Chegou apressado ao pé dos amigos, sentados na esplanada a beber cerveja e a falar de futebol. Pediu desculpa pelo atraso e explicou que, ao estacionar, se tinha distraído e batido no carro do lado. “Ficou um bocado amolgado… Por sorte ninguém me viu! Fui pôr o meu carro noutra rua, pois tem um risquinho à frente e se o tivesse deixado lá as pessoas iriam provavelmente relacionar as coisas.” Quando lhe perguntaram se conhecia o proprietário disse que sim e perguntou: “Acham que lhe devo dizer que fui eu e pagar o prejuízo?” Os outros riram-se e disseram em coro: “Estás maluco ou quê?”
Pediram mais cervejas e regozijaram-se todos com a sorte do amigo não ter sido apanhado. De repente, perceberem que estavam a falar demasiado alto e que podiam ser escutados e calaram-se, atrapalhados. Apesar das mesas mais próximas estarem vazias e eu ter a cabeça enterrada num livro, a conversa foi retomada com as peripécias das transferências de jogadores de futebol.
O livro não era o Górgias de Platão, mas não pude deixar de recordar as palavras de Sócrates, que depois fui reler:
“Não desejo nem uma nem outra; mas se fosse preciso escolher entre sofrer a injustiça e cometê-la, preferiria sofrê-la.”
“O homem culpado, tal como o injusto, é infeliz em qualquer caso, mas é-o sobretudo se não pagar as suas faltas e não sofrer o respectivo castigo; é-o menos, pelo contrário, se as pagar e se for castigado pelos deuses e pelos homens.”
Se aqueles bebedores de cerveja fizessem parte do grupo de pessoas que – segundo conta Platão no diálogo Górgias - ouviu Sócrates tentar persuadir Polo acerca da verdade dessas afirmações, certamente bradariam: “Estás maluco ou quê?”
(As afirmações citadas foram retiradas de: Platão, Górgias, (469c e 472e), Lisboa Editora, 1995, pp. 78 e 83.)
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