sexta-feira, 7 de agosto de 2009

De manhã, à tarde ou à noite: quem sou eu?

gerard castelo-lopes Escocia-1985-(1)     

A MINHA TARDE

Disponho do vento disponho do sol disponho da árvore
arranjo pássaros arranjo crianças
tenho mesmo à minha disposição o mar
talvez com tudo isto possa formar uma tarde
uma tarde azul onde me possa refugiar
Mas e as ideias as doutrinas os problemas?
Se nem resolvi o problema da unha do dedo mínimo
como pretender ter resolvido o mínimo problema?
E as ideias que só servem para dividir?
As ideias têm números inúmeros
e é difícil caminhar na multidão
Podia dizer (mas não me deixa descansado):
Sou novo. Tenho por isso a razão pelo meu lado
Deixai os pássaros cantar as crianças brincar
o tempo não urge o coração não arde
Quem sou eu? Eu só e a minha tarde
As crianças com as suas vozes brancas
riscam alegremente o céu azul
passam as aves em seu voo rasante
desde Sá de Miranda a Jorge de Sena
E o tempo passa assim. Sou eu e o passado
Era novo. Não tenho a razão pelo meu lado

Ruy Belo, Homem de Palavra(s)

rapazes a jogar à bola Gérard Castello-Lopes

 

Fotografias de Gérard Castello-Lopes.

2 comentários:

mfc disse...

... ou se calhar tem a razão toda!

Carlos Pires disse...

mfc:

Em muitos dos poemas de Ruy Belo transparece que ele não pensava ter a razão toda. Felizmente para nós, os seus leitores, ele converteu as suas muitas dúvidas em poemas belos e inteligentes.

cumprimentos