anónimo:

Claro que as sanções devem respeitar a legalidade (o que exclui actividades do género "esquadrões da morte") e a ética (o que, na minha opinião, exclui a pena de morte).
Já agora: Penas de prisão maiores do que as que temos em Portugal não violariam nenhum princípio ético.