domingo, 1 de março de 2009

Escolhas realmente difíceis

Dedicado aos professores que entregaram os objectivos individuais
Nos países onde existem ditaduras há sempre pessoas que são ameaçadas, ou até torturadas, para confessarem delitos ou denunciarem os delitos dos outros. Devia ter escrito a palavra entre aspas, pois normalmente não se trata realmente de delitos, mas apenas de opiniões ou actividades políticas mal vistas pelo poder. Muitas dessas pessoas não resistem, mas algumas resistem e não confessam nada nem denunciam ninguém.
Aconteceu em Portugal antes do 25 de Abril. Aconteceu na Alemanha nazi. Aconteceu na União Soviética e em muitos outros países comunistas. Aconteceu nas ditaduras sul americanas. Acontece na Coreia do Norte. Acontece no Zimbabwe. Acontece no Iraque. Aconteceu e acontece em muitos outros países, pois infelizmente nenhuma dessas duas listas é exaustiva.
Quero endereçar um voto sincero aos professores que, apesar de discordarem do modelo de avaliação que o governo tem tentado impor, ESCOLHERAM entregar os objectivos individuais, devido ao medo de serem penalizados financeira e profissionalmente.
Desejo que nunca precisem – por longa que seja a sua vida – de fazer uma escolha mais difícil do que essa. Por exemplo: espero que nunca precisem de escolher entre a sua integridade física e a denúncia de um vizinho ou de um colega à polícia política.
Se esses professores nunca precisarem de fazer uma escolha mais difícil do que essa, tal significará que em Portugal continuaremos a viver em democracia. Resta é saber se a sua “saúde” continuará tão frágil como agora – em que os governantes e outros representantes do Estado não torturam prisioneiros, mas apreendem livros supostamente pornográficos e tentam fazer reformas tão importantes como a avaliação dos professores através de ameaças e chantagens.


7 comentários:

Porfirio Silva disse...

Em minha modesta opinião, certas comparações dizem mal de quem as faz. Da lucidez de quem as faz, quero dizer.

Alferes disse...

Há poucas diferenças entre uma maioria absoluta e uma ditadura - a maior é que a primeira pode terminar por vontade expressa em votos. É mais fácil, mais cómodo e mais seguro, "enquanto isto não muda", entrar no sistema e esperar que os outros resolvam a questão.

Carlos Pires disse...

A Modéstia é uma categoria demasiado equívoca para classificar as opiniões, sobretudo as próprias.

Pela minha parte situo o Porfirio numa categoria pouco modesta:

A categoria das pessoas inteligentes que tentam justificar uma causa injustificável - Brecht defendeu cegamente o comunismo, Jorge Luís Borges defendeu a ditadura argentina, o Pacheco Pereira defendeu não todo mas quase todo o cavaquismo e quase todo o Cavaquistão, etc.
E o Porfirio defende o PS e o governo de Sócrates com o espírito de "defender o quadrado".

Talvez haja alguma nobreza nessa cegueira, pois percebe-se que resulta de princípios e não interesses - só que são princípios que nada têm a ver com a realidade.

O governo de Sócrates tem tomado diversas medidas que, aliadas a uma prática de controlo da comunicação social, empobrecem a democracia.
E a ministra da educação e os seus 2 secretários de estado são profundamente incompetentes e inábeis (desastrados mesmo) politicamente. - E como o Porfirio muito bem sabe imensas pessoas do PS pensam o mesmo.

Por isso, não houve nenhuma falta de lucidez da minha parte.

Carlos Botelho disse...

O discurso (e a "prática" política) miseravelmente ameaçadora de Sócrates/Lurdes Rodrigues & Ca. (sempre ajudados pelo solícito Albino) são, precisamente, excelentes razões para a "desobediência" da entrega dos "objectivos". Os que entregam os objectivos, na verdade, entregam bem mais do que isso.

Porfirio Silva disse...

Carlos Pires:
Infelizmente você insiste em tratar-me como defensor cego de alguém, de algum partido, de alguma instituição. Parece ver nisso a vantagem que um argumento "contra o homem" encapotado. A única chatice disso é que o retrato não casa comigo.
Lamento ter de lho dizer desta maneira, mas a minha história de vida mostra que eu não estive nunca à venda, nunca deixei constranger a minha liberdade de opinião pelas conveniências - e por isso não lhe reconheço autoridade para me dar lições nessa matéria.
Seria muito agradável poder conversar consigo sem ter de passar primeiro pela muralha dos seus preconceitos defensivos. Infelizmente, você só lê as coisas que eu escrevo quando eu não concordo com os críticos de Sócrates - mas nunca lê as minhas críticas ao governo ou ao partido do governo. Se é a sua "posição de classe" (para parodiar um tema marxiano) que o impede de conversar de outra maneira, lamento.

Anónimo disse...

Uma maioria absoluta, muitas vezes, é uma ditadura encapotada...pensem nisso!

Aires Almeida disse...

Há coisas curiosas. Houve uma altura em que fiquei contente por achar que vinha aí finalmente uma avaliação a sério dos professores. Vi com mais cuidado e descobri que não era bem assim.

Numa segunda fase, tentei ver o que seria bom mudar no modelo de avaliação e descobri que era muita coisa, algumas delas gravíssimas. Mudaram umas e outras não, um bocado ao acaso. Tentei discutir e argumentar. Em vão.

Chegou uma altura em que comecei a irritar-me e a perder a paciência, achando que se não ía a bem, tinha de ir à martelada. Descobri que o medo falava mais alto, afinal.

Estou agora numa nova fase (falo sempre em termos psicológicos, claro), que é a mais tranquila: nem sequer gasto um minuto a pensar no assunto da avaliação e da entrega dos objectivos individuais.

Aborrece-me mesmo discutir o assunto. De tal modo que, na minha escola, o prazo de entrega dos objectivos individuais termina na próxima sexta-feira, dia 6 de Março, e a minha mente rejeita sequer perder um minuto com isso.

Tranquilamente, irei fazer na sexta-feira apenas aquilo que sempre fiz nas sextas-feiras, desde que o ano começou: cumprir o meu horário e ensinar os meus alunos o melhor que sei. Quero lá saber da treta dos objectivos individuais.

Aliás, não tenho, nem alguma vez tive, objectivos individuais. Os meus objectivos são cumprir o programa, preparar bem as aulas, cumprir o horário, etc. Ou seja, os mesmos que todos os outros colegas.

Como não tenho objectivos individuais, não posso entregar o que não tenho. Tranquilamente.