A reflexão acerca de problemas filosóficos como o livre-arbítrio, a existência de Deus ou a eutanásia pode ser feita com vários graus de complexidade e exigência. Todavia, seja qual for esse grau, se for feita com seriedade implica sempre algumas dificuldades, pois leva-nos a analisar diversos argumentos e contra-argumentos, muitas vezes igualmente plausíveis. “Por isso, a filosofia é uma actividade de certo modo vertiginosa, e poucos dos seus resultados ficam por desafiar muito tempo” (Thomas Nagel, O que quer dizer tudo isto? – Uma iniciação à Filosofia, Gradiva, 1995, pág. 9.)
No entanto, a reflexão filosófica também pode incidir em assuntos menos complexos e, por assim dizer, mais “leves” e menos “elevados” que os direitos dos animais ou o problema da justificação do Estado.
No livro O Significado das Coisas, Gradiva, Lisboa, 2002, A. C. Grayling ilustra bem essa possibilidade ao dissertar filosoficamente sobre assuntos como as viagens, o lazer e os presentes.
O que pode a Filosofia dizer sobre um acto tão frequente e banal como oferecer presentes?
Grayling começa por defender o valor e a importância do acto de oferecer presentes:
“O valor de um presente não pode ser medido pelo seu preço. Nenhuma quantia pode exprimir o valor de um presente que seja apropriado, oportuno, ponderado, bem escolhido, ou dado com grande amizade ou amor. Tais presentes veiculam parte do dador: representam a parte da sua história dedicada a pensar no recipiente e a procurar e escolher algo que fale dos seus sentimentos. (...) As melhores prendas não vêm embrulhadas. Assumem a forma de atitudes, gestos e sentimentos, solidariedade e auxílio oportuno.”
Depois Grayling mostra o outro lado da questão. Os presentes (como aliás muitas outras coisas) podem ter – por assim dizer – efeitos secundários perversos:
“Mas os presentes são coisas complicadas. ‘O presente de um inimigo é prejudicial, e não é um presente’, disse Sófocles. Qualquer coisa que seja dada visando uma retribuição, ou criando expressamente uma obrigação, pode revelar-se demasiado cara para quem recebe, embora seja gratuita no momento da recepção. ‘Os presentes são anzóis’, advertiu Marcial. Uma consideração próxima desta é que quem recebe pode vir a sentir rancor relativamente a quem dá, quer seja ou não verdade a sua convicção de que o presente esconde um anzol. Quem dá tem melhores sentimentos em relação a quem recebe do que vice-versa; é bom e reconfortante dar, pois não há muito que possa adulterar a auto-satisfação envolvida – excepto, claro está, a ingratidão deselegante ou mesmo a mera indiferença por parte de quem recebe. Mas quem recebe tem de exprimir prazer e agradecimento que poderão não ser sentidos na quantidade normalmente requerida e, ainda por cima, fica a partir de então na posição desvantajosa de devedor. ‘Nunca perdoamos completamente quem dá. A mão que nos alimenta corre algum risco de ser mordida’, disse Emerson.”
Em suma, oferecer presentes não é algo tão complexo como o aborto ou o sentido da vida, mas mesmo assim levanta dificuldades e dúvidas que não são meramente práticas. Ao pensar sobre essas dificuldades somos levados a pensar na ética das relações pessoais, na amizade, no amor e no que sabemos realmente acerca dos outros.
“Para a maioria dos seleccionadores de presentes, subsiste o mais profundo dilema da oferta. Como escreveu Antonio Porchia: ‘Sei o que te dei, mas não sei o que recebeste’. Um pensamento ponderado mas que revela também esta verdade: se sabemos o que recebeu quem recebe o nosso presente, ou o conhecemos bem, ou o amamos muito – ou ambos.”
Oferecer ou não oferecer, eis a questão.
Já agora duas informações úteis. Para os leitores relacionados com a Escola Secundária de Pinheiro e Rosa: O Significado das Coisas existe na Biblioteca da Escola. Para todos os leitores: não é um livro caro e foca – em capítulos breves, claros e lúcidos – muitos outros assuntos, uns mais "leves" que outros (a Mágoa, a Esperança, a Mentira, a Lealdade, o Amor, a Felicidade, o Ódio, o Arrependimento, a Fé, o Cristianismo, a Arte, etc.).
E para terminar, eis outra questão: porque não lê-lo?
O que pode a Filosofia dizer sobre um acto tão frequente e banal como oferecer presentes?
Grayling começa por defender o valor e a importância do acto de oferecer presentes:
“O valor de um presente não pode ser medido pelo seu preço. Nenhuma quantia pode exprimir o valor de um presente que seja apropriado, oportuno, ponderado, bem escolhido, ou dado com grande amizade ou amor. Tais presentes veiculam parte do dador: representam a parte da sua história dedicada a pensar no recipiente e a procurar e escolher algo que fale dos seus sentimentos. (...) As melhores prendas não vêm embrulhadas. Assumem a forma de atitudes, gestos e sentimentos, solidariedade e auxílio oportuno.”
Depois Grayling mostra o outro lado da questão. Os presentes (como aliás muitas outras coisas) podem ter – por assim dizer – efeitos secundários perversos:
“Mas os presentes são coisas complicadas. ‘O presente de um inimigo é prejudicial, e não é um presente’, disse Sófocles. Qualquer coisa que seja dada visando uma retribuição, ou criando expressamente uma obrigação, pode revelar-se demasiado cara para quem recebe, embora seja gratuita no momento da recepção. ‘Os presentes são anzóis’, advertiu Marcial. Uma consideração próxima desta é que quem recebe pode vir a sentir rancor relativamente a quem dá, quer seja ou não verdade a sua convicção de que o presente esconde um anzol. Quem dá tem melhores sentimentos em relação a quem recebe do que vice-versa; é bom e reconfortante dar, pois não há muito que possa adulterar a auto-satisfação envolvida – excepto, claro está, a ingratidão deselegante ou mesmo a mera indiferença por parte de quem recebe. Mas quem recebe tem de exprimir prazer e agradecimento que poderão não ser sentidos na quantidade normalmente requerida e, ainda por cima, fica a partir de então na posição desvantajosa de devedor. ‘Nunca perdoamos completamente quem dá. A mão que nos alimenta corre algum risco de ser mordida’, disse Emerson.”
Em suma, oferecer presentes não é algo tão complexo como o aborto ou o sentido da vida, mas mesmo assim levanta dificuldades e dúvidas que não são meramente práticas. Ao pensar sobre essas dificuldades somos levados a pensar na ética das relações pessoais, na amizade, no amor e no que sabemos realmente acerca dos outros.
“Para a maioria dos seleccionadores de presentes, subsiste o mais profundo dilema da oferta. Como escreveu Antonio Porchia: ‘Sei o que te dei, mas não sei o que recebeste’. Um pensamento ponderado mas que revela também esta verdade: se sabemos o que recebeu quem recebe o nosso presente, ou o conhecemos bem, ou o amamos muito – ou ambos.”
Oferecer ou não oferecer, eis a questão.
Já agora duas informações úteis. Para os leitores relacionados com a Escola Secundária de Pinheiro e Rosa: O Significado das Coisas existe na Biblioteca da Escola. Para todos os leitores: não é um livro caro e foca – em capítulos breves, claros e lúcidos – muitos outros assuntos, uns mais "leves" que outros (a Mágoa, a Esperança, a Mentira, a Lealdade, o Amor, a Felicidade, o Ódio, o Arrependimento, a Fé, o Cristianismo, a Arte, etc.).
E para terminar, eis outra questão: porque não lê-lo?
1 comentário:
Quem diria que até o acto de oferecer e receber presentes poderia ser analisado através da filosofia (das pequenas coisas, mas não menos importantes) sob forma de um dilema.
Ao dispensar algum tempo de reflexão acerca deste problema suscitaram-me ideias e algumas recordações que talvez invoque a título de exemplo.
Desde que a humanidade se desenvolveu ao ponto de começar a dar valor (emocional e material) aos objectos que utiliza e lhes pertence, que o acto de oferecer e receber passou a constituir um problema (talvez não filosófico, na época) pois veja-se que já os hominídeos procediam a trocas de objectos e nem sempre as coisas eram do mais pacífico possível. Já naqueles tempos os indivíduos se sentiam injustiçados ao oferecer algo que, para eles, tinha enorme valor e o acto lhes era retribuído com algo menos valioso.
Também ajuda a evidenciar o valor que se começou a dar aos objectos através de pinturas rupestres que demonstram os hominídeos a serem sepultados com os seus pertences mais queridos.
Esta primeira parte serve apenas para ilustrar a ideia de que, como seres racionais, atribuímos diferentes significados às coisas (objectos) e temos diferentes reacções quando as recebemos.
No entanto, com a evolução da espécie e dos tempos, desenvolvemos a nossa capacidade de dar valor aos actos como forma de brindar em vez do presenteamento com meros objectos.
Os presentes fazem hoje parte do nosso quotidiano e a sua utilização tem vindo a ganhar diferentes propósitos.
Existem alguns que consideram o acto de oferecer presentes e de os receber como algo frívolo e materialista e podiam argumentar dizendo: "para que não haja nenhum transtorno emocional por parte de ambos o presenteado e o presenteador não se devem, independentemente da ocasião, dar e/ou receber qualquer tipo presentes e ponto final."
Parece-me que esta não é a melhor forma de "combater o problema".
Para que haja satisfação de ambas as partes interessadas no decorrer do acto de presentear é necessário que:
- o presenteador tenha um conhecimento vasto de quem vai presentear, os seus gostos, etc.
- como já referi um presente pode ser um objecto ou um gesto e dependendo da situação cada qual tem a sua área de predominância.
Mas, ainda assim, persistem as boas velhas: "e se ele(a) não gostar do meu presente?" e “obrigado, adorei o presente, vou colocá-lo num lugar especial (muito provavelmente o lixo)”.
Deixo a minha proposta de solução. Presentear alguém deve ser feito se e só se o presenteado tiver feito algo consideravelmente proveitoso para o merecer. Caso o presente, escolhido de acordo com as circunstâncias vigentes, for entregue a alguém que tenha feito por o merecer o presenteador nunca correrá o risco de que o seu presente seja mal aceite e, por outro lado, o próprio presenteado ficará bastante grato.
Neste caso não se tratará de um acção recíproca pois o presenteado não se sentirá em dívida para com quem o presenteou e vice-versa. Ambas as partes sairão felizes.
Ainda assim, pode ficar na dúvida se eu, ao recusar a ideia de presentear só pelo enquadramento dos padrões culturais, considerarei os presentes de aniversário e os presentes de Natal ou de outras quadras festivas inúteis e levianos - a resposta é sim! Como já referi um presente só tem valor quando entregue para (redundâncias à parte) presentear alguém pelo mérito. Constata-se que os presentes de Natal não encaixam na minha visão de mérito, talvez encaixassem se se da geração dos meus avós se tratasse. Por outro lado acho bastante ridículo brindar alguém por “fazer anos”, no máximo presenteava-se a progenitora que teve grande parte do trabalho para nos trazer ao mundo, e ainda assim…
Espero que a minha ideia de resolução do dilema da oferta seja construtiva e útil, visto os tempos festivos já se estarem a avizinhar.
David Canário, 11ºD
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