terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mais maravilhas do mundo de Alice: quando é que um argumento é cogente?

alice e o gato

(Este desenho é de Sir John Tenniel, autor das ilustrações que fizeram  parte da edição original.)

“- Que espécie de gente vive por aqui?

- Naquela direcção – disse o Gato, levantando a pata direita – vive um Chapeleiro, e naquela, uma Lebre de Março. Vai visitar o que quiseres, são ambos loucos.

- Mas eu não quero estar ao pé de gente louca – respondeu a Alice.

- Oh, não podes evitá-lo – disse o Gato. – Aqui todos são loucos. Eu sou louco. Tu és louca.

- Como é que sabes que sou louca? Perguntou a Alice.

- Tens de ser, de outro modo não estarias aqui.

Alice não achava que isso provasse coisa nenhuma (…).”

Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas, tradução de Maria Filomena Duarte, Edições D. Quixote, Lisboa, 1988, págs. 66-67.

O argumento dedutivo presente no diálogo entre a Alice e o Gato pode ser formulado do seguinte modo: Todos os que estão aqui são loucos. Tu estás aqui. Logo, tu és louca.

Trata-se de um argumento dedutivo válido do ponto de vista formal, pois se admitirmos, por hipótese, a verdade das premissas, a conclusão que delas se extrai será necessariamente verdadeira.

Todavia, apesar de existir um nexo lógico entre premissas e conclusão, Alice considera que o argumento do Gato não prova nada.

Esse argumento é válido do ponto de vista formal. Mas será sólido? E cogente?

Nota: Em virtude do comentário do leitor Aires de Almeida - a quem agradeço - alterei o terceiro parágrafo do texto (que pode ser lido na caixa de comentários, bem como as razões da alteração introduzida).

13 comentários:

Aires Almeida disse...

Sara, há um problema com o exemplo aqui em causa e a explicação dada por Thiry.

Pensemos num outro exemplo:

Este grupo de pessoas é numeroso.
Tu fazes parte deste grupo de pessoas.
Logo, tu és numerosa.

Na verdade isto é uma falácia, conhecida como falácia da divisão. Do facto de um todo ter uma propriedade X não se segue que uma elemento ou parte desse todo tenha a propriedade X. O exemplo que apresento torna isso muito claro.

O tal princípio fundamental da dedução referido não é, de modo algum, um princípio fundamental da dedução. Há montes de deduções que não dependem de tal princípio (basta pensar no cálculo proposicional) que, de resto, é incorrectamente enunciado por Thiry.

Assim, não é: o que se diz de um todo, diz-se de uma parte desse todo. É antes: o que se diz todos os elementos de uma classe, diz-se também de um qualquer elemento dessa classe.

O que dizes?

PS: Folheei em tempos o livro do Thiry e pareceu-me estar repleto de imprecisões e de incompreensões sobre o que é e como funciona a lógica. Mas posso estar enganado.

Sara Raposo disse...

Aires:

1º Tendo em conta as imprecisões que disseste existirem no livro que citei, consultei a Enciclopédia de termos lógico- filosóficos (das Edições Gradiva) e no artigo sobre o referido princípio diz o seguinte: «(lat., o que se afirma de tudo e de nada). O rótulo “dictum de omni et nullo”cobre dois princípios lógicos que, na bibliografia tradicional, são por vezes considerados como sendo os princípios básicos de todo o raciocínio silogístico: o princípio dictum de omni e o princípio dictum de nullo (…). Numa das versões, o princípio dictum de omni (literalmente, o que se diz, ou afirma, de todas as coisas) estabelece que aquilo que é predicável de todas as coisas pertencentes a uma certa classe é predicável de todas as coisas pertencentes a qualquer classe incluída naquela classe (por exemplo, dado que a propriedade de ser um mamífero é predicável de todas as baleias, e dado que a classe das orcas está incluída na classe das baleias, segue-se que aquela propriedade é predicável de todas as orcas).

Noutra versão, aparentada com a primeira, o princípio estabelece que aquilo que é predicável de todas as coisas pertencentes a uma certa classe é predicável de cada uma dessas coisas em particular. Dado que a propriedade de ser um mamífero é predicável de todas as baleias, e que Moby Dick é uma baleia, segue-se que a propriedade em questão é predicável de Moby Dick (…)» (Artigo de João Branquinho).

Reconheço que a explicação atrás apresentada é bastante mais clara e rigorosa que a do livro que citei. E, portanto, não eras tu que estavas enganado, mas eu é que não fui suficientemente cuidadosa.

2º Colocaste o problema deste não ser um princípio fundamental da dedução (e nas minhas palavras subentendia-se que isso se passaria em todas deduções), o que disseste é correcto e a ideia que eu exprimi através dessa frase é errada.

3º Ao contrário do que acontece com o atributo “ser mamífero” (já citado), há predicados, que embora possam ser atribuídos a uma classe (ao todo), não são propriedades de cada um dos elementos pertencentes a essa classe. Veja-se o exemplo: A equipa x é muito boa. O Jesualdo joga na equipa x. Logo, o Jesualdo é muito bom jogador. Quando argumentamos deste modo estamos a cometer a falácia (informal) da divisão (como referes).

4º Assim, considerando o que foi dito anteriormente, fiz uma correcção ao que escrevi no post inicial, suprimindo o que não era rigoroso ou claro. Mas para que os leitores percebam o que foi aqui dito trancrevo a seguir o que escrevi no post original e motivou os teus comentários:

«Este argumento permite exemplificar um princípio fundamental da dedução designado em latim como “dictum de omni, dictum de parte (ou princípio da inclusão)” (1), cujo significado é óbvio: o predicado que se afirma de um todo tem de se atribuir, obrigatoriamente, a cada uma das partes desse todo. Seria, neste caso, logicamente contraditório que a característica (ser louco) atribuída a todos os elementos da classe (todos os que estão aqui) não fosse também atribuída a um a cada um dos elementos que integra esse conjunto (o Gato e a Alice, por exemplo).»

(1) Philippe Thiry, Noções de Lógica, Edições 70, Lisboa, 1996, pág. 92.

5º Agradeço as tuas observações pertinentes e as correcções.

Obrigada. E cumprimentos.

Desidério Murcho disse...

Já agora, Sara, só mais uma imprecisão. Apesar de se dizer informalmente muitas vezes que num argumento dedutivamente válido a conclusão é necessariamente verdadeira, dada a verdade das premissas, como tu afirmas, isto é falso, literalmente. O operador de necessidade está a ser mal usado, e mesmo intuitivamente se vê que algo está errado com o seguinte exemplo:


Todos atenienses são gregos.
Sócrates é ateniense.
Logo, Sócrates é grego.

A conclusão não é necessariamente verdadeira; é contingentemente verdadeira, pois Sócrates poderia não ter nascido em Atenas e não ser grego. O que se quer dizer com o "necessariamente" não é literalmente que a conclusão é necessariamente verdeira, mas apenas que, dada a verdade das premissas, a conclusão não poderia ser falsa.

Didacticamente, esta distinção é importante, pois o que fazes se um aluno contra-argumentar dizendo-te que a conclusão do argumento anterior não é necessariamente verdadeira? Ele poderá pensar que nesse caso ou algo está errado com a definição de validade ou o argumento em causa não é válido. Pior: mesmo sem nada dizer, o aluno poderá ficar com ideia falsa e desastrosa (que alguns autores incompetentes em lógica partilham) segundo a qual as conclusões dos argumentos dedutivos seriam todas necessariamente verdadeiras, pelo que a dedução nenhum interesse teria quando as conclusões a que queremos chegar são "do domínio do contingente". Autores como Perelman e Thiry têm de ser lidos com MUITO cuidado, porque estão cheios de erros deste género. Na verdade, há outras coisas muito melhores para ler, escritas por autores que sabem do que falam.

Unknown disse...

Para responder às questões colocadas é preciso ter presente a noção de argumento sólido e argumento cogente.

Um argumento só é sólido quando é dedutivamente válido e as suas premissas são verdadeiras.
Como já vimos, o argumento presente no diálogo entre a Alice e o Gato é dedutivamente válido do ponto de vista formal, mas as suas premissas não são verdadeiras, pois o Gato afirma que todos os que ali estão são loucos, mas é um facto que a Alice está ali e que ela não é louca.
Assim sendo, o argumento não é sólido e, consequentemente, não é cogente, pois para um argumento ser cogente este depende de duas condições: Tem de ser sólido e as suas premissas têm de ser mais plausíveis que a sua conclusão.

Visto que o argumento não é sólido, então também não pode ser cogente.


Guilherme Grave 11ºB nº9

Sara Raposo disse...

Caro Desidério:

Agradeço a objecção, mas discordo dela. Não creio que a imprecisão que referes exista realmente.
Eu conheço a distinção entre necessário e contingente. “Um quadrado tem 4 lados iguais” é uma verdade necessária, pois não poderia ser falsa. Em qualquer circunstância é verdade que um quadrado tem 4 lados iguais. “Portugal é uma república” é uma verdade contingente, pois podia ser falsa: Portugal é de facto uma república, mas podia não ser.
No exemplo que deste tanto as premissas como a conclusão são verdades contingentes. E - no que respeita ao meu exemplo - claro que uma frase dizendo que a pessoa X é louca é, se for verdadeira, uma verdade contingente.
Quando escrevi que, num argumento dedutivo válido, quando as premissas são verdadeiras a conclusão é necessariamente verdadeira não pretendia dizer que essa conclusão é sempre uma Verdade Necessária. O que queria dizer é que, dada a verdade das premissas, a conclusão não poderia ser falsa.
Porque é que me exprimi desse modo? Pelo motivo que passo a explicar. A expressão “não pode ser falsa” é equivalente à expressão “tem de ser verdadeira”. E a expressão “tem de ser verdadeira” é equivalente à expressão “necessariamente verdadeira”. Ou seja: dizer “a conclusão não podia ser falsa” é equivalente a dizer “a conclusão é necessariamente verdadeira”.
Por isso, se é falso dizer que as proposições “Sócrates é grego” e “X é louco” são necessariamente verdadeiras também é falso dizer que não podem ser falsas. Ou seja: se o que eu disse é (como tu afirmaste) falso então o que tu disseste também é falso - porque essas proposições poderiam ser falsas, já que são contingentes.
O que se passa é que nem eu nem tu dissemos uma falsidade ao falar da conclusão dos argumentos que apresentámos como exemplos.
Quando se diz que essa conclusão, dada a verdade das premissas, é necessariamente verdadeira ou quando se diz que essa conclusão, dada a verdade das premissas, não poderia ser falsa, não se está a dizer que se trata obrigatoriamente de uma Verdade Necessária e nunca de uma Verdade Contingente. Ao falar da conclusão de um argumento não estamos a analisar a natureza modal (posso exprimir-me assim?) de uma proposição isolada. Estamos a avaliá-la na sua condição de conclusão - de consequência das premissas. Tanto a expressão “não pode ser falsa” como a expressão “necessariamente verdadeira” procuram exprimir uma propriedade dessa relação e não uma propriedade da proposição isolada. Tal como a expressão “provavelmente”, usada quando se avalia a validade dos argumentos não dedutivos.
(continua)

Sara Raposo disse...

Desidério(continuação):

A expressão “não pode ser falsa” tem a vantagem de não incluir a palavra “necessário” e isso torna menos provável que um aluno conhecedor da distinção entre necessário e contingente fique confuso. Daí que tenhas falado de didáctica. Todavia, o facto de não incluir a palavra não significa que o problema desapareça: como disse antes, é tão falso dizer de uma proposição cuja verdade é contingente que é “necessariamente verdadeira” como dizer que “não pode ser falsa”.
De resto, o problema didáctico é outro. Fala-se de validade no princípio do 10º e no princípio do 11º mas só se diferencia necessário e contingente a meio do 11º no capítulo da Epistemologia. Por isso, é mais provável que aos alunos ocorra a equivalência entre “necessariamente verdadeira” e “não pode ser falsa” do que a distinção entre necessário e contingente.
Não resolvemos esse problema didáctico usando apenas a expressão “não pode ser falsa”, mas diferenciando claramente a avaliação de uma proposição isolada (a sua análise modal - se é que a expressão é correcta) da sua avaliação enquanto parte de um argumento.
Dito por outras palavras. Temos aqui um uso ambíguo da palavra “necessário”. Parece-me que distinguir com clareza o que se quer dizer em cada uma das duas utilizações é preferível à solução que defendes - que ignora o facto (conhecido pelos alunos) das expressões “necessariamente verdadeira” e “não pode ser falsa” quererem dizer a mesma coisa.
Imagina que um professor ao explicar a validade, e ao referir-se à conclusão de um argumento dedutivo válido cujas premissas fossem verdadeiras, utiliza sempre a expressão “não pode ser falsa” e que um aluno, na aula ou num teste, diz “ou seja, tem de ser verdadeira” ou “ou seja, é necessariamente verdadeira”. Esse professor deve dizer ao aluno que este cometeu um erro?

Cumprimentos

Desidério Murcho disse...

Olá, Sara

Desculpa insistir. É tão enganador dizer que num argumento dedutivo válido a conclusão é necessariamente verdadeira (se as premissas o forem) como dizer que a conclusão não pode ser falsa (se as premissas forem verdadeiras). E por isso eu nunca digo uma nem outra.

Isto é apenas um pormenor e eu nem diria coisa alguma se não fosse a superlativa qualidade do teu trabalho, Sara. Quem dera a todos os estudantes ter professores como tu e o Carlos.

Mas vale a pena insistir nisto. Tanto a primeira como a segunda formulação são ambíguas, até porque são equivalentes, como bem afirmaste. São ambíguas entre duas coisas (chama-se a isto o deslize das modalidades), que se vêem melhor usando um símbolo da lógica modal para a necessidade, NEC:

1) Num argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras, a conclusão é NEC verdadeira. (Se premissas V, então conclusão NEC V.)

2) NEC, num argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras, a conclusão é verdadeira. (NEC: Se premissas V, então conclusão V.)

(Chama-se deslize das modalidades porque NEC desliza do seu lugar correcto, em 2, para o lugar incorrecto, em 1, dada a maneira como falamos.)

1 é falso pelas razões que expliquei, 2 é verdade. Mas 2 custa a dizer. Daí que eu opte sempre por dizer assim:

3) Num argumento dedutivo válido, é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. (IMPOSSÌVEL: Premissas V e conclusão F).

Isto é equivalente a dizer que NEC, se um argumento dedutivo for válido e tiver premissas verdadeiras, então a conclusão é verdadeira. Mas 3 percebe-se intuitivamente muito melhor. E 3 é logicamente equivalente a 2. (Podes transformar a condicional de 2 numa conjunção negada, com o segundo conjunto também negado. Isto dá “NEC não”, que é o mesmo que “Não POSSÍVEL”, ou seja, impossível.)

Por que razão este pormenorzinho é importante? Porque muita gente pensa erradamente que as conclusões dos argumentos dedutivos válidos são verdades necessárias. Os teus alunos não vão pensar isto. Tu não vais pensar isto. Mas os teus alunos vão falar mais tarde ou mais cedo com alguém que pensa este disparate e é bom que estejam preparados para esclarecer a confusão. Mas se eles usarem uma definição ambígua de validade (que comete o deslize das modalidades), não conseguirão ver o que está errado com essa ideia.

Espero que não leves a mal a minha insistência.

Sara Raposo disse...

Os dois comentários deixados pelo leitor Desidério Murcho desapareceram da caixa de comentários. Tal facto deveu-se, talvez, a um problema informático (que não sei explicar nem solucionar, por agora).

Actualmente, verificam-se neste blogue problemas na contagem dos comentários (cujo número não corresponde à realidade) e no sítio dos “Comentários mais recentes”. Neste último surge a referência aos dois referidos comentários e não surgem vários outros realizados posteriormente.

O meu pedido de desculpas ao leitor Desidério Murcho.

A seguir transcrevo os dois comentários em causa (a resposta ao primeiro já foi dada atrás, a resposta ao segundo é dada a seguir).

Sara Raposo disse...

(Primeiro comentário do leitor Desidério Murcho)

“Já agora, Sara, só mais uma imprecisão. Apesar de se dizer informalmente muitas vezes que num argumento dedutivamente válido a conclusão é necessariamente verdadeira, dada a verdade das premissas, como tu afirmas, isto é falso, literalmente. O operador de necessidade está a ser mal usado, e mesmo intuitivamente se vê que algo está errado com o seguinte exemplo:

Todos atenienses são gregos.
Sócrates é ateniense.
Logo, Sócrates é grego.

A conclusão não é necessariamente verdadeira; é contingentemente verdadeira, pois Sócrates poderia não ter nascido em Atenas e não ser grego. O que se quer dizer com o "necessariamente" não é literalmente que a conclusão é necessariamente verdeira, mas apenas que, dada a verdade das premissas, a conclusão não poderia ser falsa.

Didacticamente, esta distinção é importante, pois o que fazes se um aluno contra-argumentar dizendo-te que a conclusão do argumento anterior não é necessariamente verdadeira? Ele poderá pensar que nesse caso ou algo está errado com a definição de validade ou o argumento em causa não é válido. Pior: mesmo sem nada dizer, o aluno poderá ficar com ideia falsa e desastrosa (que alguns autores incompetentes em lógica partilham) segundo a qual as conclusões dos argumentos dedutivos seriam todas necessariamente verdadeiras, pelo que a dedução nenhum interesse teria quando as conclusões a que queremos chegar são "do domínio do contingente". Autores como Perelman e Thiry têm de ser lidos com MUITO cuidado, porque estão cheios de erros deste género. Na verdade, há outras coisas muito melhores para ler, escritas por autores que sabem do que falam.”

Sara Raposo disse...

(Segundo comentário do leitor Desidério Murcho)

“Olá, Sara

Desculpa insistir. É tão enganador dizer que num argumento dedutivo válido a conclusão é necessariamente verdadeira (se as premissas o forem) como dizer que a conclusão não pode ser falsa (se as premissas forem verdadeiras). E por isso eu nunca digo uma nem outra.

Isto é apenas um pormenor e eu nem diria coisa alguma se não fosse a superlativa qualidade do teu trabalho, Sara. Quem dera a todos os estudantes ter professores como tu e o Carlos.

Mas vale a pena insistir nisto. Tanto a primeira como a segunda formulação são ambíguas, até porque são equivalentes, como bem afirmaste. São ambíguas entre duas coisas (chama-se a isto o deslize das modalidades), que se vêem melhor usando um símbolo da lógica modal para a necessidade, NEC:

1) Num argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras, a conclusão é NEC verdadeira. (Se premissas V, então conclusão NEC V.)

2) NEC, num argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras, a conclusão é verdadeira. (NEC: Se premissas V, então conclusão V.)

(Chama-se deslize das modalidades porque NEC desliza do seu lugar correcto, em 2, para o lugar incorrecto, em 1, dada a maneira como falamos.)

1 é falso pelas razões que expliquei, 2 é verdade. Mas 2 custa a dizer. Daí que eu opte sempre por dizer assim:

3) Num argumento dedutivo válido, é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. (IMPOSSÌVEL: Premissas V e conclusão F).

Isto é equivalente a dizer que NEC, se um argumento dedutivo for válido e tiver premissas verdadeiras, então a conclusão é verdadeira. Mas 3 percebe-se intuitivamente muito melhor. E 3 é logicamente equivalente a 2. (Podes transformar a condicional de 2 numa conjunção negada, com o segundo conjunto também negado. Isto dá “NEC não”, que é o mesmo que “Não POSSÍVEL”, ou seja, impossível.)

Por que razão este pormenorzinho é importante? Porque muita gente pensa erradamente que as conclusões dos argumentos dedutivos válidos são verdades necessárias. Os teus alunos não vão pensar isto. Tu não vais pensar isto. Mas os teus alunos vão falar mais tarde ou mais cedo com alguém que pensa este disparate e é bom que estejam preparados para esclarecer a confusão. Mas se eles usarem uma definição ambígua de validade (que comete o deslize das modalidades), não conseguirão ver o que está errado com essa ideia.

Espero que não leves a mal a minha insistência.”

Sara Raposo disse...

(Resposta ao segundo comentário do leitor Desidério Murcho)

Desidério:

Quando li e respondi ao teu primeiro comentário não me apercebi da diferença entre dizer 1) “num argumento dedutivo válido a conclusão não pode ser falsa (se as premissas forem verdadeiras)” e dizer 2) “num argumento dedutivo válido, é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa”. Daí que tenha dito que era equivalente a dizer 3) “num argumento dedutivo válido a conclusão é necessariamente verdadeira (se as premissas o forem)” e tenha discordado da tua objecção. Mas o teu segundo comentário fez-me perceber a diferença entre 1) e 2). Como disseste, 1) é equivalente a 3) mas não a 2).

Em 2) estamos sem ambiguidade a falar da relação entre diversas frases (premissas e conclusão): a expressão “é impossível” refere uma propriedade dessa relação e não de uma das frases (conclusão). Enquanto em 1) e em 3) existe uma ambiguidade e tanto se pode estar a falar da relação entre as frases como de uma delas (e nesse caso a correr o risco de considerar verdades apenas contingentes como sendo verdades necessárias). Na minha resposta ao teu primeiro comentário considerei essa ambiguidade inevitável, mas percebo agora que não é. Se entendermos bem 2) percebe-se que não é ambígua.

Não conhecia o “deslize das modalidades” e da lógica modal sabia pouco mais do que o nome (entretanto já li umas páginas), como se depreende pelo modo como respondi ao teu primeiro comentário, limitei-me a pensar a partir da informação que tinha.

Agradeço a tua insistência e a clareza da tua explicação.

Lamento não ter tido disponibilidade para te responder antes.

Cumprimentos.

Sara Raposo disse...

Guilherme:
Agradeço o seu comentário.
Cumprimentos.

Desidério Murcho disse...

Olá, Sara!

Eu é que peço desculpa pela baralhação do primeiro comentário, que não permitiu transmitir claramente o que eu queria. Mas agora já me fiz entender.

Renovo os meus parabéns pelo trabalho que tu e o Carlos têm desenvolvido. Os vossos alunos têm muita sorte. Quem me dera ter tido professores como vocês!