«As escolas secundárias, e o ensino em geral, burocratizaram-se. Esse foi o efeito infeliz de uma medida feliz: a massificação do ensino. Hoje as escolas são parte de uma máquina burocrática, gerida por burocratas que tudo o que procuram é a sua promoção pessoal e continuar a ganhar bem sem fazer nada. E para conseguirem isto têm de apresentar números felizes de sucesso escolar inventado. É assim que chumbar alunos é proibido, mesmo que mal saibam escrever. Aliás, agora já estamos na situação em que os próprios professores mal sabem escrever – os produtos do “sucesso” escolar já estão nas escolas a perpetuar o atraso nacional.
Mas as escolas não devem ser máquinas burocráticas. Devem ser centros vivos de estudo, centros de vida cultural, centros de transmissão e produção de conhecimento. As escolas devem assumir-se como pólos culturais fundamentais, e mostrar uma alternativa à cultura de realejo e do foguete, ao discurso para a televisão e sobre a televisão, e mostrar alternativas: a discussão das grandes ideias filosóficas, científicas, artísticas, históricas e religiosas. Mostrar que discutir ideias, expandir o nosso conhecimento, alargar a nossa compreensão, são não apenas actividades compensadoras em si, mas também elementos fundamentais para que uma sociedade seja capaz de vencer desafios com ideias novas e criativas, com soluções imaginativas e inteligentes. Este é o papel original das escolas.
Compete ao professor devolver às escolas a sua verdadeira vocação, e tirar das garras dos burocratas do Ministério e dos políticos cinzentos de discurso televisivo o destino das escolas. São essas pessoas que querem escolas passivas porque querem cidadãos passivos, que querem a cultura afastada das escolas porque o mote é dividir para conquistar. Mas a escola não pode nem deve dissociar-se da vida cultural e política de um país. A escola é o lugar onde se devia discutir ideias a um outro nível que não o da todo-poderosa televisão (…). Mas terão de ser os professores a reivindicar a autoridade nas escolas; terão de ser eles a dizer que quem manda são os professores, e não o contrário, e que os professores existem para servir os estudantes e a sociedade.
A escola tem de pugnar pela qualidade. Essa qualidade começa na sala de aula.»
Desidério Murcho, A Natureza da Filosofia e o seu Ensino, Plátano Editora, Lisboa, 2002, pp. 14-15.
A data de edição do livro é Julho de 2002. E hoje? Será a situação actual diferente? A resposta parece ser óbvia, mas fica ao critério do leitor.
Se clicar na capa do livro poderá obter mais informações acerca dele.
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