sábado, 13 de março de 2010

De quem é a culpa?

Uma criança de 12 anos vítima de violência (bullying) por parte de colegas debullying escola suicidou-se. Um professor vítima de insultos, agressões e outras atitudes desrespeitosas por parte de alguns alunos suicidou-se. Com um intervalo de poucos dias ambos se atiraram ao rio e morreram afogados.

Segundo a maioria dos políticos, jornalistas, psicólogos, sociólogos e diversos outros especialistas que se têm pronunciado publicamente sobre o assunto, a responsabilidade de tais acontecimentos deve ser dividida entre as famílias, as instituições, nomeadamente as escolas, e as próprias vítimas, por serem - diz-se - psicologicamente frágeis. Da responsabilidade dos agressores, presumivelmente por serem menores, não se tem falado. (Escrevi acerca desse facto aqui.)

O desfilar dessas opiniões fez-me recordar uma página, lida há anos, do filósofo espanhol Fernado Savater.

«Nas minhas aulas de ética costumo apresentar o seguinte exemplo prático (…). Suponhamos uma mulher cujo marido empreende uma larga viagem. A mulher aproveita essa ausência para se juntar com um amante. Inesperadamente, o marido desconfiado anuncia o seu regressa e exige que a esposa o espere no aeroporto. Para chegar ao aeroporto a mulher tem de atravessar um bosque onde se esconde um terrível assassino. Assustada, pede ao seu amante que a acompanhe, mas este nega-se porque não deseja confrontar-se com o marido. Pede então protecção ao único guarda que há na aldeia, que também lhe diz que não pode ir com ela, pois tem de atender com zelo idêntico ao resto dos seus concidadãos. Recorre a vários vizinhos e vizinhas obtendo apenas recusas, umas por medo e outras por comodismo. Por fim, empreende a viagem sozinha e é assassinada pelo criminoso do bosque. Pergunta: quem é o responsável pela sua morte? Costumo obter respostas para todos os gostos (…). Existem os que culpam a intransigência do marido, a covardia do amante, o pouco profissionalismo do guarda, o mau funcionamento das instituições que nos prometem segurança, a falta de solidariedade dos vizinhos ou até a má consciência da assassinada… Poucos costumam responder o óbvio: que o Culpado (...), o responsável principal do crime, é o próprio assassino que mata.»

Fernando Savater, As perguntas da vida, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1999, pp. 155-156.

Que teria o leitor respondido a Savater se estivesse na sua aula? E quanto aos acontecimentos referidos: de quem é a responsabilidade? O facto dos alunos que insultaram e agrediram o rapaz e o professor serem menores de idade diminui ou anula a sua responsabilidade? Que devem as autoridades fazer em relação a eles: castigá-los ou apenas providenciar para que tenham apoio psicológico?

4 comentários:

Daniel F. Gontijo disse...

Penso que culpa deve ser diferenciada de "causa". Os colegas agrediam a criança e os alunos desrespeitavam e agrediam o professor, e esses podem ser apontados como fatores causais fortíssimos do suicídio. Mas colegas e alunos não tinham ciência de que aluno e professor se matariam — e muito menos intenção que eles o fizessem. Se a punição serve em parte para dissuadir o agente "infrator" (e outras pessoas) a cometer novamente um crime ou ação indesejada (no caso do bullying, p.e.), tal política não seria eficiente nos casos citados. O motivo é que a probabilidade de que alguém suicide por tais razões é muito baixa, e colegas e alunos que cometem bullying portanto não são afetados por tais tipos de consequências (normalmente inimagináveis).
A culpa pelo suicídio gravita mais, por tal perspectiva, para aqueles que o cometeram, porquanto tinham consciência de suas ações e poderiam portanto evitá-las (a não ser que estivessem insanos no momento em que o fizeram).

Carlos Pires disse...

Daniel:

Os agressores não são culpados do suicídio dos agredidos, são sim culpados pela agressão. E mereceriam ser punidos (por uma questão de reparação do mal feito e como forma de dissuasão) mesmo que os agredidos não se tivessem suicidado. Aliás, a maioria dos agredidos em circunstâncias semelhantes não se suicidam e não é por isso que os agressores deixam de merecer castigo.
Castigar (de modo proporcional à falta cometida e sempre sem crueldade) não exclui que se tente compreender o fenómeno e se tente prevenir novas ocorrências. Mas pretender que a prevenção é alternativa ao castigo é um erro, pois por muito bem que as instituições funcionem haverá sempre quem cometa crimes e outras faltas.

Obrigado pelo seu comentário.
Cumprimentos!

Daniel F. Gontijo disse...

Claro, Carlos, concordo com você! Colegas e alunos são culpados sim pelas agressões — mas não pelos suicídios — e deveriam portanto ser punidos por tais condutas (de forma proporcional à falta cometida, como você bem colocou).

Um abraço!

Carlos Pires disse...

Ok, Daniel, obrigado.