quarta-feira, 17 de março de 2010

Mudam-se os tempos mudam-se os alunos e os problemas

“Há uns tempos li nos jornais que um grupo de professores encontrou por acaso um inquérito que foi enviado nos anos trinta a um certo número de escolas de todo o país. Incluía um questionário sobre quais os problemas mais graves que aconteciam nas escolas. E encontraram também os formulários de respostas, que tinham sido preenchidos e devolvidos dos quatro cantos do país. E os problemas mais graves que os professores apontavam eram coisas como conversar nas aulas e correr pelos corredores. Mascar pastilha elástica. Copiar os trabalhos de casa. Coisas desse género. Então eles policopiaram uma data de exemplares e enviaram-nos para as mesmas escolas. Passados quarenta anos. Bom, algum tempo depois receberam as respostas. Violações, fogo posto, homicídio. Drogas. Suicídios. E eu ponho-me a pensar nisto. Porque muitas das vezes que eu digo que o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género, as pessoas limitam-se a fazer-me um sorriso e dizem-me que eu estou a ficar velho. Que este é um dos sintomas. Mas cá no meu entender, se alguém não vê a diferença entre violar e assassinar pessoas e mascar pastilha elástica é porque tem um problema muito mais grave do que o meu. Quarenta anos também não é assim tanto tempo. Talvez os próximos quarenta anos façam acordar algumas pessoas da anestesia em que caíram. Se não for demasiado tarde.”

Cormac McCarthy, Este País não É para Velhos.

O livro de  Cormac McCarthy repousa na estante à espera de oportunidade para ser lido. Esta passagem foi encontrada no blogue De Rerum Natura. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa não é mera coincidência.   

5 comentários:

Manolo Heredia disse...

Há 80 anos só os betinhos frequentavam o liceu.
É tão fácil fazer demagogia!

Carlos Pires disse...

Manolo:

O facto de actualmente o ensino ser universal conduz à escola alunos muito diversos e essa diversidade coloca muitos problemas, alguns inéditos e mais graves do que era costume.
Relativamente a esses problemas, a atitude defendida pelos governantes do momento e pela pedagogia do "eduquês" não resolve nada e só piora as coisas.
Essa atitude consiste em relativizar, desvalorizar a gravidade das ocorrências e afirmar de modo vago e injustificado que a aderência dos professores e das estruturas escolares às ideias do "eduquês" permitiria resolver esses problemas.
Tal atitude é equivalente ao enterrar a cabeça na areia da avestruz.
Qual é, então, a solução? Apostar na disciplina e na exigência e rigor (ao nível dos programas, manuais, aulas e avaliação).
Não vejo onde está a demagogia.

Manolo Heredia disse...

A mensagem original parece saudosista. Dá azo à interpretação demagógica do “antigamente é que era bom”.
Quando se abordam estas diferenças é sempre importante explicar que a massificação do acesso aos bens da sociedade moderna, implica sempre uma perda de qualidade nos serviços prestados pelos cidadãos (serão mesmo cidadãos?). Acontece na educação, na justiça, etc.
Nas sociedades europeias de hoje o grande problema da educação ministrada pelo Estado é o da falta de consenso político que existe sobre quais os objectivos que se pretendem atingir com a educação pública. Os partidos de esquerda têm uma concepção (quando não têm várias) e os de direita têm outra (quando não têm outras várias). Assim, entre muitos fogos, não é possível ministrar um ensino coerente, que é condição essencial para pacificar as escolas.

Carlos Pires disse...

Manolo:

Não me parece que a intenção do Cormac McCarthy fosse saudosista. É realmente mentira dizer que antigamente é que era bom. O Cormac McCarthy queria apenas chamar a atenção para o facto de hoje em dia se tender a relativizar os problemas, o que contribui para os piorar.

Creio, por outro lado, que não nos devemos resignar à perda de qualidade provocada pela massificação do ensino. Devemos lutar contra ela. Por várias razões. Uma delas é: uma escola pouco exigente e sem qualidade promove a desigualdade social, mesmo que o seu projecto educativo esteja cheio de referências à cidadania. Quem fica prejudicado são os mais pobres.
Uma das formas de lutar contra isso é distinguir diferentes tipos de formação e valorizar o ensino profissional.
(A actual aposta no ensino profissional foi feita de modo errado, pois baseia-se na ideia de que o ensino profissional se diferencia não por ser prático e profissionalizante mas por ser mais fácil e, sobretudo, mais facilitista.)

cumprimentos

Francisco V. Lopes disse...

Alguém disse "Mudam-se os tempos, mudam-se as consciências" Qual consciência?. A consciente talvez a outra não. Está na mesma. Os crimes são mais perfeitos.