«No diálogo Teeteto, Platão refere: “Conta-se, acerca de Tales, que teria caído num poço quando se ocupava com a esfera celeste e olhava para cima. Acerca disto, uma criada trácia, espirituosa e bonita, ter-se-ia rido e dito que ele queria, com tanta paixão, ser sabedor das coisas do céu, que lhe permaneciam escondidas as que se encontravam diante do seu nariz e sob os seus pés.”
Platão acrescentou ao relato desta história, a seguinte afirmação: “O mesmo escárnio aplica-se a todos os que se ocupam da filosofia.” A filosofia é, portanto, aquele modo de pensar (…) acerca do qual as criadas necessariamente se riem.»
M. Heidegger, Que é uma coisa?, Edições 70, 1992, pp. 14-15.
Na linguagem do dia-a-dia a palavra “filósofo” é muitas vezes utilizada, pejorativamente, como equivalente a:
- “aquele que divaga: fala, fala e não diz nada”;
- “aquela criatura irritante que só sabe fazer perguntas”;
- “aquele que só tem teorias e é incapaz de apresentar soluções para os problemas práticos: fala mas não age, critica mas não faz”.
É verdade que esta caricatura descreve alguns daqueles que estudam ou ensinam Filosofia – nomeadamente, os que utilizam um discurso obscuro com uma terminologia filosófica pomposa, e supostamente erudita, que visa ocultar a falta de clareza das ideias ou até a ausência destas.
É fácil perceber porque motivo existe essa imagem negativa do filósofo, cuja tradição é longa (Platão descreveu-a a propósito de Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo). Basta considerar o facto de cada um de nós viver imerso em preocupações quotidianas de natureza prática e de, na voragem do dia-a-dia, o tempo e o distanciamento em relação ao imediato – condições necessárias à reflexão – serem, para a maior parte das pessoas, escassos ou inexistentes. Além disso, vivemos numa época em que a rapidez dos resultados e a mera eficácia prática são critérios essenciais para avaliar o sucesso de qualquer actividade.
Filosofar requer a análise e o questionamento das nossas ideias fundamentais, o conhecimento e o confronto com opiniões diferentes das nossas. Tudo isto surge aos olhos das pessoas “práticas” como algo bizarro e incómodo: Para quê pensar, se é mais fácil obedecer? Porquê adoptar uma atitude inconformista, se beneficiamos mais em seguir a opinião dos que detêm o poder? Para quê questionar as nossas crenças básicas, quando é muito mais fácil seguir as ideias feitas, a tradição, o senso comum, etc?
Por isso, para a maioria das pessoas ligadas a um qualquer poder instituído (seja ele de que natureza for) e aos interesses instalados, os que analisam e discutem ideias são um alvo a abater: é assim agora e sempre assim foi no passado (actualmente em Portugal podemos encontrar, nomeadamente nas escolas e nos partidos políticos, muitos exemplos que ilustram este facto). É natural que a esses importe transmitir da Filosofia e dos que dela se ocupam a visão caricatural a que Platão faz alusão.
Na Alegoria da Caverna, referindo-se à condição humana, Platão descreve o caminho árduo do prisioneiro em direcção à luz e ao conhecimento – no entanto será sempre nossa a decisão de escolher percorrê-lo ou optar por ficar no interior da caverna. Por outras palavras: escolher entre a lucidez decorrente da atitude crítica e uma vida vivida sem reflectir. Aos olhos das “criadas”, trácias ou não, o modo de pensar filosófico será sempre risível e os filósofos andarão sempre com a cabeça nas nuvens.
1 comentário:
È a sociedade e o mundo que temos!!
È realmente verdade que algumas pessoas se limitam a criticar os que se esforçam por ir mais além, por se deixar elevar largando por vezes "a cabeça nas nuvens".Na minha opinião, para estas pessoas é muito mais fácil criticar os que procuram respostas na lógica, aos que vão ao encontro da filosofia por si mesmos, muitas das vezes sendo vistos como "anormais" para muitos: "Mas porquê este homem/mulher se ocupa com estas coisas estúpidas e que não nos fazem falta nenhuma?".<--È uma questão que muitas das vezes é posta em causa pelas pessoas limitadas, afinal, é sempre mais fácil criticar o que "supostamente" não está tanto so seu alcançe, que se desconheçe e certamente deve ser algo absurdo e desnecessário para a vida humana.
O mais importante está no básico, no "EU" em que se vive, á rotina de sempre em que não se procuram respostas a coisas que já fazem parte do "NÂO_EU". Limitam-se a seguir a opinião colectiva não procuram uma opinião própria formalizada. Afinal: "Para quê pensar quando é mais fácil (por exemplo) esperar a resposta do meu colega mais inteligente da turma?"; "Não terei de me esforçar, não terei de reflectir e terei uma boa resposta para mim, uma boa opinião a seguir, ainda que não saiba e não perceba o que nela está explicito!". Isto é um exemplo que é muito frequente em muitas escolas portuguesas, talvés em muitos outros paises, ou todo o mundo em si!
A verdade é que no geral, as pessoas adoptam as opiniões colectivas, o básico e desprezam e desvalorizam quem por vezes "PErde a CabeÇa NAs NUvens"!!!
Obrigado professor...
A aluna: Jacinta Rocha 11ºF!
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