domingo, 31 de maio de 2009

Humilhação e farsa

magritte-rene-la-victoire-A Vitória de René Magritte (1938).

Alguns dos acontecimentos que presenciámos ao longo deste ano lectivo (a enorme quantidade de legislação absurda sobre a avaliação dos professores – saíram despachos atrás de despachos, os últimos alterando e corrigindo os anteriores, antes de serem também corrigidos -, o modo desrespeitoso como o Governo lidou com os professores; e, por outro lado, as manifestações e greves dos professores) terão reflexos pouco positivos no futuro da educação em Portugal.

Por mim serão lembrados como uma humilhação (as acções do Governo) e uma grande farsa (as acções do Governo mas também as reacções dos professores). A resistência inicial e o repúdio pelo modelo de avaliação imposto deram lugar, depois das várias formas de intimidação utilizadas pelo Governo, à aceitação passiva por grande parte dos professores. A posição destes poderá ser justificada pelos interesses pessoais em jogo, ou por outras razões, certamente legítimas. Todavia, em termos práticos, significou a aceitação de um modelo avaliativo injusto e ineficaz (como, aliás, a maioria das pessoas reconhece) e cuja aplicação terá, do meu ponto de vista, consequências negativas para o futuro da educação em Portugal e da carreira docente em particular.

As escolas tornaram-se lugares onde reina a hipocrisia e em que os professores avaliados procuram – naturalmente, com muito profissionalismo e mérito - promover-se através de inúmeras actividades, em que a visibilidade é uma condição mais importante que o facto destas incidirem sobre aspectos pedagógicos relevantes.

A todos estes meus colegas, que não vislumbravam virtudes neste modelo de avaliação, mas se submeteram a ele, desejo que possam obter o Excelente, pois demonstraram possuir uma competência fundamental: não questionar as ordens vindas de cima.

Quanto aos Directores das escolas e as demais Comissões de Avaliação, desejo que façam um excelente trabalho: justo e com a objectividade e rigor que as inúmeras grelhas e orientações emanadas do Ministério decerto permitirão.

Em relação ao futuro menos imediato: espero que os professores possam vir a ser avaliados, sem humilhação e farsa, pela sua competência científica e pedagógica e com a justeza e a imparcialidade que o modelo actual de avaliação não permite.

4 comentários:

Manolo Heredia disse...

O paradigma à volta da missão do Ensino em Portugal mudou muito nos últimos 30 anos, devido às alterações políticas ocorridos após o 25/04/75 que induziram novos conceitos de liberdade / autoridade em todas as áreas de convivência social, em especial nos mundos do trabalho e da escola. A massificação do acesso ao Ensino, que já tinha dado origem à Reforma de Veiga Simão (ainda no tempo da “Outra Senhora”) conduziu à necessidade de recrutamento maciço de professores, muitos deles sem vocação para a profissão e ou sem formação adequada. Durante muitos anos os licenciados iam para professores “à falta de melhor profissão”. Não era aquilo que queriam para a sua vida, mas… não tinham outra “saída”.
Este panorama, conjugado com a perda de autoridade dentro da sala de aula, induzida pelos valores propalados fora da escola, aonde muitas vezes se confundia liberdade com desresponsabilidade ou porque as escolas passassem a ser palco de lutas partidárias no seu interior, aonde cada um pretendia implementar a sua ideia daquilo que deveria ser O Ensino, chegou-se ao estado actual, em que ninguém gosta do que tem mas também ninguém sabe como deveria ser. Porque não há um consenso Nacional sobre a Missão do Ensino Público em Portugal, que é a base necessária para a definição lógica da missão dos agentes desse ensino.
Não havendo esse consenso, cada partido, faz aquilo que acha melhor quando está no poder, vindo a seguir outro partido desfazer o que este fez e repor os seus próprios conceitos. A tentação de quase todos os partidos é de baixar custos, optando pela lógica de “quem quer ensino de qualidade que o pague”, à semelhança do que acontece com a Saúde, a Justiça, a Segurança. Isto é, relativamente a todas as funções que eram da responsabilidade do Estado tradicionalmente. Menos Estado, Liberalismo.
O que a Ministra quer é baixar os custos do Ministério, o que os professores querem é não perder os privilégios que adquiriram no processo atrás descrito. À tão simples como isto!
Nenhuma reforma do ensino terá sucesso enquanto não existir um Pacto de Regime (como se usa dizer agora) que defina a Missão do Ensino Público. É a partir dessa definição que se definem os Objectivos do Ensino (as metas a atingir) e a partir destes os Meios Necessários, e a partir destes o Orçamento do Ministério. Até agora tudo tem sido feito ao contrário, anda o carro afrente dos bois!

João Silva disse...

Saudações!

Concordo que o modelo proposto para avaliar professores é incrível. Fico perplexo com tal modelo, mas fico ainda mais perplexo com o facto de haver pessoas que o apoiem. Lembra-me um pouco a história d´"O Rei Vai Nú".
Este modelo premeia esxactamente os que nao devia premiar e prejudica os que não devia prejudicar.
É inacreditavelmente, ridiculamente, absurdamente mau!


Dito isto, este texto permitiu-me descobrir uma questão que me parece deveras interessante:
"Será justo fazer greve?"

Pensando um bocadinho no assunto chego à conclusão de que é injusto.

Os trabalhadores assinam os seus contratos com a entidade patronal em liberdade. Sendo assim, não faz sentido os trabalhadores desrespeitarem o contrato sem que a outra parte o desrespeite. Seria como pedir dinheiro emprestado e depois não pagar de volta porque se considera as condições do empréstimo injustas.

Assim, à primeira vista, apesar de ser motivada nobremente, a greve dos professores parece-me injusta. Quando estes decidiram ser professores já sabiam que o Estado podia reformar a Educação, o que inclui fazer reformas parvas.

É justo manifestar-se contra mas desrespeitar o contrato assinado não.

Tendo em conta que o direito à greve é um daqueles fundamentais, gostava muito de testar a minha tese com outras opiniões.

Cumprimentos e parabéns pelo excelente blog

Sara Raposo disse...

João Pedro:

Começo por lhe pedir desculpa, pois não respondi ainda ao seu comentário sobre Kant. Fá-lo-ei daqui a alguns dias,uma vez que agora ando a corrigir testes.

Agradeço as suas pertinentes observações acerca da avaliação dos professores.

Quanto à discussão do direito à greve ser ou não justo enquanto forma de protesto, não tenho tempo de agora falar de todos os aspectos envolvidos, mas vejamos alguns dos mais relevantes.
O trabalhador ao fazer greve não recebe o salário - ou seja, fazer greve não é uma forma de preguiça ou de desresponsabilização.
O contrato estabelecido não contém definitivamente todas as condições a que o trabalhador irá estar sujeito, nomeadamente as alterações salariais ou de estatuto e de condições de trabalho. Por isso, assinar o contrato não implica a aceitação de todas as decisões da entidade patronal. Discordar de algumas, ou eventualmente de todas, as decisões posteriores dessa entidade patronal não é contraditório com o facto de ter assinado o contrato.
Sendo assim, saber que poderão ser feitas reformas parvas na educação (cito as suas palavras) e aceitar isso passivamente não tem de fazer parte do exercício da profissão de professor. Deve-se, até por motivos de cidadania e ética, contestar legalmente certas medidas do governo que se consideram injustas. Daí o direito à greve. Este existe porque vivemos numa democracia e, como tal, os cidadãos têm liberdade em expressar, através deste mecanismo legal, a sua contestação a determinadas medidas políticas. Se assim não fosse e, como refere, o contrato tivesse de ser definitivo, os trabalhadores eram reféns da entidade empregadora e poderiam ser vítimas de injustiças, sem terem meios para reclamar - o que acontece nas ditaduras.

Cumprimentos.

Sara Raposo disse...

Manolo Heredia:
Agradeço as suas pertinentes observações, com as quais concordo em parte. Gostaria de salientar que não concordo com a expressão que utiliza: Missão do Ensino Público, significa o quê?
Considero que a profissão de professor não tem de ser encarada como uma missão.
Tenho perante os meus alunos o dever de os ensinar o melhor que posso e sei: o que procuro fazer, mas julgo que o facto de ter outros interesses fora do ensino e não me esgotar - como fazem os missionários numa única causa - permite-me ser melhor professora.
Quanto aos privilégios que os professores lutam por não perder - não sei bem de que fala. Sou professora de 140 alunos (5 turmas e directora de turma), passo horas - muitas, muitas... horas - sem fim a corrigir testes, fichas e trabalhos em casa, muitas vezes ao fim de semana. Tenho condições de trabalho péssimas (e há professores que ainda têm pior que eu). Tenho pouco tempo para ler e realizar outras actividades que, certamente, me fariam ser melhor professora do ponto de vista científico e pedagógico. De que privilégios fala? Quem em Portugal leva a profissão de professor a sério passa a vida a sacrificar a sua vida pessoal e muitas horas de sono, isto se quiser desempenhar o seu papel como deve ser. E não há alternativa a isto, por isso não sei do que fala. Deve informar-se melhor e falar com professores que como eu têm 18 anos de serviço e são estas as condições que têm actualmente.
Quanto à solução que aponta, espero que tenha razão, mas sou bem mais pessimista.