“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.” John Stuart Mill
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Razões para não ler
Férias e livros
Sugeri aos alunos das minhas turmas algumas leituras para férias. Neste contexto, a maior parte deles assumiu que:
1. Não gostava de ler.
2. Não gastava nem tempo nem dinheiro em livros, uma coisa pouco útil (ainda se fosse um telemóvel …).
Faço notar que estas opiniões foram emitidas por alunos dos cursos científico-humanísticos do 10º e 11º anos, na sua maioria com um aproveitamento razoável ou bom, que pretendem prosseguir os estudos e ir para a universidade.
Esta perspectiva em relação à leitura expressa, provavelmente, a opinião da maior parte dos alunos do secundário. O que não me surpreende.
Como professora, tenho constatado uma alteração curiosa: há uns tempos atrás os alunos que não liam ou não gostavam de ler, quando questionados sobre o assunto, ficavam calados (talvez por perceberem que não tinham motivos para se orgulhar), mas nos últimos anos assumem publicamente este facto como se fosse natural e acham estranho o contrário acontecer. Verifico também que alguns dos que têm hábitos de leitura têm, por vezes, vergonha de o assumir na aula perante os colegas.
Pelo que posso observar existe apenas uma minoria de alunos que têm um genuíno interesse por aprender e, por isso, procuram informação para além das matérias dadas nas aulas. Os outros, fora das tarefas impostas pelos professores (testes, fichas, trabalhos…) das várias disciplinas, não manifestam qualquer curiosidade por assuntos de natureza filosófica, científica ou literária.
Esta atitude explica-se, na minha opinião, entre outros factores, pelo seguinte: para eles a motivação para o estudo depende exclusivamente da capacidade dos professores os interessarem, não se vêem a si próprios como intervenientes activos e responsáveis pela sua aprendizagem. Quando não conseguem o aproveitamento desejado o problema não é deles, mas sim do professor actual, dos professores do passado, do sistema de ensino, etc.
Acontece que as aulas de Filosofia, de Matemática ou Português até podem ser intelectualmente interessantes e, mesmo assim, muitos alunos estarem-se nas tintas para aprender ou não terem condições cognitivas efectivas para o fazer. Há factores que não dependem do professor da disciplina, mas condicionam de forma decisiva a aprendizagem porque são pré-requisitos desta. No caso da Filosofia, por exemplo: o fraco domínio da língua portuguesa e do raciocínio abstracto (resultante, por exemplo, da falta de exigência do actual sistema de ensino até ao 9º ano). Mas podem-se acrescentar outros, como a falta de hábitos de trabalho; a ausência de controlo - por parte dos pais - das horas que os alunos passam a jogar computador; um ambiente social que, em geral, valoriza o prazer imediato e não o esforço intelectual, etc.
Portanto, ao contrário do que os discursos simplistas apregoam, nem tudo se resolve no ensino (da Filosofia ou de outra disciplina do secundário) com a competência científica e pedagógica manifestada pelos professores nas aulas. Os professores até podem ensinar bem, e ainda assim alguns alunos não estarem interessados em aprender ou não terem condições (cognitivas) para o fazer.
Como já disse, muitos dos alunos com bom aproveitamento não têm também hábitos de leitura. Para muitos deles o conhecimento adquirido nas aulas é algo completamente exterior e instrumental: precisam da média para entrar na universidade. E até a podem ter, contudo tal não significa que percebam o valor intrínseco de aprender. Esses alunos não fazem leituras fora daquilo que lhes é exigido nas aulas porque não têm um verdadeiro interesse pelo saber. Apenas lhes interessam as classificações e as médias.
São estas, do meu ponto de vista, algumas das razões explicativas das respostas dadas pelos meus alunos às minhas sugestões de leitura (alguns dos livros da colecção Filosofia Aberta da editora Gradiva e de literatura. Algumas dessas sugestões podem encontrar-se aqui).
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Na pausa das actividades lectivas, duas sugestões não filosóficas
Cartoons sem espírito natalício
Cartoons retirados deste sítio (vale a pena visitar!).
Tradução da citação do segundo cartoon:
“Olhando atentamente na sombra, vi-me como uma criatura guiada e escarnecida pela vaidade. Os meus olhos ardiam de angústia e de desespero.”
James Joyce, Gente de Dublin, tradutor B. Carvalho, Edições Vega (1985), pág. 72.
sábado, 19 de dezembro de 2009
Sugestão para as férias: uma visita ao Museu Nacional Soares dos Reis
No Museu Soares dos Reis poderá visitar a EXPOSIÇÃO (de 17 de Dezembro até Março):
“EXUBERÂNCIAS DA CAIXA PRETA a propósito d’ A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais de Charles Darwin”.
«No ano das comemorações de Darwin o IBMC/INEB com o apoio da Ciência Viva e a colaboração da ESAD e deste Museu, avançaram com um projecto de exposição a propósito da obra de Darwin “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”.
Com a obra de Darwin como fio condutor, são apresentados em cinco núcleos objectos que suportam e ilustram o discurso alusivo aos momentos de observação de pessoas e animais. Animais do Museu de História Natural da UP, Fotografias do CPF ou desenhos e esculturas do MNSR e da FBAUP, são confrontados com os textos de Darwin.
Num núcleo central é abordado o comando das emoções.
O início e fim da exposição são marcados por retratos emblemáticos da colecção do MNSR.»
Esta informação foi enviada pelo Museu Nacional Soares dos Reis (para saber mais sobre o Museu ver aqui).
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Pesadelo no Centro Comercial, quero dizer, pesadelo antes do Natal
Aproximam-se as férias do Natal. Para que o tempo de lazer não seja desprovido de estímulos intelectuais, ficam duas sugestões alusivas à época natalícia:
O filme de Tim Burton “The nightmare before Christmas”.
Uma animação com o poema original de Tim Burton e as ideias que deram origem ao filme “The nightmare before Christmas”.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Finalmente, o meu comentário aos comentários
Quero agradecer aos alunos do 10ºC que ousaram fazer um comentário ao cartoon.
Agradeço igualmente aos alunos do 11ºC (Joana e Hugo) e aos alunos do 11ºB (Sara, André e Cristina) que aceitaram o desafio proposto.
Peço desculpa pela minha resposta tardia. Esta deveu-se, sobretudo, à correcção das fichas e testes das minhas cinco turmas. Quando alguém vós disser “os professores não trabalham”, apresentem contra-exemplos!
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Cinema Paraíso: a vida não é como nos filmes
O filme de Guiseppe Tornatore, “Cinema Paraíso”, vai passar hoje (feriado) às 14.00 na RTP2. Sugiro o seu visionamento por razões cinéfilas, mas também filosóficas. A propósito deste filme podemos reflectir acerca de diversas questões. Por exemplo:
Até que ponto as acções individuais são condicionadas por factores de natureza histórica, cultural e psicológica? Haverá alguma margem de escolha, ou seja, teremos livre-arbítrio?
O que é que dá, verdadeiramente, sentido à vida?
Para perceberem que vale mesmo a pena ver (ou rever) este filme, espreitem o trailer.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Elogios
Um elogio ao Dúvida Metódica, no muito elogiável O Livro de Areia.
Para comprovar, eis uma das excelentes sugestões musicais que o leitor poderá encontrar ao remexer na areia e virar as suas páginas:
(Excerto de String Quartet for Two Violins, Tenor and Bass, de John Marsh, 1784.)
sábado, 28 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Mais maravilhas do mundo de Alice: quando é que um argumento é cogente?
(Este desenho é de Sir John Tenniel, autor das ilustrações que fizeram parte da edição original.)
“- Que espécie de gente vive por aqui?
- Naquela direcção – disse o Gato, levantando a pata direita – vive um Chapeleiro, e naquela, uma Lebre de Março. Vai visitar o que quiseres, são ambos loucos.
- Mas eu não quero estar ao pé de gente louca – respondeu a Alice.
- Oh, não podes evitá-lo – disse o Gato. – Aqui todos são loucos. Eu sou louco. Tu és louca.
- Como é que sabes que sou louca? Perguntou a Alice.
- Tens de ser, de outro modo não estarias aqui.
Alice não achava que isso provasse coisa nenhuma (…).”
Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas, tradução de Maria Filomena Duarte, Edições D. Quixote, Lisboa, 1988, págs. 66-67.
O argumento dedutivo presente no diálogo entre a Alice e o Gato pode ser formulado do seguinte modo: Todos os que estão aqui são loucos. Tu estás aqui. Logo, tu és louca.
Trata-se de um argumento dedutivo válido do ponto de vista formal, pois se admitirmos, por hipótese, a verdade das premissas, a conclusão que delas se extrai será necessariamente verdadeira.
Todavia, apesar de existir um nexo lógico entre premissas e conclusão, Alice considera que o argumento do Gato não prova nada.
Esse argumento é válido do ponto de vista formal. Mas será sólido? E cogente?
Nota: Em virtude do comentário do leitor Aires de Almeida - a quem agradeço - alterei o terceiro parágrafo do texto (que pode ser lido na caixa de comentários, bem como as razões da alteração introduzida).
domingo, 22 de novembro de 2009
Os relógios loucos de Carroll
(A imagem foi tirada daqui.)
O matemático, Martin Gardner, no seu livro Ah, apanhei-te! (edições Gradiva) refere um paradoxo, formulado pelo autor da Alice no País das Maravilhas, chamado 'os relógios loucos de Carroll'.
“Qual dos relógios regista o tempo mais fielmente? Um que se atrasa um minuto por dia ou um que não funciona?”
Lewis Carroll argumentou da seguinte maneira:
- o relógio que se atrasa um minuto por dia dá a hora exacta de dois em dois anos. O relógio parado está certo duas vezes em cada vinte e quatro horas. Por isso, o relógio parado regista melhor o tempo. Concorda?
Como determinou Carroll quantas vezes o relógio atrasado dava a hora certa?”
Uma explicação importante do autor do livro referido: “A palavra paradoxo possui diversos significados, mas uso-a aqui em sentido lato para designar quaisquer efeitos de tal modo em contradição com o senso comum e a intuição que provocam uma reacção imediata de surpresa e perplexidade.”
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Em 2010: diversão, Lógica e Matemática
O autor do livro Alice no país das maravilhas, Lewis Carroll, chamava-se na verdade Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898) e escreveu vários livros de matemática, por exemplo: Guia da Geometria Algébrica Elementar e As fórmulas da Trignometria elementar.
Eis uma sugestiva passagem do livro Alice no país das maravilhas:
« – Precisas de cortar o cabelo – disse o Chapeleiro.
Estivera a observar Alice com grande curiosidade e foi esta a primeira vez que falou.
- Devias aprender a não fazer comentários pessoais – disse a Alice com alguma severidade. – É uma grande falta de educação.
Ao ouvir isto, o Chapeleiro abriu muito os olhos, mas tudo o que disse foi:
Em que se parece um corvo e uma secretária?
“Finalmente vamos divertir-nos!” pensou a Alice. “Ainda bem que eles começaram a dizer adivinhas.”
- Queres saber qual é a resposta? - perguntou a Lebre de Março.
- Exactamente isso – disse a Alice.
- Nesse caso, deves explicar-te quando falas – continuou a Lebre de Março.
- É o que eu faço – apressou-se a responder a Alice. – Pelo menos, quando falo explico-me… É a mesma coisa…
-Não é a mesma coisa! – ripostou o Chapeleiro. – Podes muito bem dizer “Eu vejo o que como”, que não é a mesma coisa que “Eu como o que vejo”.
- Podias muito bem dizer “Eu gosto do que tenho”, que não é a mesma coisa que “Eu tenho o que gosto” – acrescentou a lebre de Março.»
As palavras trocadas entre a Alice e o Chapeleiro, no final deste diálogo, poderão ser explicadas a partir de algumas noções de Lógica dadas nas aulas. Mas para quem tiver curiosidade há mais…
Nota: A citação foi retirada do livro Alice no país das maravilhas, tradução de Maria Filomena Duarte, Edições D. Quixote, Lisboa, 1988, págs. 70-71.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Dias Mundiais disto e daquilo, incluindo da Filosofia
No próximo dia 19 de Novembro será o Dia Mundial da Filosofia. O objectivo é pôr toda a gente a pensar até ficarem com dor de cabeça.
Claro que a última parte da frase é uma brincadeira, pois filosofar não provoca dores de cabeça. Antes pelo contrário!
Como é sabido, há Dias Mundiais das mais diversas coisas. O Dúvida Metódica quer, no entanto, destacar dois deles:
O Dia Mundial da Erradicação da Fome, no próximo dia 31 de Novembro.
O Dia Mundial da Paz Mundial, no próximo dia 30 de Fevereiro.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
A democracia pode estar a caminho de desaparecer?
“Os historiadores do futuro podem vir a determinar que a democracia terá sido um episódio de apenas um século. Esta é uma ideia (ou, talvez melhor, um prognóstico) triste, verdadeiramente perigosa, mas muito realista.”
Esta ideia será mesmo realista? Porquê?
Nota: A citação foi retirada do livro Grandes ideias perigosas, coordenação de John Brockman, da editora Tinta da China, Lisboa, 2008, pág. 348.
sábado, 14 de novembro de 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Alegoria da Caverna: um desafio aos alunos do 11º ano
(Fotografia encontrada na Internet, sem indicação do autor)
No primeiro dia de aulas deste ano lectivo, alguns dos meus alunos do 10º ano perguntaram-me se iríamos estudar a alegoria da caverna de Platão. Explicaram-me, então, que outros colegas (agora no 11º ano) lhes haviam falado das ideias defendidas nesse texto e isso lhes tinha parecido muito interessante.
Esta atitude, não muito vulgar em alunos do 10º ano, fez-me pensar que a motivação e a curiosidade suscitadas se deveram, talvez, à clareza das explicações e ao entusiasmo com que foram apresentadas pelos seus colegas do 11º.
Decidi, na altura, que antes de iniciar o estudo do texto de Platão (que será na próxima semana) solicitaria aos alunos - actualmente no 11º ano - a colaboração para explicarem aos colegas, de uma forma simples e motivadora, quais os problemas filosóficos abordados por Platão na alegoria da caverna e se podemos ganhar algo com a reflexão e discussão acerca deles.
Fica o desafio.
Para o aceitar não é necessário ser atrevido, basta pensar! E depois escrever um comentário aqui no Dúvida Metódica, neste post.
Nota: Podem escrever o comentário no Word e depois copiar e colar na caixa de comentários.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Da vaidade das palavras
«Um retórico do passado dizia que o seu ofício era fazer que as coisas pequenas parecessem grandes e como tal fossem julgadas.
(…) Arquidamo (…) não terá ouvido sem espanto a resposta de Tucídides, ao qual perguntara quem era mais forte na luta, se Péricles, se ele: “Isso será difícil de verificar, pois quando o deito por terra, ele convence os espectadores que não caiu, e ganha”.
Os que, com os cosméticos, caracterizam e pintam as mulheres fazem menos mal, pois é coisa de pouca perda não as ver ao natural, ao passo que estes outros fazem tenção de enganar, não já os olhos mas o nosso juízo, e de abastardar e corromper a essência das coisas.»
Montaigne, Ensaios, antologia, tradução de Rui Bertrand Romão, Relógio de Água Editores, Lisboa, 1998, pág. 147.
domingo, 8 de novembro de 2009
Uma reflexão filosófica sobre a morte voluntária
Novo blogue de Filosofia
Aires Almeida criou um blogue de Filosofia chamado questões básicas. Destina-se prioritariamente aos seus alunos da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, mas está aberto a todos os interessados. Apesar de ter apenas dois ou três dias de vida já tem posts e comentários interessantes e merecedores de atenção. Votos de boa sorte!
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Isto é um homem?
Primo Levi, um judeu italiano deportado durante a Segunda Guerra Mundial para um campo de concentração alemão, descreveu e reflectiu, no livro Se isto é um homem, acerca do que acontece quando se submete os seres humanos a uma situação de fome e de sofrimento extremo:
“Fechem-se entre arames farpados milhares de indivíduos diferentes em idade, condição, origem, língua, cultura e hábitos, e obriguem-se, nesse lugar, a um regime de vida constante, controlável idêntico para todos e abaixo de todas as necessidades (…).
Não acreditamos na dedução mais fácil e óbvia: que o homem é fundamentalmente brutal, egoísta e estulto na sua maneira de actuar, quando todas as superestruturas civis lhe são tiradas (…). Julgamos pelo contrário, que, em relação a isso, nada se pode concluir, a não ser que diante das carências e do mal-estar físicos obsessivos, muitos hábitos e muitos instintos sociais ficam completamente silenciados.
(…) aqui a luta para sobreviver é sem remissão, porque cada um está desesperada e ferozmente só.”
É discutível se aquilo que os seres humanos adquirem ao longo do processo de socialização (nomeadamente algumas normas morais como não roubar, não mentir, não matar…) é um verniz que estala facilmente em situações de fome e medo, tornando impossível o altruísmo. Filósofos com uma visão pessimista da natureza humana, como Thomas Hobbes, pressupõem que sim. Outros, pelo contrário, defendem uma perspectiva mais optimista e consideram que não.
Seja como for, tal como mostra Primo Levi ao longo deste livro, há aqueles que se transformam em “animal-homem” (talvez a maioria) e outros cuja humanidade permanece intacta, mantendo a capacidade de praticar acções sem esperar nada em troca: fazer o bem pelo bem.
A propósito deste livro pode ler também aqui.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O mundo do homem feliz e o do homem infeliz serão diferentes?
A forma como cada um de nós percepciona a realidade pode ser influenciada por diversos factores. Por exemplo: os conhecimentos anteriores, as experiências anteriores, a personalidade, a educação e as emoções.
Em relação ao papel desempenhado por estas últimas, Wittgenstein refere que “o mundo dum homem feliz é diferente do dum homem infeliz”. Mas será mesmo assim?
Terá este factor um peso tão decisivo? Se assim fosse como seria possível um conhecimento objectivo do mundo?
Nota: A citação foi retirada do Tratado Lógico-filosófico, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, tradução de M.S. Lourenço, Lisboa, 1987, pág.139.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Onde está a conclusão?
Num argumento, palavras e expressões como “Pois” e “Dado que” normalmente indicam que a frase a seguir apresentada é uma premissa. Palavras e expressões como “Logo” e “Por conseguinte” normalmente indicam que a frase a seguir apresentada é a conclusão.
No entanto, a análise de argumentos não é uma tarefa automática que se possa fazer seguindo uma receita. É preciso pensar. No post “O que é um argumento?” foram analisadas diversas situações que demonstram essa necessidade de pensar quando se analisam argumentos e se tentam identificar as premissas e a conclusão. Eis outra situação.
As palavras e expressões que habitualmente funcionam como indicadores de premissa ou de conclusão podem, em certos contextos, ter outros sentidos.
Considere a esse respeito o seguinte argumento (que é apresentado de modo colectivo por várias personagens do livro infantil “Olha antes de saltar”, da série Winnie the Pooh, numa tentativa de convencer outra personagem a ser mais cuidadosa):
“- Tigre, deves ser mais cuidadoso quando andas a saltar e a pular pela floresta – disse o Coelho.
- Se caíres em cima de uma tartaruga ela esconde-se na carapaça – disse o Winnie.
- Se assustares uma doninha ela deita-te aquele líquido malcheiroso – acrescentou o Piglet.
- E se pisares um cardo magoas-te na pata – concluiu o Igor. Além disso, podes estragar o meu jantar.”
O narrador diz “concluiu o Igor”, mas isso não significa que o Igor tenha apresentado a conclusão do argumento desenvolvido pelas personagens. A conclusão foi apresentada pelo Coelho e é: “deves ser mais cuidadoso quando andas a saltar e a pular pela floresta”. Naquele contexto, dizer “concluiu o Igor” significa apenas que ele foi o último a falar – e ao fazê-lo apresentou duas razões a favor da conclusão e não a conclusão.
Outro exemplo. A palavra “Então” é um indicador de conclusão e pode em qualquer argumento substituir o “Logo” ou o “Portanto” sem alteração de sentido. Todavia, essa palavra surge em imensos argumentos sem ter a função de indicador de conclusão: é o caso dos argumentos que incluem proposições condicionais. Considere a esse respeito o seguinte argumento: "Se a liberdade de expressão é um direito dos cidadãos, então não deve existir censura. Ora, a liberdade de expressão é de facto um direito dos cidadãos. Logo, não deve existir censura.” Como é evidente, a conclusão do argumento é a frase que se encontra a seguir à palavra “Logo” e não a frase que se encontra a seguir à palavra “então” (que é a consequente da proposição condicional que constitui a primeira premissa do argumento – um Modus Ponens ou Afirmação do Antecedente).
Assim, para percebermos se, num argumento, uma frase é uma premissa ou uma conclusão temos de avaliar as relações entre as ideias (ou proposições) expressas por essa e pelas outras frases. Uma frase não é uma conclusão simplesmente porque é antecedida por uma palavra que normalmente funciona como indicador de conclusão, mas sim porque expressa ideias que – pretende o argumento – derivam das ideias que servem de premissas.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
For sentimental reasons
O vídeo diz John Coltrane, mas devia dizer John Coltrane e Johnny Hartman. Saxofone e voz, respectivamente. Algumas imagens do vídeo são pirosas, mas na canção tudo é belo, a começar pelo título: "My one and only love".
Como as razões sentimentais são estritamente pessoais, o leitor do Dúvida Metódica fará o favor de – apenas desta vez - não perguntar “porquê?” e de se limitar a apreciar a beleza da música.
Mas, pensando bem, será verdade que as razões sentimentais são assim tão pessoais?
Entimema: conceito e exemplos
Um entimema é um argumento que contém pelo menos uma premissa não formulada, habitualmente designada por premissa implícita. Pode-se também dizer que se trata de uma premissa subentendida ou oculta. Por exemplo: no argumento “o Heitor é advogado, logo o Heitor tem formação universitária” a premissa implícita é “os advogados têm formação universitária”. Sem esta premissa o argumento não seria válido. (Há entimemas que continuam a ser argumentos inválidos mesmo após a explicitação das premissas subentendidas, pois encerram outras incorrecções.)
No dia-a-dia os entimemas são muito frequentes. Habitualmente, o que leva alguém a não explicitar todas as premissas de um argumento é o facto de considerar que se trata de algo tão óbvio que seria monótono e inútil fazer essa explicitação. Quem está por dentro do contexto em que decorre a argumentação em causa normalmente percebe quais são as ideias subentendidas.
Contudo, o que para uma pessoa é óbvio nem sempre é óbvio para as outras. Como isso pode suscitar confusões e incompreensões (nomeadamente na discussão de assuntos polémicos como sucede com a generalidade dos problemas filosóficos), é aconselhável explicitar as premissas implícitas. Essa explicitação torna os argumentos mais claros. Assim, “Descobrir as premissas implícitas das nossas ideias ou das ideias dos filósofos é uma parte importante do trabalho filosófico.” (Dicionário Escolar de Filosofia)
Há anos atrás eu e um amigo íamos a percorrer uma avenida de Lisboa (Av. Almirante Reis) quando vimos um homem a comprar um limão. Disse imediatamente ao meu amigo, como se fosse uma enorme evidência: “Ele está a comprar um limão, logo é drogado”. Como o meu amigo duvidou da conclusão (achando que o facto de uma pessoa comprar um limão não é razão suficiente para concluirmos que é drogada), vi-me obrigado a explicitar as várias razões (premissas) que não tinha formulado por as achar óbvias. Ei-las:
- Normalmente as pessoas compram mais do que um limão, mas não seria prático um toxicodependente fazer isso.
- O sumo de limão costuma ser usado para preparar doses de heroína.
- Aquele indivíduo tinha um certo ar pálido e macilento que caracteriza muitos toxicodependentes.
- Aquela zona era um lugar de passagem quase contínua de toxicodependentes que iam comprar droga ao bairro da Curraleira (que na época era uma conhecida zona de tráfico).
Perante essas razões adicionais que explicitei, o meu amigo ficou convencido: “Deves ter razão”.
No entanto, mesmo reforçada com essas razões a conclusão é apenas uma consequência provável (e não necessária) das premissas – como é característico dos argumentos não dedutivos.
Embora isso não fosse provável, podia suceder que as premissas fossem todas verdadeiras e a conclusão falsa. Por exemplo: o facto de só comprar um limão podia explicar-se pela circunstância de partir de férias no dia seguinte e não querer deixar em casa produtos perecíveis; o ar pálido e macilento podia dever-se a uma doença qualquer; etc.
domingo, 1 de novembro de 2009
Métodos antiquados
Por muitas modernices tecnológicas que surjam na educação (blogues, por exemplo), há coisas que nunca mudam. Corrigir testes é uma delas, pois é algo que tem de ser feito da mesma maneira antiquada de sempre: com as mãos, os olhos e o cérebro. (A audição de boa música durante a correcção é uma "exigência" da actividade deste último: a mente.)
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
O que pode justificar o reconhecimento de direitos aos animais?
Ou, pelo contrário, o reconhecimento de direitos aos animais não humanos deve ser feito independentemente da sua eventual relação com os seres humanos?
Estas questões pressupõem que se deve reconhecer direitos aos animais, mas será que se deve? Porquê?
Nota: Agradeço ao meu colega Luís Santos o envio do video.
O que é um argumento?
“Um argumento é um conjunto de proposições que utilizamos para justificar (provar, dar razão, suportar) algo. A proposição que queremos justificar tem o nome de conclusão; as proposições que pretendem apoiar a conclusão ou a justificam têm o nome de premissas.” (António Padrão, “Algumas noções de lógica”, www.criticanarede.com)
As premissas são as informações, os dados que à partida temos sobre um problema; a conclusão é uma consequência que, ao raciocinar, tiramos. Assim, a conclusão corresponde à nossa opinião sobre o problema, à nossa tese e as premissas são a maneira que temos de justificar a conclusão a que chegámos.
Um argumento possui uma conclusão e uma ou várias premissas.
Os argumentos são conjuntos de proposições, mas nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Um argumento é mais do que uma lista de proposições. Para se tratar de um argumento as proposições têm de estar organizadas de um modo tal que uma delas (a conclusão) se apresente como a consequência das outras (as premissas). Dito por outras palavras: as premissas devem apresentar-se como uma justificação ou apoio da conclusão. Essa relação existe no exemplo A mas não no B. Por isso, este não é um argumento.
Exemplo A: Hoje estou cansado e, dado que amanhã tenho muito que fazer, devo descansar. Por isso, não irei ao cinema.
Exemplo B: A Cecília é simpática e vive em Loulé. Além disso, a Cecília quer ir para a Universidade.
A expressão “Por isso” (usada em A) é um indicador de conclusão. Normalmente diz-nos que a frase a seguir apresentada constitui a conclusão. Há outras palavras e expressões que também têm esse papel: “Logo”, “Portanto”, “Consequentemente”, etc.
A expressão “dado que” (usada em A) é um indicador de premissa. Normalmente diz-nos que a frase a seguir apresentada constitui uma premissa. Há outras palavras e expressões que também têm esse papel: “Pois”, “Porque”, “Devido a”, etc.
Uma vez que num argumento a conclusão é uma consequência das premissas, a forma mais clara e explícita (a forma padrão ou a expressão canónica, como dizem os lógicos) de apresentar o argumento é apresentar primeiro as premissas e depois a conclusão – antepondo-lhe a palavra “Logo” para não restarem quaisquer dúvidas.
Todavia, no dia-a-dia as pessoas pensam e falam de modo mais livre e espontâneo e habitualmente não usam a expressão canónica dos lógicos. Assim, além dos argumentos em que a conclusão surge no final, podem-se encontrar argumentos em que a conclusão surge no início ou mesmo no meio.
Exemplo C: Todos os cidadãos com direito de voto devem votar, pois só votando poderão ter uma palavra a dizer nas decisões políticas. Ora, numa democracia os cidadãos devem ter uma palavra a dizer nas decisões políticas.
Exemplo D: Ler livros estimula a inteligência e melhora a capacidade de expressão, como tal deves ler livros. Além disso, os livros não são caros.
No exemplo C a conclusão é “Todos os cidadãos com direito de voto devem votar” e no exemplo D é “deves ler livros”. O que conta para uma frase ser a conclusão de um argumento não é a posição que nele ocupa, mas a relação que tem com as outras frases. As frases referidas constituem a conclusão dos seus argumentos pois derivam das outras frases, são consequências delas e são por elas justificadas.
No dia-a-dia também é frequente surgirem argumentos em que não existem indicadores de premissa nem de conclusão. É o que sucede no exemplo E, a seguir apresentado. A sua conclusão é “As guerras deviam acabar”, pelas razões referidas no parágrafo anterior.
Exemplo E: As guerras deviam acabar. Numa guerra morrem sempre inocentes e a morte de inocentes é uma grande injustiça.
Outra situação frequente é surgirem argumentos contendo uma ou mais premissas ocultas (implícitas, subentendidas). Esses argumentos chamam-se entimemas. Como essas premissas omitidas podem dar origem a confusões, ao reescrever o argumento para o expressar de modo canónico devemos explicitar tais premissas. No exemplo F, a seguir apresentado, a premissa oculta é: “As coisas que violam os direitos humanos devem ser proibidas”. Note que, se essa ideia não fosse subentendida, não se conseguiria justificar a conclusão – que é “A mutilação genital feminina devia ser proibida”.
Exemplo F: A mutilação genital feminina devia ser proibida, porque constitui uma violação dos direitos humanos.
a) Diga se os exemplos a seguir apresentados constituem ou não argumentos.
b) Caso sejam argumentos, diga qual é a conclusão.
c) Caso possuam premissas ocultas, explicite quais são.
1. “Estava um cão no estábulo e, apesar de alguém lá ter estado e ter levado para lá um cavalo, o cão não ladrou. É óbvio que o visitante era alguém que o cão conhecia bem.” Sherlock Holmes, em A Aventura de Silver Blaze, de Conan Doyle.
2. Não podemos permitir o aborto porque é o assassínio de um inocente.
3. «[Depois do terrível ataque efectuado pelos orcs e por um troll] Aragorn levantou Frodo, que estava caído junto da parede, e dirigiu-se para a escada, a empurrar Merry e Pippin à sua frente. Os outros seguiram-nos. Mas Gimli teve de ser arrastado por Legolas; apesar do perigo, o anão parara junto do túmulo de Balin [seu primo], de cabeça baixa. Boromir puxou a porta oriental, a ranger nos gonzos.» J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis – A Irmandade do Anel, Publicações Europa-América, pág. 374.
4. Sócrates não era um Deus. Com efeito, os deuses são imortais, ao passo que Sócrates não era imortal.
5. A interrupção voluntária da gravidez resulta da liberdade de escolha, que é um direito democrático. Como tal, não deve ser penalizada.
6. “Um protão é uma infinitésima parte de um átomo, que em si próprio já é também uma coisa insubstancial. Os protões são tão pequenos que a porção de tinta usada para pôr a pinta neste i pode conter qualquer coisa como 500 000 000 000 protões, mais que do que o número de segundos em meio milhão de anos.” [Bill Bryson, Breve História de Quase Tudo, Quetzal Editores, pág. 25]
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
2 sugestões para a nova ministra da educação
1. Mudar o programa de Filosofia.
A proposta de programa apresentada pelo Centro para o Ensino da Filosofia e pela Sociedade Portuguesa de Filosofia (em Julho de 2000) seria – eventualmente com algumas alterações – uma boa alternativa. (Encontra essa proposta aqui.)
2. Reintroduzir o exame nacional de Filosofia no 11º ano, mas desta vez com carácter obrigatório.
Para que a existência de um exame nacional obrigatório a Filosofia melhorasse a qualidade do ensino e da aprendizagem, e não constituísse um desastre no que diz respeito às classificações, seria necessário que o exame só se começasse a realizar quatro anos após a entrada em vigor do novo programa (para haver dois anos de treino, um no 10º e outro no 11º). Seria também indispensável que, entretanto, se realizassem acções de formação com qualidade científica e pedagógica para a generalidade dos professores de Filosofia.
Claro que, para isso ser realizável, seria necessário que as políticas educativas, contrariamente ao que tem sucedido até à data, fossem pensadas e planeadas - e não improvisadas em cima do joelho, ao sabor das sondagens e das mais variadas pressões.
sábado, 24 de outubro de 2009
A negação de proposições condicionais
A frase “Se a Yolanda estuda, então passa de ano” exprime uma proposição condicional. Esta é uma proposição composta de duas proposições mais simples ligadas pelo conector “Se… então” (ou outros equivalentes, como por exemplo “Caso”). Costuma chamar-se a estas “antecedente” e “consequente”. O que é dito na antecedente constitui uma condição suficiente relativamente àquilo que é dito na consequente. No caso do exemplo, a expressão “condição suficiente” significa que basta (= é suficiente) a Yolanda estudar para conseguir passar de ano. Pode-se também dizer que a antecedente implica a consequente.
Nega-se uma proposição condicional afirmando a antecedente e negando a consequente: “Yolanda estuda, mas não passa de ano”.
A negação de uma condicional não é outra proposição condicional, mas sim uma conjunção. Em vez de “mas” também se pode usar o conector “e”.
Porque é que uma condicional se nega desse modo? Para responder a esta questão é preciso perceber em que condições uma proposição condicional é verdadeira ou falsa.
Há quatro circunstâncias possíveis, que no caso do exemplo dado são:
1. Yolanda estuda e passa de ano.
2. Yolanda não estuda e não passa de ano.
3. Yolanda não estuda e passa de ano.
4. Yolanda estuda e não passa de ano.
(Nos livros de Lógica estas quatro circunstâncias não costumam ser apresentadas por esta ordem, mas optei por ela por ser a mais intuitiva.)
Em 1. a antecedente e a consequente são ambas verdadeiras. Nessa circunstância a condicional é obviamente verdadeira: verificou-se aquilo que nela está enunciado – estudar levou a Yolanda passar de ano. O facto da Yolanda ter estudado e o facto de ter passado de ano confirmam a veracidade da relação enunciada na condicional.
Em 2. a antecedente e a consequente são ambas falsas. Nessa circunstância a condicional continua a ser verdadeira. O facto da Yolanda não ter estudado e o facto de não ter passado de ano não anulam a veracidade da relação enunciada na condicional. Imagine que um professor tinha dito a Yolanda “Se estudas, então passas de ano” e que agora esta alegava que tinha sido enganada. O professor poderia responder: “O que eu te disse é verdadeiro. Se tivesses estudado, terias passado de ano.”
Em 3. a antecedente é falsa e a consequente é verdadeira. Nessa circunstância a condicional continua a ser verdadeira. Esta assegura que basta estudar para passar de ano, mas não diz que essa é a única maneira de passar de ano, não diz que não há outros factores que permitam passar (copiar ou ameaçar o professor, por exemplo). Por isso, o facto da Yolanda não ter estudado e o facto de ter passado de ano não anulam a veracidade da relação enunciada na condicional.
Em 4. a antecedente é verdadeira e a consequente é falsa. Nessa circunstância a condicional é falsa. Caso estude e não passe, a Yolanda já tem motivos para dizer ao tal professor que este disse uma falsidade. Este tinha assegurado que estudar era uma condição suficiente para a Yolanda passar, ou seja, que bastava ela estudar para passar. E isso não se verificou: uma coisa não levou à outra. Daí que, nessa circunstância, a condicional seja falsa.
Em síntese:
ANTECEDENTE | CONSEQUENTE | CONDICIONAL |
Verdadeira | Verdadeira | Verdadeira |
Falsa | Falsa | Verdadeira |
Falsa | Verdadeira | Verdadeira |
Verdadeira | Falsa | Falsa |
Regressemos então à negação. Ao negar uma certa proposição obtemos uma outra proposição que tem necessariamente de possuir um valor de verdade diferente da proposição inicial. Se a proposição inicial é falsa a sua negação tem de ser verdadeira. Se a proposição inicial é verdadeira a sua negação tem de ser falsa. Não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Ou seja: a proposição inicial e a sua negação têm de ser proposições contraditórias. Por exemplo: ao negarmos a proposição verdadeira “Florença é uma cidade italiana” obtemos a proposição falsa “Florença não é uma cidade italiana”.
Ao negar uma proposição condicional afirmamos a antecedente e negamos a consequente, pois isso equivale a dizer que a antecedente é verdadeira e a consequente é falsa – que, como vimos, é a única circunstância em que uma proposição condicional é falsa. Ao fazer isso estamos a mostrar que, contrariamente ao que tinha sido dito nessa proposição, a antecedente não é uma condição suficiente da consequente. Dito de modo mais coloquial: estamos a mostrar que uma coisa não leva à outra e que a relação enunciada na condicional não ocorre.
A conjunção entre a afirmação da antecedente e a negação da consequente de uma condicional (ou seja, a negação desta) constitui uma proposição que não pode ter o mesmo valor de verdade dessa proposição condicional. Caso seja falso que “Se a Yolanda estuda, então passa de ano” tem de ser verdadeiro que “Yolanda estuda, mas não passa de ano”. E vice-versa: Caso seja verdadeiro que “Se a Yolanda estuda, então passa de ano” tem de ser falso que “Yolanda estuda, mas não passa de ano”.
Se tentássemos negar a condicional de outro modo não conseguiríamos obter uma proposição contraditória com ela e por isso não se trataria de uma autêntica negação. Por exemplo: “Se a Yolanda estuda, então passa de ano” e “Yolanda não estuda e não passa de ano” podem ser, em certas circunstâncias, ambas verdadeiras ou ambas falsas.
(Alguns leitores poderão achar útil o post Condições necessárias e suficientes: análise de um exemplo. Tendo em conta que o mesmo foi escrito a pensar nos alunos do 11º ano, não aconselho a sua leitura aos alunos do 10º ano.)
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Matriz do 10º ano (turmas B, D, E e F)
ESCOLA SECUNDÁRIA DE PINHEIRO E ROSA FILOSOFIA – 10ºANO Ano Lectivo: 2009-2010 Matriz do 1º Teste (Outubro) O Professor: Carlos Pires
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Duração: 90 minutos. Temas: Quais são as questões da Filosofia? O que é a filosofia? Lógica – os instrumentos da actividade filosófica. |
Objectivos: 1. Conhecer a etimologia da palavra “filosofia”. 2. Conhecer a época e o lugar em que a filosofia surgiu. 3. Indicar os elementos centrais da filosofia: problemas, teorias e argumentos. 4. Conhecer exemplos de problemas filosóficos e distinguir problemas filosóficos de problemas não filosóficos. 5. Explicar e exemplificar o conceito de crença básica. 6. Mostrar em que medida a filosofia constitui uma reflexão acerca das nossas ideias e crenças mais básicas. 7. Mostrar em que medida a filosofia tem um carácter crítico e argumentativo. 8. Mostrar em que medida a filosofia é um estudo a priori ou conceptual. 9. Explicar em que medida, apesar do carácter conceptual da filosofia, as informações empíricas podem ter utilidade na reflexão filosófica. 10. Saber que as respostas dadas aos problemas filosóficos raramente são consensuais. 11. Conhecer argumentos a favor e contra a pena de morte. 12. Utilizar esses argumentos para justificar uma opinião pessoal acerca do carácter justo ou injusto da pena de morte. 13. Indicar o objecto de estudo da Lógica. 14. Explicar o que são proposições. 15. Analisar exemplos, distinguindo frases que expressam proposições de frases que não expressam proposições. 16. Conhecer exemplos de frases que expressem uma única proposição e de frases que expressem, cada uma delas, várias proposições. 17. Distinguir diferentes tipos de proposições: afirmativas e negativas; universais, particulares e singulares; disjuntivas e condicionais. 18. Analisar exemplos, identificando neles os diferentes tipos de proposições. 19. Reescrever frases para colocar as proposições na sua expressão canónica. 20. Explicar em que consiste a negação de uma proposição. 21. Explicar como se negam proposições universais, particulares e singulares (tanto afirmativas como negativas) e proposições condicionais. 22. Efectuar a negação de proposições apresentadas. 23. Explicar o que são proposições contraditórias. 24. Explicar a utilidade da negação na argumentação. 25. Explicar como se podem refutar proposições universais através de contra-exemplos. 26. Explicar o que é um argumento. 27. Analisar exemplos, distinguindo argumentos de não argumentos. 28. Analisar argumentos, distinguindo premissas e conclusão. 29. Conhecer indicadores de premissa e indicadores de conclusão. |
Leituras obrigatórias no Manual: Da página 11 à página 14. Página 21.Da página 31 à página 37. Da página 42 à página 45. Leituras aconselhadas no Manual: texto 4, página 27 e 28. Leituras obrigatórias no blogue Dúvida Metódica: “Problemas filosóficos e problemas não filosóficos”, “Estudo da religião: a parte da Sociologia e a parte da Filosofia”, “O que é a Filosofia?” e “Identificação, classificação e negação de proposições”. Leituras aconselhadas no blogue Dúvida Metódica: “Discutir ideias em vez de repetir frases”. |
Bom Trabalho! |
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Desenhos com areia: será isto arte?
Muitos desenhos de Kseniya Simonova são (na minha opinião) belos. A sua realização revela perícia (eu, por exemplo, não seria capaz de fazer nenhum deles). É manifesto que exprimem ideias e sentimentos da autora. Esta, ao fazê-los e apresentá-los publicamente, comunica a outras pessoas essas ideias e sentimentos. Tal comunicação desperta emoções nessas pessoas e - presumivelmente – leva-as a reflectir e a debater acerca dos temas dos desenhos.
Serão estas razões suficientes para considerar artístico o trabalho de Kseniya Simonova?
O facto dos desenhos com areia serem efémeros poderá ser considerado uma razão para não serem considerados obras de arte?
O facto da generalidade dos especialistas em arte e dos artistas reconhecidos como tal, ignorar habitualmente os desenhos com areia e não os incluir nas suas listas de formas de arte, será razão suficiente para alguém que deles goste não os considerar obras de arte?
domingo, 18 de outubro de 2009
O tempo até pode ser relativo, mas a verdade não
Do fotógrafo Fred Brommet, Jardim do Luxemburgo, Paris 1956.
A expressão “é relativo” refere, na linguagem corrente, algo que depende do ponto de vista de cada sujeito (ou seja: não é igual para todas as pessoas). Pode aplicar-se, por exemplo, ao modo como percepcionamos a passagem do tempo. Este não flui da mesma maneira em todas as situações, depende da perspectiva do observador: os cinquenta minutos de uma experiência agradável, parecem passar muito mais depressa que os dez minutos de uma experiência desagradável. Este facto é explicável, entre outras, por razões de natureza psicológica.
Daí que Einstein tenha dito, ironicamente, a propósito da teoria da relatividade que esta significa que se mede “o tempo de maneira diferente quando se está sentado sobre um fogão quente ou quando se tem num banco de jardim, uma bela rapariga sentada ao colo…”
Na filosofia, o relativismo foi formulado pela primeira vez por Protágoras ao dizer que “o homem é a medida de todas as coisas”. Tais palavras significam que a verdade depende do ponto de vista de cada um e que não existe, portanto, uma verdade objectiva e igual para todos. Esta teoria filosófica pode ser defendida a propósito do conhecimento em geral ou de uma área específica - por exemplo, a ética ou a estética. (Caso seja defendida a propósito do conhecimento em geral, tal teoria auto-refuta-se, pois afirma com pretensão de objectividade que não existe objectividade.)
É certamente verdade que algumas crenças são relativas. Além de exemplos semelhantes ao referido no primeiro parágrafo, pode-se mencionar também algumas crenças que dependem de factores sociais e culturais. É o caso, por exemplo, dos hábitos ligados à alimentação. O carácter saboroso ou repugnante das larvas de bicho da seda (muito apreciadas na China e na Tailândia) não constitui uma verdade objectiva e igual para todos.
No entanto, isto não se passa com todas as crenças. A verdade das crenças científicas é independente de todo e qualquer factor cultural ou psicológico. E é argumentável que o mesmo sucede com pelo menos algumas crenças morais (por exemplo que a excisão e a discriminação racial são moralmente erradas).
Deste modo, ao pretendermos colocar um ponto final numa discussão (onde sobre o mesmo tópico existam interpretações opostas) dizendo, para calar o nosso interlocutor: “É relativo! É a tua opinião!” estamos a argumentar de um modo manifestamente errado. Quando se trata de analisar a verdade ou a falsidade de certas ideias é necessário distinguir a nossa convicção quanto a isso da própria verdade ou falsidade dessas ideias (que depende de algo exterior às nossas convicções).
Assim, não podemos confundir, como diz Stephen Law, «aquilo que é verdadeiro quanto à crença de uma pessoa com a verdade daquilo em que ela acredita. Pode ser verdadeiro que eu acredito que Paris é a capital da Alemanha. Isso não implica que “Paris é a capital da Alemanha” seja verdadeiro. Se assim fosse, eu transformaria qualquer afirmação em verdadeira se acreditasse nela, por exemplo: “Eu consigo voar”».
Portanto, uma crença só pode ser justificada se encontrarmos boas razões a favor da sua verdade. O essencial são as boas razões e não a força das convicções.
Notas:
A primeira citação foi retirada do livro, Nova Física divertida, de Carlos Fiolhais, Ed. Gradiva, pág.89.
A segunda foi retirada do livro, Filosofia, de Stephen Law, Editora Civilização, pág. 199.
sábado, 17 de outubro de 2009
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
O Sopro sopra onde quer: homenagens a M. S. Lourenço
Em homenagem ao professor M. S. Lourenço (1936-2009), a Biblioteca Nacional organiza uma exposição intitulada: “O Sopro sopra onde quer”.
MOSTRA BIBLIOGRÁFICA | 12 a 31 Outubro | Sala de Referência da Biblioteca Nacional | Entrada livre.
“Esta exposição bibliográfico-documental pretende homenagear o escritor e tradutor, professor de Lógica e Filosofia da Matemática M. S. Lourenço, falecido no dia 1 de Agosto de 2009. A frase do título, o Sopro sopra onde quer, foi retirada do Evangelho segundo S. João (3, 8) e aparece citada sob a forma de mote por M. S. Lourenço ao longo do seu percurso intelectual. Centrando-se no início deste percurso, a exposição desenvolve-se sob o signo desta alusão bíblica (…).
A presente mostra cobre aproximadamente 10 anos, desde as primeiras experiências literárias de M. S. Lourenço e da colaboração no jornal Encontro até à saída de Portugal em 1965, para estudar Filosofia da Matemática em Oxford sob a orientação de Michael Dummett. A contextualização que se oferece das primeiras obras que assinou circunstancia a singularidade da sua criação intelectual.”
Para saber mais, veja AQUI.
Além disso, no dia 28 de Outubro às 18h30, na sala 5.2 da Faculdade de Letras (UL), será lançada a obra poético-literária reunida de M. S. Lourenço:
O Caminho dos Pisões.
Participantes: Fernando Martinho, Miguel Tamen e João Dionísio.
Informação recebida dos organizadores.
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Discutir ideias em vez de repetir frases
Uma proposição é a ideia (ou pensamento) expressa por uma frase declarativa com sentido.
Frases diferentes podem exprimir a mesma proposição. Por exemplo, as três frases seguintes exprimem exactamente a mesma proposição: A pena de morte é moralmente errada. A pena de morte é incorrecta em termos morais. The death penalty is morally wrong.
Este não é um mero pormenor “técnico” e sem interesse filosófico. Pelo contrário. Na filosofia analisam-se e discutem-se proposições. Ou seja: analisam-se e discutem-se ideias e não as frases que as transmitem. Não é propriamente a frase escrita pelo filósofo X ou Y que interessa, mas sim a ideia por ela transmitida – será uma ideia verdadeira ou falsa?
Do mesmo modo, um aluno não se deve preocupar especialmente com a frase que o professor disse ainda há pouco e que ele não conseguiu escrever no caderno, mas sim com o que o professor queria dizer com essa frase; ou seja, com a proposição – que pode ser expressa através de outra frase diferente. O que esse professor, caso tenha um entendimento correcto da filosofia, esperará do aluno é que este compreenda a ideia e a discuta – e não que repita a sua frase tintim por tintim.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Examinar a vida: valerá a pena o esforço?
"Uma vida não examinada pode não valer a pena ser vivida, mas examinar a minha é esgotante."
Este e outros cartoons da autora podem encontrar-se aqui.
Sócrates, um dos mais conhecidos filósofos gregos, foi condenado à morte em 399 (a.C.). Não escreveu nenhum livro. O que sabemos sobre ele deve-se, entre outros, ao testemunho do seu discípulo Platão. Nos diálogos que este escreveu Sócrates é uma figura central.
Na Apologia de Sócrates, Platão apresenta o discurso proferido em tribunal pelo seu mestre. Acusado, entre outras coisas, de “fazer do argumento fraco o argumento forte, ensinando os outros a fazerem como ele”, e corrompendo assim a juventude, Sócrates defendeu-se dizendo que nada mais fazia do que examinar-se a si próprio e aos outros com o objectivo de descobrir alguém mais sábio do que ele (que reconhecia nada saber sobre o bom, a virtude e o belo, por exemplo). Eis as suas palavras:
“Nada mais faço do que andar pelas ruas a persuadir-vos, jovens ou velhos, a cuidardes mais da alma que do corpo e das riquezas, de modo a que vos torneis homens excelentes.
Se, ao dizer isto, estou a corromper os jovens, mal vão as coisas. Mas, se alguém afirmar que eu digo mais do que isto, afirma falsidades (…).
Pois, se me matardes, sendo eu como sou, fareis mais mal a vós próprios do que a mim. Poderiam talvez matar-me, banir-me ou privar-me de direitos, pensando como outros que são estas coisas grandes males. Mas eu não penso assim. O que penso é que quem o fizer está a fazer a si próprio muito pior, por tentar matar injustamente um homem. Por isso, preciso muito mais de vos defender a vós do que de me defender a mim (…). Isto porque, se me matardes, não encontrareis com facilidade outro como eu que – para falar gracejando – se agarre à cidade como um moscardo a um cavalo forte e de bom sangue que, por causa do tamanho, precisa de ser despertado por um aguilhão (…).
E se eu disser que o maior bem que pode haver para um homem é, todos os dias, discorrer sobre a excelência e sobre outros temas acerca dos quais me ouvíeis dialogar, investigando-me a mim e aos outros. E se eu vos disser que uma vida sem pensar não é digna de ser vivida por um homem, ainda menos vos terei persuadido. É como digo, homens, não sois fáceis de convencer!”
Platão, A apologia de Sócrates, tradução de José Trindade Santos, 2ª Edição, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1990, pág. 85-87 e 94.
Terá Sócrates razão ao defender que uma vida sem pensar não é digna de ser vivida? Porquê?
domingo, 4 de outubro de 2009
Equívocos acerca do senso comum
A caracterização do senso comum como sendo um conhecimento prático é frequente. Consta de muitos livros de Filosofia (e de Sociologia). Contudo, essa caracterização não é rigorosa.
Um conhecimento prático é um saber-fazer, consiste no conhecimento de uma actividade. É verdade que o senso comum inclui inúmeros conhecimentos práticos, tais como saber cozinhar ou saber andar de bicicleta. No entanto, inclui também conhecimentos proposicionais, conhecimentos por contacto, superstições e outras crenças, que não são saberes práticos.
O conhecimento proposicional é, tal como o nome indica, o conhecimento de proposições. Também é conhecido por “saber que”. Por exemplo: saber que a lixívia debota a roupa, saber que (em Portugal) a pena máxima é 25 anos de prisão, saber que a cor do luto (em Portugal) é o preto, etc. O senso comum inclui inúmeros conhecimentos desse género, que não têm manifestamente um carácter prático.
O conhecimento por contacto é o conhecimento que temos de coisas, lugares, pessoas, etc. É um conhecimento directo e presencial. Por exemplo: conhecer as divisões de uma casa, conhecer pessoalmente um indivíduo, etc. O senso comum inclui inúmeros conhecimentos desse género, que não têm manifestamente um carácter prático.
Uma superstição é uma crença falsa e sem justificação plausível. Por exemplo: acreditar que as doenças são provocadas por espíritos malignos, acreditar que ver gatos pretos traz infelicidade, etc. O senso comum de muitas pessoas (mas talvez não de todas) inclui superstições. Tais crenças supersticiosas não têm obviamente carácter prático.
Por outro lado, o senso comum inclui também crenças que seria errado considerar superstições (convicções morais, políticas, sociais, etc., tais como: acreditar que se deve pagar as dívidas, acreditar que não se deve matar pessoas inocentes, etc.). Todavia, tais crenças também não são saberes práticos.
Por isso, o conhecimento prático é apenas uma parte do senso comum.
É igualmente frequente chamar-se conhecimento vulgar ao senso comum. Todavia, essa denominação não é rigorosa.
Os conhecimentos práticos, proposicionais e por contacto que fazem parte do senso comum podem ser designados de vulgares, uma vez que a sua aquisição não implica aprendizagens formais e elaboradas. Contudo, as superstições que fazem parte do senso comum não constituem conhecimentos vulgares. Não por não serem “vulgares” e implicarem aprendizagens formais e elaboradas, mas porque, sendo crenças falsas e injustificadas, não são sequer conhecimentos.
É duvidoso que muitas crenças do senso comum que não são supersticiosas constituam, ainda assim, conhecimentos, pois, embora não sejam falsas, a sua justificação adequada não se faz no âmbito do senso comum – mas sim da Filosofia e de ciências como a Psicologia ou a Economia.
A teoria filosófica que define o conhecimento como sendo uma crença verdadeira justificada presta-se a algumas objecções, pois provavelmente essas três condições não são suficientes para haver conhecimento e é necessário acrescentar uma ou mais condições para haver conhecimento. No entanto, não parece haver dúvidas que são condições necessárias. Pelo que as crenças do senso comum que são falsas ou injustificadas não são conhecimentos.
(Se as crenças do senso comum que são falsas ou injustificadas não fossem falsas nem injustificadas e pudessem ser consideradas conhecimentos, não seriam conhecimentos práticos, mas sim conhecimentos proposicionais.)
Por isso, apenas uma parte do senso comum constitui conhecimento.
Na imagem: A Leiteira (1658-60), de Johannes Vermeer.