O antropomorfismo é a representação dos deuses, dos animais ou da natureza em geral com características humanas – nomeadamente desejos, emoções e pensamentos. Por exemplo: a crença de que “A Natureza é sábia” é antropomórfica, tal como a representação de Deus como um velho de barbas brancas.
A atribuição de características humanas a seres que não as possuem faz com que essas representações sejam falsas ou fantasiosas.
Não é difícil encontrar elementos antropomórficos nas diversas religiões. Embora em graus diferentes, todas elas representam Deus ou os deuses à imagem e semelhança dos seres humanos. Como disse o filósofo grego Xenófanes (séc. VI-V a. C.), “Julgam os mortais que os deuses foram gerados, que têm os trajes deles, e a mesma voz e corpo.”
Exemplos dados por Xenófanes: “Dizem os Etíopes que os seus deuses são negros e de nariz chato, fazem-nos os Trácios de olhos azuis e cabelos ruivos.”
Outros exemplos: segundo a antiga religião grega os seus deuses apaixonavam-se, casavam, tinham casos extra-conjugais, zangavam-se, etc.; na Bíblia são vários os episódios em que Deus se encoleriza ou em que se ouve a sua voz.
Mas será apenas na religião popular (isto é, no modo como a maior parte dos crentes de uma religião concebe o objecto da sua fé) que existe antropomorfismo?
Julgo que não. Por muito intelectualmente refinados que sejam o conceito de Deus e os argumentos com que os teólogos e alguns filósofos tentam provar a sua existência, subsistem sempre neles alguns vestígios de antropomorfismo.
De acordo com a concepção de Deus que tem mais adeptos (o teísmo), este é omnipotente, omnisciente e, entre outros atributos, é perfeitamente bom. Ora, o conceito de bondade é um conceito claramente humano, ou seja, tem sentido quando aplicado a seres humanos e revela-se inadequado para classificar os animais não humanos e qualquer outra parte da natureza ou mesmo a natureza no seu conjunto (os leões, as flores e as pedras não são nem bons nem maus). É, no mínimo, duvidoso que seja adequado para descrever um ser que se admite ser omnipotente, omnisciente e o criador de tudo o que existe (e, por isso, radicalmente diferente dos outros seres). O teísmo é, portanto, antropomórfico.
Considerações semelhantes poderiam ser feitas a propósito de elementos existentes em muitas religiões: a crença de que Deus quer que o amemos e lhe prestemos culto, a crença de que Deus atende pedidos, a crença de que Deus distribui castigos e recompensas, etc.
Por isso, uma tal ideia de Deus é falsa: ou Deus não existe (tal como não existem o ouriço e o coelho falantes das histórias de Paul Stewart e Chris Riddell) ou existe, mas é um ser diferente da representação antropomórfica feita pelas diversas religiões.
As citações de Xenófanes correspondem, respectivamente, aos Fragmentos Diels 16 e 14, retirados de: Hélade – Antologia da Cultura Grega, 5ª edição, organizada e traduzida do original por Maria Helena da Rocha Pereira, Coimbra, 1990, pág. 121.
O Cartoon é de Daniel Paz.
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