Fernando Savater escreveu este livro para o seu filho de quinze anos porque, do seu ponto de vista, “a reflexão moral não é apenas um tema especializado, sobretudo para aqueles que desejem frequentar cursos superiores de filosofia, mas parte essencial de qualquer educação digna desse nome”.
Alguns dos problemas e das teorias abordados numa disciplina filosófica chamada Ética, como por exemplo: a liberdade, o determinismo e a consciência moral, são apresentados de forma interpelativa, numa linguagem clara e com casos ilustrativos que remetem para o cinema, para a literatura e para situações da experiência pessoal de cada um de nós.
Fazer pensar, quem não está muito disposto a isso, acerca da aplicabilidade das teorias filosóficas às questões da vida, é um dos objectivos deste livro.
Faço notar que irei considerar – para os meus alunos do 10º ano - a leitura de alguns dos capítulos da Ética para um Jovem como obrigatória durante o segundo período. Portanto, como poderão verificar entre as inúmeras vantagens de ler agora este livro, há uma muito significativa: realizar, com o tempo requerido a uma análise e reflexão cuidadosas, uma tarefa que contribuirá, talvez, para melhorar o desempenho na vida em geral (atrevo-me a dizer) e na disciplina de Filosofia em particular.
Eis algumas passagens para ilustrar o que já foi dito sobre a pertinência e o interesse deste livro:
“Na realidade existem muitas forças que limitam a nossa liberdade, dos terramotos ou doenças aos tiranos. Mas também a nossa liberdade é uma força no mundo, a nossa força. Contudo, se falares com as pessoas, verás que a maioria tem muito mais consciência daquilo que limita a sua liberdade do que da própria liberdade. Vão dizer-te: «Liberdade? Mas de que liberdade me estás a falar? Como seremos livres, se nos lavam o cérebro a começar pela televisão, se os governantes nos enganam e nos manipulam, se os terroristas nos ameaçam, se as drogas nos escravizam, e se além disso me falta dinheiro para comprar uma mota, que era o que eu queria?» Se reflectires um bocadinho, verás também que os que falam assim parecem queixar-se, mas na realidade estão muito satisfeitos por saberem que não são livres No fundo pensam:« Uf! Que belo peso tiramos de cima das costas! Como não somos livres, não podemos ter culpa de nada do que nos aconteça…» Mas eu tenho a certeza de que ninguém – ninguém – acredita deveras que não é livre, ninguém aceita sem mais que funciona como um mecanismo inexorável de relojoaria (…). Uma pessoa pode considerar que optar livremente por certas coisas em certas circunstâncias é muito difícil (por exemplo: combater firmemente um tirano) e que é melhor (…) lamber a bota a quem nos pisa a garganta. Mas nas tripas sentimos qualquer coisa que insiste em dizer-nos: «Se tivesses querido… »”(págs. 24-25)
“(…) vamos ver um belíssimo filme realizado e interpretado por Orson Welles: O Mundo a seus pés (Citizen Kane). (…) Kane é um multimilionário que, com poucos escrúpulos, reuniu no seu palácio uma enorme colecção de todas as coisas belas e caras do mundo. Tem tudo, sem sombra de dúvida e utiliza todos os que o rodeiam para obter os seus fins (…). No fim da vida, passeia sozinho pelos salões da sua mansão, cheia de espelhos que lhe devolvem mil vezes a sua própria imagem (…). Acaba por morrer, murmurando a palavra: «Rosebud» (…) o nome escrito num trenó com que brincava em menino (…). Pode-se ser esperto para os negócios ou para a política e um solene asno para coisas mais sérias, como é este problema do viver bem ou não viver bem. Kane era espertíssimo no que se referia a dinheiro e manipulação de pessoas, mas acabou por se dar conta que estava enganado no fundamental. Errou quando mais lhe convinha acertar. Vou repetir-te uma palavra que me parece decisiva neste assunto: atenção. (…) Refiro-me à disposição para reflectir sobre aquilo que se faz e tentar precisar o melhor possível o sentido dessa «vida boa» que queremos viver (…).” (págs. 54-55 e 63)
“Um grande poeta e contista argentino, Jorge Luís Borges, faz no começo de um dos seus contos a seguinte reflexão sobre um certo antepassado seu: «Couberam-lhe, como a todos os homens, maus tempos para viver.» Com efeito, ninguém viveu nunca em tempos completamente favoráveis, em que fosse simples ser-se humano e viver uma vida boa. Sempre houve violência, espoliação, cobardia, imbecilidade (moral e da outra), mentiras aceites como verdades porque agradáveis de ouvir… A ninguém a vida boa é oferecida, e ninguém consegue o que lhe convém sem coragem nem esforço (…). A única coisa que te posso garantir é que nunca se viveu na Terra da Facilidade e que a decisão de viver bem temos que a tomar, cada um de nós, a respeito de nós próprios, dia a dia (…).” (págs. 76-77).
Nota: As citações foram retiradas a partir do livro de Fernando Savater, Ética para um jovem, Lisboa, 1993, Editorial Presença.
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