A MINHA TARDE
Disponho do vento disponho do sol disponho da árvore
arranjo pássaros arranjo crianças
tenho mesmo à minha disposição o mar
talvez com tudo isto possa formar uma tarde
uma tarde azul onde me possa refugiar
Mas e as ideias as doutrinas os problemas?
Se nem resolvi o problema da unha do dedo mínimo
como pretender ter resolvido o mínimo problema?
E as ideias que só servem para dividir?
As ideias têm números inúmeros
e é difícil caminhar na multidão
Podia dizer (mas não me deixa descansado):
Sou novo. Tenho por isso a razão pelo meu lado
Deixai os pássaros cantar as crianças brincar
o tempo não urge o coração não arde
Quem sou eu? Eu só e a minha tarde
As crianças com as suas vozes brancas
riscam alegremente o céu azul
passam as aves em seu voo rasante
desde Sá de Miranda a Jorge de Sena
E o tempo passa assim. Sou eu e o passado
Era novo. Não tenho a razão pelo meu ladoRuy Belo, Homem de Palavra(s)
Fotografias de Gérard Castello-Lopes.
2 comentários:
... ou se calhar tem a razão toda!
mfc:
Em muitos dos poemas de Ruy Belo transparece que ele não pensava ter a razão toda. Felizmente para nós, os seus leitores, ele converteu as suas muitas dúvidas em poemas belos e inteligentes.
cumprimentos
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