quinta-feira, 2 de julho de 2009

Como é que uma criança decide tornar-se cientista?

Espíritos curiosos

“Costumava sentar-me aos pés da cama para olhar pela janela para o pátio das traseiras. Ouvia o bairro. Mais ao longe, escutava os carros ou os camiões a passarem, e havia insectos que valia a pena ouvir, tudo a servir de banda sonora para minha solidão nocturna. Ficava a contemplar o pedaço de céu encaixado entre as árvores inclinadas para o relvado bem cuidado do vizinho. Perguntava a mim própria até onde é que conseguia ver, com que profundidade no espaço.

E todos os dias aconteciam coisas assim, e depois de centenas de dias destes receberia diplomas e trabalhos e títulos e tornar-me-ia cientista. São estas as linhas de que me lembro, as coisas que eu acho que sei. Como é que estas experiências se conjugaram para eu me tornar cientista e não música ou médica ou dona de casa? Não faço ideia.

Só sei que costumava ficar com um sentimento quase extático de orgulho ao pensar no nosso planeta belo e azul a rodopiar submissamente num mar de escuridão, num cosmos magnífico e imenso (…). Queria ver mais longe. Queria voar através da janela por entre as árvores, em direcção à cor densa do céu, e fundir-me com o que lá existisse. Noite após noite. Com a cara tão colada que embaciava o vidro da janela. Queria ver mais, saber mais, ser mais.

Quando as frustrações da ciência me desgastam, quando não suporto escrever mais uma candidatura a uma bolsa, fazer mais um cálculo detalhado, ouvir mais um seminário, ler mais um artigo cujo título é logo impenetrável (…), gostava às vezes de ter escolhido um caminho diferente. Já olhei para trás e perguntei-me como é que tinha chegado até aqui. Mas então, algum tempo depois, volta tudo ao seu lugar: continuo a ser a mesma miúda sentada sozinha em plena noite, entusiasmada só de olhar pela janela para o meu pedaço de universo, a querer saber que outras coisas existirão lá fora.”

Janna Levin, professora de Física e Astronomia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

«(…) o meu avó oferecera-me um texto emoldurado de Pavlov, o “Legado à Juventude Académica da Rússia” – ou, como ficou conhecido o Último Testamento de Pavlov -, escrito pouco antes de morrer em 1936, com oitenta e sete anos. Eis a passagem que ele me destacou:

Nunca tentem encobrir uma insuficiência de conhecimento, nem que seja através da mais audaciosa suposição ou hipótese. Mesmo que essa bola de sabão delicie os vossos olhos com o seu efeito, ela acabará inevitavelmente por rebentar e só vos restará a vergonha…

Por mais perfeita que seja a asa de um pássaro, nunca conseguiria fazer o pássaro levantar voo se não pudesse contar com o ar. Os factos são o ar de um cientista. Sem eles, nunca conseguirão voar. Sem eles, as vossas “teorias” não passam de esforços inúteis.»

Nicholas Humphrey, Professor Catedrático na London School of Economics, é um psicólogo teórico, conhecido internacionalmente pelo seu trabalho sobre a evolução da inteligência e da consciência humanas.

Estes dois excertos foram retirados do livro “Espíritos curiosos”, organizado por John Brockman e publicado em Portugal pela Editora Gradiva.

Este livro reúne um conjunto de testemunhos de vários cientistas (vinte e sete) reconhecidos internacionalmente pelo seu trabalho, nas diversas áreas da ciência, que respondem a esta questão: o que leva uma criança a decidir tornar-se cientista?

Permite-nos, também, reflectir acerca de algumas questões que se colocam no âmbito da filosofia da ciência, como por exemplo:

Qual é a natureza do conhecimento científico?

Como se caracteriza a actividade dos cientistas?

Como se pode distinguir o que é ciência e o que não é ciência?

Pela diversidade de experiências e de pontos de vista apresentados, julgo que é uma boa sugestão de leitura - para as férias e não só.

Votos de boas leituras!

4 comentários:

Anónimo disse...

Comigo não foi assim. Mas não é o ponto de partida que interessa...
O livro deve ser bom.vou lê-lo.
obrgada!
Wanda

Sara Raposo disse...

Wanda: Obrigada por ter aceite a minha sugestão.
O que é curioso, quando tentamos explicar a posteriori as nossas opções profissionais, é verificarmos como elas resultaram em parte de escolhas nossas mas também de uma certa dose de acaso e factores que não controlamos.
Pode até acontecer que não saibamos explicar ou não tenhamos consciência do modo como os diferentes factores se conjugaram para desenvolver o interesse pela actividade científica ou outra.

Anónimo disse...

Ainda não sou ciêntista porque só tenho 11 anos mas a minha paixão pela ciência começou quando tinha 9 anos e meio e gostava muito de ler um livro feito por Stephen Hawkind, para as crianças aprwenderem sobre o universo... Até que a minha mãe chamou-me para uma reportagem dele e eu pensei:
-Eu conheço; ele é o autor do meu livro cujo já li 2 vezes!
E começei investigar sobre ele e sobre o que fazia e adorei.
Com 10 anos começeia ler livros ciêntificos e abrir blogues e paginas do facebook que falacem sobre ciências.
E até agora faço isso!E amo <3

Sara Raposo disse...

Bom dia,

Espero que esse seus entusiasmo pela ciência se mantenha. Aconselho-lhe a leitura dos livros de divulgação científica do Carl Sagan e também o visionamento dos seus programas de televisão, excelentes!
Cumprimentos.