sexta-feira, 29 de maio de 2009

A relação entre o salazarismo e os professores portugueses: quem enfia o balde, perdão, o barrete?

O que aprendi de História e de Sociologia nunca me permitiu perceber como é o Dr. Salazar conseguiu impor a sua medíocre ditadura durante tantos anos. Li e ouvi muitas explicações dadas por historiadores e sociólogos, mas pareciam-me sempre demasiado abstractas e vagas.

Contudo, ao observar a reacção da maioria dos professores ao modo absurdo como este governo tenciona avaliá-los (manifestaram-se em Lisboa quando estavam a ser exibidos na TV e depois, à calada e com o rabinho entre as pernas, entregaram os objectivos individuais) e a reacção desses mesmos professores ao iníquo estatuto do aluno (queixam-se na sala de professores das inúteis medidas correctivas, das estúpidas provas de recuperação que são obrigados a fazer e do trabalho burocrático excessivo – e pedagogicamente improdutivo! - que tudo isso envolve, mas depois são incapazes de deixar escrito nas actas das reuniões aquilo que pensam e que experienciam; e alguns, para evitar todas essas chatices, deixaram de ser rigorosos na marcação das faltas e, por exemplo, fecham os olhos quando os alunos chegam muito depois da hora), é que finalmente consegui perceber a durabilidade do Dr. Salazar. De modo concreto e não abstracto.

Já agora, aproveito para agradecer a esses meus caros colegas a preciosa lição.

balde Se amanhã a ministra da educação e os seus secretários de estado (a pior equipa ministerial que já houve na Educação em Portugal, por muitos anos que se recue) dissessem que os professores portugueses têm de enfiar um balde na cabeça para dar as aulas, milhares deles fá-lo-iam. Muitos nem sequer discutiriam ou perguntariam porquê; outros discutiriam, fariam algum barulho, mas depois enfiariam o balde na cabeça.

A causa dessa atitude é uma peculiar mistura de medo e de ausência de espírito crítico, muito bem captada pela expressão (tão portuguesa como os 3 efes: fado, futebol e Fátima) "o respeitinho é muito bonito".

Infelizmente, essa atitude não é específica dos professores. Encontra-se em muitos outros sectores da sociedade portuguesa.

Por isso é que o Dr. Salazar mandou em Portugal do modo que mandou de 1928 (estou a incluir o período em que foi ministro das Finanças) até 1968. Por isso é que a sua queda da cadeira não provocou o fim do Estado Novo, tendo este sobrevivido até 1974, com o governo um pouco mais soft do Dr. Marcelo Caetano. Por isso é que o motivo determinante do 25 de Abril e do fim da ditadura não foi a revolta pela falta de liberdade, mas sim uma queixa salarial e corporativa dos militares.

Esse modo de ser típico de muitos portugueses (mas não de todos, felizmente) encontra-se muito bem retratado nesta inteligente e divertida canção dos Deolinda. Inteligente, divertida e tristemente verdadeira.

Carlos Pires

4 comentários:

andré disse...

Olá Carlos

Sem ter tão categórico como tu, penso que tens um pouco razão. Mais do que a falta de espírito crítico é a falta da prática do espírito crítico (o que vai quase dar ao mesmo). Criticamos muito, demasiado até, mas depois não somos consequentes com essa crítica (nem a fazemos no locais certos nem nos moldes correctos). E esse medo não sei bem de quê (nasci depois do 25 de Abril, nunca tive razões para ter medo) que nos tolda a acção...

Mas sou mais optimista, em 2 ou 3 gerações isto passa-nos...é pena já não estar cá para ver lol

Carlos Pires disse...

André:

Obrigado pelo teu comentário.

A diferença entre 'falta de espírito crítico' e 'falta da prática do espírito crítico' não me parece muito relevante. Como tu próprio disseste, 'vai quase dar ao mesmo'.

Escreveste "Criticamos muito (...) não somos consequentes". Não sei se te apercebeste, mas falaste de uma classe inteira: o que não ficou claro, é se são todos os professores ou todos os portugueses.

Pela minha parte, discordo em ambos os casos.Os professores não são todos assim. Os portugueses não são todos assim. A maioria é, mas não todos. E foi isso que escrevi no post: não falei de todos, falei apenas de alguns - infelizmente, a maioria.

Não partilho o teu optimismo, André. Mas garanto-te uma coisa: gostava muito de estar errado em relação a isto. Adorava estar enganado! Infelizmente, tenho a certeza que não estou. Justifico essa certeza com inúmeras notícias divulgadas pela comunicação social, com informações dadas por colegas de outras escolas e por aquilo que observo todos os dias na nossa escola.

Abraço.

R disse...

«Por isso é que o Dr. Salazar mandou em Portugal do modo que mandou de 1928 (estou a incluir o período em que foi ministro das Finanças) até 1968.»

Associar o "respeitinho é muito bonito" ao facto de o Dr. Salazar subir ao "poder", é no mínimo injusto. Tanto quanto sei, ele não "subiu" ao poder, foi convidado para tutelar a pasta das finanças. Com sucesso, diga-se.
Posteriormente o Dr. Salazar não faria nada, visto que vigorava a Constituição da I República. A bom rigor, os Portugueses deram-lhe o poder. Existiu um plesbiscito para a II Constituição. Em bom rigor, foram os Portugueses, não tanto pelo respeitinho, mas por necessidade.

Quanto à golpada "miliciana", tem absoluta razão, o 25 de Abril, não cresceu de nenhum ímpeto libertário, mas de um interesse minoritário....

Carlos Pires disse...

Mancha Negra:

Salazar foi convidado para ministro das finanças pelos militares vencedores de um golpe de estado.
Quanto ao plebiscito da constituição... não foi propriamente um acto eleitoral livre (tal como as eleições presidenciais).
Os portugueses não deram, portanto, o poder ao Dr. Salazar. Ele usurpou-o, como é costume dos ditadores.
Mas tem razão numa coisa: o "respeitinho" é anterior a Salazar, este não o inventou, apenas o promoveu e utilizou-o a seu favor.