«Uma teoria é científica se e só se faz previsões inequívocas sobre um fenómeno, esse fenómeno pode ser testado, os resultados podem ser negativos e a teoria pode, portanto, ser infirmada. Ou seja: se podem ser concebidos testes que provem que a teoria é falsa. Este critério é hoje universalmente conhecido como o critério da falsificabilidade de Popper: uma teoria é científica se e só se é falsificável.
Por exemplo: a mecânica newtoniana é falsificável e, portanto, científica. Em face de um fenómeno concreto, realiza previsões inequívocas que podem ser testadas e, portanto, invalidar a teoria. Um exemplo concreto, após 250 anos de sucessos, é o da precessão do periélio [ponto mais próximo do Sol] de Mercúrio: a mecânica clássica [newtoniana] fazia previsões que se afastavam da realidade por um factor de 2. Essa falsificação da mecânica clássica abriu as portas à aceitação da relatividade geral [de Einstein] como modelo mais aperfeiçoado de uma teoria da gravitação. E forneceu também um aviso real: nenhuma teoria científica está imune à revisão.
Como exemplo de uma teoria não científica podemos tomar a astrologia. É claro que se trata de uma teoria não falsificável. As previsões astrológicas são suficientemente vagas para nunca admitirem um teste de falsificabilidade (‘este ano tenha atenção à sua saúde’ ou ‘em Março morrerá uma figura mundialmente conhecida’, em vez de ‘a 15 de Abril vai partir uma perna’ ou ‘o papa vai morrer entre 10 e 17 de Março’). No caso (altamente improvável) de alguma vez algum astrólogo emitir uma previsão falsificável não verificada, ouve-se um coro de explicações ad hoc (…). As mais comuns são observações como ‘a astrologia funciona nalguns casos’. Em que casos não funciona? Ninguém sabe. Em que casos funciona? Ninguém sabe. O que os distingue (…)? Ninguém sabe. Assim, a astrologia está legitimada, quer acerte quer falhe as previsões. Ou seja, não é falsificável. Portanto, não é científica. É uma pseudociência.»
Jorge Buescu, O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias, 9ª edição, Gradiva, Lisboa, 2004, pág. 13.
Se quiser ler mais sobre a precessão do periélio de Mercúrio e sobre as previsões erradas da mecânica newtoniana acerca desse fenómeno clique aqui e aqui.
4 comentários:
Não será a Astrologia falsificável? Creio que já se fizeram vários testes (perguntas com opções múltiplas) aplicando métodos astrológicos e os resultados nunca sairam do intervalo esperado da resposta aleatória. Desta forma, pelo menos para certos métodos da Astrologia, há evidências a favor da sua falsidade.
João Pedro (sLx):
Não conheço os testes que referiu (se quiser descrevê-los e explicá-los agradeço).
Seja como for, suponho que esses testes constituem uma avaliação exterior à teoria astrológica, algo que lhes é imposto por pessoas que dela descrêem e não algo que é feito por iniciativa desses defensores. Os defensores da astrologia procuram, pelo contrário,mostrar que a teoria é imbatível e que explica tudo e mais alguma coisa.
Dizer que uma teoria é falsificável é dizer que a própria teoria indica as condições em que falha, em que poderá ser considerada falsa. Os testes que referiu mostram que uma teoria pseudocientífica que se apresenta como infalsificável é - afinal - falsa. Só que Popper não diz que basta uma teoria ser falsa para ser científica - diz é que para ser científica tem de ser apresentada (e, mais do que isso, concebida) como falsificável. É diferente.
João Pedro (sLx):
Esqueci de referir uma coisa relevante na minha resposta ao seu comentário. O que escrevi não significa que o critério da falsificabilidade seja insusceptível de críticas. Não é - há diversas objecções contra ele, possivelmente mais fortes que esse critério. Desgraçadamente, tendo em conta a exagerada extensão do programa de filosofia do 11º ano, as objecções mais fortes costumam ser deixadas de fora.
Se o João Pedro, ou ou outro leitor qualquer, estiver interessado numa discussão mais profunda do problema sugiro que leia alguns textos (mais profundos mas claros) recentes da Crítica e do blog associado a essa revista (no post "Um diálogo sobre o falsificacionismo" - http://blog.criticanarede.com/2009/05/um-dialogo-sobre-o-falsificacionismo.html - pode encontrar todos os links).
Obrigado pela resposta. Eu também não estava a pensar a Astrologia como potencial teoria científica, apenas como falsificável. Mas de facto, o que ocorre é que se recolhe evidência da sua falsidade através de métodos científicos que não estão incluídos na própria Astrologia.
Quanto aos testes, também não lhe sei dar referências. Lembro-me de ter lido há uns anos que realizaram um conjunto de testes perante astrólogos (por exemplo, recolhendo dados da personalidade de várias pessoas anónimas de forma a que um dado astrólogo descobrisse qual o seu signo) e as respostas não se afastaram do esperado estatístico.
Quanto à discussão sobre o critério da falsificabilidade, tenho-a seguido :-) Um excelente esforço!
Cumprimentos,
João Pedro
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