Em Portugal, nos meses de Verão e na época de Natal, costuma aumentar o número de animais domésticos abandonados na rua pelos donos e o número de pessoas idosas abandonadas no Hospital pelos familiares (após uma ida às Urgências).
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Em ambos os casos o motivo é o mesmo: as férias. O cão, o gato, o canário, a avó ou o avô iriam atrapalhar as férias.
“Em tempo de aulas e de trabalho, o Calipso é um cãozinho giro e levá-lo a passear até permite espairecer, mas andar com ele atrás no Algarve… Seria muito incómodo!”
“Quando o avô ainda andava bem, era uma sorte poder contar com ele (ia buscar os miúdos à escola, levava-os ao parque…), mas agora que mal se levanta do sofá só dá trabalho… Iríamos sufocar se tivéssemos de o aturar na praia!”
Há acções – como mentir para evitar um mal eventualmente pior – que podem ser consideradas moralmente certas ou moralmente erradas consoante a perspectiva ética com que forem examinadas. Contudo, isso não sucede com o abandono de animais domésticos e de pessoas idosas: seja qual for a perspectiva ética adoptada são acções que devemos considerar moralmente erradas.
Se fizermos uma abordagem utilitarista das situações, verificamos que o sofrimento provocado nos seres abandonados não é tido em conta, sendo apenas considerado o bem-estar e outros interesses de alguns dos envolvidos. É manifesto que o sofrimento provocado num cão abandonado na rua ou num idoso “esquecido” durante semanas num Hospital é muito maior que os incómodos suscitados pela conciliação das idas à praia e à discoteca com a necessidade de cuidar do cão e com as dificuldades de locomoção do idoso. E isso mostra que são acções erradas e que não devem ser feitas.
Se fizermos uma abordagem deontológica, verificamos que – nas palavras de Kant – os seres abandonados são considerados meros meios e não fins em si mesmo. Enquanto foram úteis foram queridos e apreciados, mas agora que a sua utilidade imediata desapareceu ou diminuiu são postos de lado, são – sem nenhuma consideração pelos seus próprios interesses - jogados fora como se fossem sapatos velhos ou brinquedos partidos. Como se fossem meros objectos. E isso mostra que são acções erradas e que não devem ser feitas.
[Nem a abordagem utilitarista nem a abordagem deontológica implicam que se considere que há uma equiparação moral completa entre o mal de abandonar um animal doméstico e o mal de abandonar uma pessoa idosa. Tanto uma perspectiva como outra permitem reprovar moralmente um dano provocado num animal não humano e considerar que um dano semelhante provocado num ser humano é moralmente mais grave (uma vez que este sendo racional e tendo consciência de si sofre mais, pois ao sofrimento físico acrescenta-se o sofrimento psíquico – que, mesmo que também exista nalguns animais, é, por razões neurológicas óbvias, menor que nos humanos).]
Muitas pessoas, nomeadamente alguns filósofos, consideram que os animais não humanos não têm direitos. Mas, mesmo essas pessoas, em princípio consideram errado abandonar os animais domésticos, pois embora não lhes reconheçam direitos consideram que nós temos deveres em relação a eles – nomeadamente o dever de não os deixar morrer de fome.
Esperemos por isso que este Verão haja uma diminuição e não um aumento dos números de animais domésticos e de idosos abandonados. E, já agora, que essa diminuição se deva à consciência moral e não ao facto da crise económica não permitir que muitas famílias vão de férias para fora.
2 comentários:
Gostei bastante deste post. Foi bastante esclarecedor e interessante. Parabéns.
Obrigado João Pedro. Na etiqueta "direitos dos animais" encontra outros relacionados.
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