Como foi referido num post anterior, a solidez não basta para um argumento ser bom ou cogente: a solidez é uma condição necessária, mas não suficiente. Um argumento pode ser sólido (ou seja, ser válido e ter premissas verdadeiras) e, no entanto, ser um mau argumento.
Para um argumento ser bom ou cogente tem de possuir, além da solidez, premissas mais plausíveis que a conclusão.
Porque é que é assim?
De acordo com o dicionário, plausível significa: aceitável, crível, provável, verosímil…
Uma das maneiras de explicar o que é um argumento é dizer que se trata de um conjunto de afirmações em que é suposto uma delas (a conclusão) ser justificada pelas outras (as premissas) de modo a convencer alguém – nós próprios, ao reflectir, ou outras pessoas. Ao apresentar o argumento estamos a dar razões (as premissas) para esse alguém concordar com a conclusão.
A conclusão é uma ideia que precisa de ser justificada ou defendida. Se as ideias apresentadas como razões justificadoras não forem mais aceitáveis que a ideia que se pretende justificar não se conseguirá persuadir o interlocutor.
As premissas e a conclusão de um argumento são proposições. As proposições ou são verdadeiras ou são falsas. Assim, aceitar ou concordar com uma proposição significa considerá-la verdadeira. Por isso, o que foi dito no parágrafo anterior significa: para haver persuasão a verdade das premissas tem de ser mais fácil de reconhecer do que a verdade da conclusão.Caso as premissas sejam tão (ou menos) plausíveis que a conclusão, se a pessoa tem dificuldade em reconhecer a verdade da conclusão também terá dificuldade em reconhecer a verdade das premissas – isto é, das razões que deveriam convencê-la.A verdade de uma proposição ou a validade de um argumento são independentes do agente cognitivo (ou sujeito). Este pode ou não aperceber-se da verdade de uma proposição ou da validade de um argumento, mas isso não altera nem a própria verdade nem a própria validade. O mesmo não sucede à plausibilidade de uma proposição. A plausibilidade depende do estado cognitivo do agente.“Por estado cognitivo do agente entende-se o conjunto de crenças ou convicções que o agente tem, aquilo que o agente julga saber, o que ele pensa ser falso, o que ele aceita apenas parcialmente, o que ele duvida, etc.” - Desidério Murcho, Pensar Outra Vez, Edições Quasi, 2006, pág. 121.Daí segue-se que uma proposição pode ser plausível para uma pessoa e não ser para outra. Uma proposição pode ser plausível para uma pessoa num determinado momento da vida e depois deixar de ser – caso o seu estado cognitivo se altere.
Vamos imaginar que queríamos persuadir a pessoa Y, natural de um país onde se pratica a excisão (ou mutilação genital feminina), de que esta é moralmente errada e não deve ser praticada. Para conseguir isso apresentávamos o seguinte argumento:
Se a excisão constitui um desrespeito dos direitos da mulher, então é moralmente errada e não deve ser praticada.
Ora, a excisão constitui de facto um desrespeito dos direitos da mulher.
Logo, a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Para a grande maioria dos europeus actuais esse argumento é cogente. É obviamente válido. É quase consensual que as premissas são verdadeiras. Do ponto de vista de pessoas que valorizam os Direitos Humanos e a igualdade de direitos entre os sexos, as premissas são mais plausíveis que a conclusão.
Mas para a pessoa Y esse argumento provavelmente não seria considerado cogente e não a conseguiríamos convencer. Do ponto de vista dela, as premissas não são mais plausíveis que a conclusão e não lhe dariam motivos para aceitar a conclusão como verdadeira. Para uma pessoa que vive numa sociedade onde as mulheres não têm os mesmos direitos dos homens a ideia de que a violação dos direitos femininos torna algo errado não é uma ideia facilmente aceitável, a sua verdade não é nada óbvia – ou seja, não é plausível.
Vejamos se não teríamos mais hipóteses de sucesso com este argumento:
Se a excisão provoca muito sofrimento e se uma mulher que não a fez pode ser uma pessoa séria e uma boa esposa, então a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Ora, de facto a excisão provoca muito sofrimento e uma mulher que não a fez pode ser uma pessoa séria e uma boa esposa.
Logo, a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Mesmo uma pessoa que não se importa com os direitos das mulheres pode ser sensível ao seu sofrimento – que é facilmente confirmável pela experiência. Por outro lado, a ideia de que mesmo sem fazer a excisão se pode ser uma boa esposa também pode ser comprovada através de exemplos e é importante, devido à crença de que a excisão é que faz com que uma mulher seja digna de confiança.
Por isso, pode-se dizer que as premissas desse argumento são mais plausíveis que a conclusão. Uma vez que é válido e que as premissas são de facto verdadeiras, trata-se de um argumento cogente.
Com esse argumento teríamos mais hipóteses de convencer a pessoa Y.
Vale a pena referir que nesses países onde existe a tradição de fazer a excisão há organizações que procuram persuadir as pessoas de que esta é errada argumentando desse modo. Vão às aldeias e aos bairros falar com os pais e as mães das raparigas e dão informações acerca do sofrimento e dos riscos para a saúde, apresentam casos em que a excisão provocou a morte da rapariga, apresentam exemplos de mulheres que não fizeram a excisão mas que são – de acordo com os padrões daquela sociedade – mulheres sérias e boas esposas.
Essas campanhas consistem no fundo numa explicação das premissas do argumento apresentado, numa tentativa de expor a sua plausibilidade. Têm algum sucesso, mas claro que nem todas as pessoas se deixam persuadir, pois o peso dos preconceitos e das tradições (e talvez alguma teimosia pessoal) impede-as de analisar racionalmente as ideias em causa.
Um argumento só é cogente ou bom se reunir as três condições: validade, verdade das premissas e maior plausibilidade das premissas relativamente à conclusão. Tal como não basta a solidez (as duas primeiras) para tornar um argumento cogente, a mera plausibilidade das premissas não torna um argumento cogente. Como vimos, a plausibilidade de uma proposição significa no fundo que ela nos parece verdadeira. Mas para o argumento ser cogente não basta que nos pareça existir verdade, é preciso existir de facto verdade.Por isso, pode suceder que argumentos considerados cogentes numa época sejam depois declarados maus, por entretanto se ter descoberto que afinal tinha premissas falsas. Vejamos um exemplo.
Se a Terra se movesse sentiríamos o movimento.
Não sentimos o movimento.
Logo, a Terra não se move.
Ptolomeu considerava cogente o argumento anterior. No estado cognitivo em que se encontrava as premissas eram mais plausíveis que a conclusão. Para ele eram verdades evidentes que - uma vez que o argumento é válido - justificavam perfeitamente a conclusão. No estado cognitivo em que se encontrava não lhe era possível perceber que a primeira premissa é falsa.
Para terminar uma sugestão céptica: talvez muitos argumentos que hoje consideramos cogentes afinal não sejam cogentes, apesar da verdade das suas premissas nos parecer uma enorme evidência.
Para um argumento ser bom ou cogente tem de possuir, além da solidez, premissas mais plausíveis que a conclusão.
Porque é que é assim?
De acordo com o dicionário, plausível significa: aceitável, crível, provável, verosímil…
Uma das maneiras de explicar o que é um argumento é dizer que se trata de um conjunto de afirmações em que é suposto uma delas (a conclusão) ser justificada pelas outras (as premissas) de modo a convencer alguém – nós próprios, ao reflectir, ou outras pessoas. Ao apresentar o argumento estamos a dar razões (as premissas) para esse alguém concordar com a conclusão.
A conclusão é uma ideia que precisa de ser justificada ou defendida. Se as ideias apresentadas como razões justificadoras não forem mais aceitáveis que a ideia que se pretende justificar não se conseguirá persuadir o interlocutor.
As premissas e a conclusão de um argumento são proposições. As proposições ou são verdadeiras ou são falsas. Assim, aceitar ou concordar com uma proposição significa considerá-la verdadeira. Por isso, o que foi dito no parágrafo anterior significa: para haver persuasão a verdade das premissas tem de ser mais fácil de reconhecer do que a verdade da conclusão.Caso as premissas sejam tão (ou menos) plausíveis que a conclusão, se a pessoa tem dificuldade em reconhecer a verdade da conclusão também terá dificuldade em reconhecer a verdade das premissas – isto é, das razões que deveriam convencê-la.A verdade de uma proposição ou a validade de um argumento são independentes do agente cognitivo (ou sujeito). Este pode ou não aperceber-se da verdade de uma proposição ou da validade de um argumento, mas isso não altera nem a própria verdade nem a própria validade. O mesmo não sucede à plausibilidade de uma proposição. A plausibilidade depende do estado cognitivo do agente.“Por estado cognitivo do agente entende-se o conjunto de crenças ou convicções que o agente tem, aquilo que o agente julga saber, o que ele pensa ser falso, o que ele aceita apenas parcialmente, o que ele duvida, etc.” - Desidério Murcho, Pensar Outra Vez, Edições Quasi, 2006, pág. 121.Daí segue-se que uma proposição pode ser plausível para uma pessoa e não ser para outra. Uma proposição pode ser plausível para uma pessoa num determinado momento da vida e depois deixar de ser – caso o seu estado cognitivo se altere.
Vamos imaginar que queríamos persuadir a pessoa Y, natural de um país onde se pratica a excisão (ou mutilação genital feminina), de que esta é moralmente errada e não deve ser praticada. Para conseguir isso apresentávamos o seguinte argumento:
Se a excisão constitui um desrespeito dos direitos da mulher, então é moralmente errada e não deve ser praticada.
Ora, a excisão constitui de facto um desrespeito dos direitos da mulher.
Logo, a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Para a grande maioria dos europeus actuais esse argumento é cogente. É obviamente válido. É quase consensual que as premissas são verdadeiras. Do ponto de vista de pessoas que valorizam os Direitos Humanos e a igualdade de direitos entre os sexos, as premissas são mais plausíveis que a conclusão.
Mas para a pessoa Y esse argumento provavelmente não seria considerado cogente e não a conseguiríamos convencer. Do ponto de vista dela, as premissas não são mais plausíveis que a conclusão e não lhe dariam motivos para aceitar a conclusão como verdadeira. Para uma pessoa que vive numa sociedade onde as mulheres não têm os mesmos direitos dos homens a ideia de que a violação dos direitos femininos torna algo errado não é uma ideia facilmente aceitável, a sua verdade não é nada óbvia – ou seja, não é plausível.
Vejamos se não teríamos mais hipóteses de sucesso com este argumento:
Se a excisão provoca muito sofrimento e se uma mulher que não a fez pode ser uma pessoa séria e uma boa esposa, então a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Ora, de facto a excisão provoca muito sofrimento e uma mulher que não a fez pode ser uma pessoa séria e uma boa esposa.
Logo, a excisão é moralmente errada e não deve ser praticada.
Mesmo uma pessoa que não se importa com os direitos das mulheres pode ser sensível ao seu sofrimento – que é facilmente confirmável pela experiência. Por outro lado, a ideia de que mesmo sem fazer a excisão se pode ser uma boa esposa também pode ser comprovada através de exemplos e é importante, devido à crença de que a excisão é que faz com que uma mulher seja digna de confiança.
Por isso, pode-se dizer que as premissas desse argumento são mais plausíveis que a conclusão. Uma vez que é válido e que as premissas são de facto verdadeiras, trata-se de um argumento cogente.
Com esse argumento teríamos mais hipóteses de convencer a pessoa Y.
Vale a pena referir que nesses países onde existe a tradição de fazer a excisão há organizações que procuram persuadir as pessoas de que esta é errada argumentando desse modo. Vão às aldeias e aos bairros falar com os pais e as mães das raparigas e dão informações acerca do sofrimento e dos riscos para a saúde, apresentam casos em que a excisão provocou a morte da rapariga, apresentam exemplos de mulheres que não fizeram a excisão mas que são – de acordo com os padrões daquela sociedade – mulheres sérias e boas esposas.
Essas campanhas consistem no fundo numa explicação das premissas do argumento apresentado, numa tentativa de expor a sua plausibilidade. Têm algum sucesso, mas claro que nem todas as pessoas se deixam persuadir, pois o peso dos preconceitos e das tradições (e talvez alguma teimosia pessoal) impede-as de analisar racionalmente as ideias em causa.
Um argumento só é cogente ou bom se reunir as três condições: validade, verdade das premissas e maior plausibilidade das premissas relativamente à conclusão. Tal como não basta a solidez (as duas primeiras) para tornar um argumento cogente, a mera plausibilidade das premissas não torna um argumento cogente. Como vimos, a plausibilidade de uma proposição significa no fundo que ela nos parece verdadeira. Mas para o argumento ser cogente não basta que nos pareça existir verdade, é preciso existir de facto verdade.Por isso, pode suceder que argumentos considerados cogentes numa época sejam depois declarados maus, por entretanto se ter descoberto que afinal tinha premissas falsas. Vejamos um exemplo.
Se a Terra se movesse sentiríamos o movimento.
Não sentimos o movimento.
Logo, a Terra não se move.
Ptolomeu considerava cogente o argumento anterior. No estado cognitivo em que se encontrava as premissas eram mais plausíveis que a conclusão. Para ele eram verdades evidentes que - uma vez que o argumento é válido - justificavam perfeitamente a conclusão. No estado cognitivo em que se encontrava não lhe era possível perceber que a primeira premissa é falsa.
Para terminar uma sugestão céptica: talvez muitos argumentos que hoje consideramos cogentes afinal não sejam cogentes, apesar da verdade das suas premissas nos parecer uma enorme evidência.
Bibliografia:
Aires Almeida e outros, “A Arte de Pensar – 11º Ano”, Didáctica Editora, Lisboa, 2008.
Desidério Murcho, “Argumentos Sólidos”, De Rerum Natura.
Desidério Murcho, “Argumentos Cogentes”, De Rerum Natura.
Desidério Murcho, “Cogência e falibilidade”, De Rerum Natura.
Desidério Murcho, “Pensar Outra Vez: Filosofia, Valor e Verdade”, Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2006.
DEF – Dicionário Escolar de Filosofia, direcção de Aires Almeida.
2 comentários:
Acabo de encontrar a justificativa técnica para explicar por que os defensores dos Direitos Humanos não temos conseguido convencer algumas pessoas da validade universal dos Direitos Humanos: a premissa de que "um monstro (alguém que cometeu atrocidades) é um ser humano" para muitos é apenas tão plausível quanto a conclusão de que todo ser humano possui Direitos Humanos.
Arthur:
Receio não ter percebido bem o seu comentário. Qual é o argumento em que "um monstro é um ser humano" é premissa e "todo ser humano possui Direitos Humanos" é a conclusão?
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