Há anos atrás, M. S. Lourenço escreveu no semanário O Independente várias crónicas chamadas Os Degraus de Parnaso, depois publicadas em livro com o mesmo nome.
Na crónica que mais gostei (e cujo título infelizmente não recordo) descreveu uma situação ocorrida em Angola, na Guerra Colonial. Recordo que, em poucas linhas, descreve magistralmente o sufocante calor africano e a sua atrapalhação por ter de comandar um posto militar, já que o capitão que tinha essa responsabilidade metera baixa (por motivos psicológicos, se bem me lembro) e ele era o oficial mais graduado.
M. S. Lourenço conta que um dia, após o almoço, estava ele mergulhado na leitura de um livro, um grupo de pessoas se aproximou inesperadamente do posto militar, fazendo muito barulho e atirando algumas pedras. Os soldados de sentinela (assustados, confundidos pelo calor, pelo barulho e pela poeira) julgaram tratar-se de um ataque e dispararam alguns tiros.
Perceberam depois que se tratava de um grupo de homens, mulheres e crianças a quem um missionário evangélico qualquer dissera que na Bíblia estava escrito que os portugueses não deviam estar em África. Aquelas pessoas tinham ido, portanto, explicar aos soldados portugueses que se deviam ir embora. Iam de Bíblia na mão e entoando ruidosos e frenéticos cânticos. Não estavam armadas. Não era um ataque!
Havia diversos mortos e feridos. M. S. Lourenço ajudou o médico a tratar dos vivos e dos mortos. Quando terminaram, horas depois, o médico disse. “Não acredito na ressurreição dos mortos. Mas agora vejo que é uma ideia justa.”
M. S. Lourenço morreu no sábado: 1 de Agosto de 2009. Além de filósofo, foi professor de Filosofia, poeta e tradutor. Dedicou a maior parte do seu trabalho à Lógica e à Filosofia da Matemática. Embora muitos dos seus trabalhos não sejam acessíveis a não especialistas, vale a pena espreitar a sua página pessoal - M. S. Lourenço.
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